A Situação Política e a Luta por um Governo Nacionalista e Democrático
Luiz Carlos Prestes

III - A Luta de Massas por um Novo Rumo na Política do Governo


Cumpre-nos estudar a experiência das lutas que o povo brasileiro travou em 1958 para defender as conquistas nacionalistas e democráticas já alcançadas, para resistir aos ataques do entreguismo e impor novo rumo à política do governo.

1. Embora ainda pouco coeso e sem programa definido, o movimento nacionalista constitui uma forma de frente única que já aglutina importantes setores de diferentes classes e camadas sociais pugnando pelos interesses gerais da nação.

A atuação do movimento nacionalista tem se orientado para a luta por certas soluções, cuja urgência decorre do próprio desenvolvimento da situação objetiva do país. Exemplo típico é o da luta em favor da normalização das relações com a União Soviética e os demais países socialistas. Reivindicação repetidas vezes levantada pelas entidades operárias e estudantis, entusiàsticamente aplaudida pelas massas nos comícios e assembléias, por ela vem se manifestando número crescente de personalidades influentes na vida pública, intérpretes do pensamento não só da burguesia como de consideráveis setores de fazendeiros. Elementos do governo, inclusive representantes diplomáticos, declaram-se abertamente a favor da medida. A isto se opõem encarniçadamente os agentes do imperialismo norte-americano, que se apóiam nos elementos mais retrógrados da sociedade brasileira, freando as tendências positivas existentes no governo.

Importantes experiências de frente única constituem as lutas travadas contra as concessões às empresas imperialistas American Can e Ishikawagima e contra a orientação antinacional do Sr. Renato Feio na presidência da Rede Ferroviária Federal e pela encampação de filiais da Bond and Share em diversos pontos do país. Fato especialmente positivo tem sido a ação do movimento nacionalista em defesa da Petrobrás, contra sucessivas campanhas entreguistas, abertamente orientadas pelo imperialismo norte-americano.

A rápida e vigorosa mobilização dos nacionalistas nas organizações de massas, no Parlamento e no seio do governo não permitiu que pudessem ter curso favorável em nosso país as teses entreguistas a respeito das supostas vantagens da "solução Frondizi", repudiadas no mesmo momento em que a visita do Sr. Foster Dulles era recebida com hostilidade generalizada pela opinião pública.

As lutas patrióticas do povo brasileiro repercutem no Parlamento, onde os deputados nacionalistas dos vários partidos denunciam as manobras dos agentes do imperialismo norte-americano, apóiam as reivindicações das massas populares e tomam posição a favor de soluções consentâneas com os interesses nacionais. Trabalho especialmente proveitoso têm realizado as diversas comissões parlamentares de inquérito, que permitiram o esclarecimento público de questões de grande interesse para a nação, merecendo o apoio e o estímulo das forças patrióticas.

A experiência demonstra, portanto, que as lutas da frente única são o instrumento adequado para alcançar as modificações necessárias na política e na composição do governo, em sentido positivo para o desenvolvimento independente e progressista da nação brasileira. Se tais modificações não foram conquistadas, isto se deve à oposição do setor entreguista do governo e também à insuficiente iniciativa por parte do movimento nacionalista, apesar das condições lhe serem, em geral, favoráveis. Esta insuficiente iniciativa não só é resultado como causa da insatisfatória capacidade de mobilização e organização de massas, que continua caracterizando o movimento nacionalista. Aliar a resistência ao entreguismo à atuação com espírito de iniciativa em prol de soluções amadurecidas é indispensável para despertar e conduzir à luta patriótica as massas e os setores da sociedade brasileira ainda não esclarecidos e mobilizados. Desta maneira, as forças nacionalistas e democráticas conseguirão responder mais energicamente aos ataques do entreguismo e, ao mesmo tempo, tomar-lhe sucessivas posições, acelerando o processo de acumulação de modificações na situação política, inclusive na política e na composição do atual governo, processo que pode alterar substancialmente a correlação de forças e abrir caminho à conquista de um governo nacionalista e democrático.

Também por esta via é que o movimento nacionalista irá superando a debilidade de suas presentes formas de coordenação, certa timidez que ainda existe em seus esforços de frente única, e atingir formas de organização que não devem ser impostas de modo precipitado, mas preencher necessidade já amadurecida e tornada consciente para as diferentes forças que participam do movimento.

Para que se fortaleça o apoio das massas à causa nacionalista, é indispensável que os problemas do desenvolvimento econômico e da emancipação nacional sejam mais claramente postulados em vinculação com os interesses vitais de vastas massas trabalhadoras da cidade e do campo. A causa da emancipação nacional aumenta seu poder de mobilização quando se relaciona intimamente com a formulação de uma política econômica em que se reflita o interesse imediato das vastas massas na defesa e na elevação de seu nível de vida.

