O fundamental na unidade orgânica do Partido já vai sendo alcançado

Luiz Carlos Prestes

23 de março de 1946


Primeira edição: entrevista publicada em A Classe Operária, nº 3 da terceira fase, 23 de março de 1946, pp. 1-2.

Fonte: Arquivo Marxista na Internet, Seção Temática, Imprensa Proletária: A Classe Operária.

Transcrição e HTML: João Batalha.

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Foi num breve intervalo de suas inúmeras ocupações que o camarada Prestes nos concedeu a presente entrevista em que visamos balancear as atividades do Partido Comunista durante 10 meses de vida legal. Infelizmente, em vista da falta de espaço, é impossível apresentar um quadro geral das realizações do Partido durante esse período. Outros assuntos que deveriam ser focalizados aqui para completar o balanço serão divulgados posteriormente. Publicamos hoje apenas o que consideramos indispensável a fim de se ter uma visão geral do Partido na sua nova vida.

O CRESCIMENTO DO PARTIDO

— Foi, sem dúvida, notável o crescimento do Partido durante estes meses de vida legal — disse-nos o camarada Prestes. E continuou: “Dir-se-ia que o proletariado, os trabalhadores em geral, estavam à espera da abertura das sedes do Partido a fim de demonstrarem seu apoio aos que souberam resistir e lutar contra o fascismo e seu desejo de entrar para as fileiras do Partido do proletariado. Passamos já do pequeno Partido de poucos milhares de membros para a grande organização que se espalha hoje por todo o país e que ganha, cada vez mais, raízes profundas nas concentrações operárias mais importantes.

Como não podia deixar de ser, no entanto, esse crescimento rápido não permite ainda a organização indispensável. Falta ao nosso proletariado experiência de fato de organização, consequência natural de sua própria formação, operariado que é de um país, como o nosso, pouco desenvolvido industrialmente. Esta é mesmo, segundo a nossa opinião, a nossa maior debilidade, já que o Partido, como parte que é da classe operária, reflete naturalmente todas as qualidades e defeitos dessa mesma classe. Mas lutamos por superá-las, e não há dúvida de que ninguém mais do que o proletariado deu provas, em nossa terra, nos últimos meses, de ser capaz de organizar-se. Basta lembrar os exemplos dos grandes comícios organizados pelo nosso Partido, como os do Vasco, o do Pacaembu e, mais tarde, os da campanha eleitoral, a maior demonstração de massas já realizada no Brasil.

LUTA PELA UNIDADE

— Outra dificuldade com que lutamos na organização do nosso Partido — prosseguiu o camarada Prestes — está nas enormes extensões que separam as diversas organizações do Partido. Em cada estado há tanto de específico no nível de desenvolvimento econômico e industrial, nos costumes e nos hábitos populares, que isso tudo se reflete logo como diferenças inevitáveis na organização do Partido.

Lutamos, no entanto, pela homogeneidade e pela uniformidade na política orgânica, como uma necessidade da própria unidade do movimento operário no Brasil e da unidade política indispensável ao nosso Partido.

O fundamental na unidade orgânica já vai sendo alcançado, porque consiste em orientar toda a política orgânica do Partido, em buscar, antes e acima de tudo, as grandes empresas, as mais importantes de cada estado ou localidade. E isto, sem dúvida, é o que o nosso Partido vem fazendo com sucesso nos últimos meses.

— Infelizmente — continua o Secretário-geral do PCB — não podemos dizer o mesmo quanto ao trabalho de organização no campo. São poucas ainda as nossas organizações de fazendas, usinas, etc., consequência não tanto já da subestimação desse trabalho entre as massas trabalhadoras do campo, como das próprias dificuldades naturais com que se luta para realmente organizar as massas camponesas.

O PROBLEMA DE RECRUTAMENTO

Prestes passou a abordar o problema de recrutamento, no qual foram apontadas debilidades, no Pleno de janeiro. A propósito, disse o seguinte:

— Da maior ou menor rapidez com que organizarmos a luta das grandes massas trabalhadoras, dependerão, na verdade, o crescimento e a organização do Partido. É através das grandes lutas de massas que se revelarão os verdadeiros chefes populares, os homens mais ligados às massas, os melhores conhecedores de nossas reivindicações. Será essa a verdadeira maneira de recrutar novos elementos para as fileiras do Partido, e não a catequese individual, muito mais demorada e perigosa mesmo. Para o Partido, em vez das pessoas com quem simpatizamos, precisamos trazer os verdadeiros dirigentes, e esses só se revelarão na luta. Será assim, através da luta pelas reivindicações dos trabalhadores, que melhor organizaremos o Partido nas grandes empresas e o levaremos de fato ao campo. Mas para que os companheiros dos nossos organismos de base aprendam a fazer isso, não bastam circulares e cartazes. É indispensável que os dirigentes dos Comitês Estaduais, Municipais e Distritais saibam ajudá-los diretamente a ligar-se com a massa, a estudar suas reivindicações e, especialmente, a organizá-los na luta por seus interesses mais imediatos.

A VIDA DAS CÉLULAS

— É nisto que consiste principalmente aquilo que na última reunião plenária do Comitê Nacional denominávamos de levar o centro de gravidade de todas as atividades do Partido para as células, prosseguiu o camarada Prestes. Precisamos realmente fazer das células organismos vivos, sensíveis a todas as reações da massa não comunista da empresa ou do bairro a que pertencemos. As células do nosso Partido precisam ser cada vez mais os organismos que primeiro revelem as necessidades populares, capazes também de, sem nenhuma ajuda externa, dirigirem a luta por essas reivindicações — o que significa a aplicação independente da linha política às reivindicações específicas do local em que funcionam as células.

Nesse sentido, as nossas dificuldades ainda são grandes, mas, sem dúvida, a crítica da última reunião plenária já começa a produzir seus frutos. É com satisfação e orgulho que a direção nacional recebe, quase diariamente, informações que revelam a capacidade de iniciativa dos nossos organismos de base, da espontaneidade com que reagem às vicissitudes da própria vida e aplicam com inteligência, no momento preciso, a linha política do Partido, de acordo com as condições do local.

ELEVAÇÃO DO NÍVEL TEÓRICO

A falta de quadros foi outra debilidade apontada no informe político de janeiro. Sobre este ponto, disse-nos o camarada Prestes:

— Agora, já podemos começar a dar maior atenção a outra grande debilidade, inevitável no Partido, em consequência de seu rápido crescimento. Refiro-me à falta de quadros, ao baixo nível teórico e ideológico da maioria dos nossos dirigentes, quase todos eles ainda ontem elementos de base do Partido, sem nenhuma responsabilidade de direção, e muitos recrutados há poucos meses somente. Nas condições brasileiras, dadas as dificuldades de comunicação, precisamos ter em cada estado, pelo menos, um grupo de dirigentes na altura de orientarem independentemente a luta política do proletariado e do povo.

Os nossos Comitês Estaduais precisam estar na altura dos Comitês dirigentes de qualquer Partido irmão do continente. Daí a premência da educação política dos quadros para os Comitês Estaduais e da justa seleção ideológica dos quadros como garantia da independência de classe de todos os grandes organismos estaduais do Partido.

ESCOLAS PARA QUADROS

— Para essa formação de quadros — continua — já contamos agora com mais um elemento que é a CLASSE OPERÁRIA, na qual devemos divulgar o mais possível a teoria marxista, em íntima ligação com a prática política do mundo e de nossa terra. Precisamos, para breve, em cada estado, séries de conferências para dirigentes municipais e distritais, as quais ficarão a cargo dos companheiros mais responsáveis. E já estão sendo tomadas medidas necessárias para o início, na capital do país, de um curso rápido à formação de dirigentes estaduais — finalizou o camarada Prestes.