2. Uma característica da situação nacional em 1958 consistiu, precisamente, em que não somente se agravou a contradição principal como também se agravaram as demais contradições. A crise cambial, provocada pela queda nas exportações, reflete-se em todo o conjunto da economia nacional e contribui, ao lado de fatores internos, para acelerar o processo inflacionário, cujo ritmo se elevou consideravelmente no segundo semestre de 1958, tornando mais difíceis as condições de vida das massas trabalhadoras. Os interesses imediatos destas se chocaram, por isto, mais fortemente, com a política econômica seguida pelo governo.

Não podia deixar de aguçar-se, nestas condições, a contradição entre o proletariado e a burguesia. Em certas áreas do país, aprofundaram-se as contradições agrárias.

O processo inflacionário tem suas causas, por um lado, na permanente evasão de parcelas da renda produzida no país e apropriada pelo capital estrangeiro, e nas repetidas desvalorizações cambiais de nossa moeda, tantas vezes praticadas para beneficiar o setor de exportação — fazendeiros e grandes comerciantes — em detrimento do conjunto da economia nacional. Por outro lado, o processo inflacionário vem acompanhando o desenvolvimento econômico do país, uma vez que esse desenvolvimento tem sido realizado em grande parte através de investimentos e créditos do Estado, alimentados por sucessivas e maciças emissões de papel moeda. O desenvolvimento econômico e a função positiva que o Estado nele desempenha correspondem aos interesses gerais da nação. Diante da inflação, entretanto, a posição das diversas classes sociais não pode deixar de ser contraditória. Mantida dentro de certas proporções, a inflação é vantajosa para a burguesia, que aufere superlucros, enquanto o proletariado e os trabalhadores em geral são prejudicados em seus interesses vitais, lutam contra os efeitos imediatos da inflação e ganham consciência da necessidade de uma política econômica que estimule o progresso do país sem aumentar os sacrifícios das massas, porém que, ao contrário, lhes assegure condições de vida melhores e mais estáveis.

Compreende-se, por isso, que tenham aumentado em todo o país o descontentamento e a inquietação das grandes massas com a atual política econômica do governo e, em particular, com a inflação. As massas não aceitam que as dificuldades da situação econômica sejam descarregadas sobre seus ombros e provoquem o rebaixamento de seu nível de vida. Este sentimento se manifestou nas lutas contra a carestia em São Paulo, Fortaleza, Itajaí, Florianópolis e Belo Horizonte, em que os trabalhadores e estudantes se chocaram contra a violenta repressão policial, responsável por numerosos mortos e feridos. Tendo surgido espontaneamente, essas lutas conduziram logo em seguida a importantes demonstrações organizadas do movimento sindical e das entidades do funcionalismo, sobretudo em São Paulo e no Rio. Partindo das reivindicações de novos níveis para o salário mínimo oficial, do aumento de vencimentos para o funcionalismo e do efetivo congelamento dos preços, os representantes dos trabalhadores formularam diante do Presidente da República seu apoio intransigente ao monopólio estatal do petróleo e reivindicaram outras medidas de interesse nacional, como a ampliação dos mercados externos e a concessão de terras e créditos aos pequenos agricultores.

A classe operária organizada em seus sindicatos desempenha papel de vanguarda nas lutas de massas. Os sindicatos têm o objetivo específico de lutar pelas reivindicações econômicas dos trabalhadores. Os militantes sindicais não podem deixar de ter sempre em vista este objetivo específico, atuando constantemente em função dele. Ao mesmo tempo, o movimento sindical possui uma importância que transcende os limites das reivindicações econômicas. O desenvolvimento independente e progressista da economia nacional exige a elevação do nível de vida das massas. As lutas dos trabalhadores por suas reivindicações econômicas e sociais se fundem, assim, com sua participação na luta patriótica.

O movimento sindical deu em 1958 importantes passos que reforçaram sua unidade e organização. Para isso contribuíram as conferências sindicais do Distrito Federal e de diversos Estados e principalmente a Primeira Conferência Sindical Nacional, que uniu em nível mais alto as correntes de maior influência entre os trabalhadores brasileiros. É. necessário, pois, desenvolver esse processo unitário, atuando de acordo com a estrutura legal da organização sindical brasileira, a fim de ampliar as posições da classe operária e dos trabalhadores para a conquista de novas reivindicações, como a aprovação final pelo Congresso das leis de previdência social e de regulamentação do direito de greve, cuja tramitação se encontra até agora paralisada no Senado. O fortalecimento do movimento sindical é uma condição de primeira importância para que a classe operária possa desempenhar seu papel de vanguarda nas lutas pela emancipação nacional e a democracia.

Com o agravamento da situação econômica do país tornaram-se mais duras as condições de vida das massas camponesas, particularmente nas zonas cafeeiras e no Nordeste, onde a seca novamente se abateu sobre as populações de vastas áreas agrícolas, suscitando lutas de grandes contingentes de flagelados. Entretanto, as lutas camponesas ainda são, na maior parte, espontâneas e dèbilmente organizadas, pouco contribuindo para fortalecer o movimento nacionalista e democrático.

As camadas médias das cidades, particularmente os estudantes, manifestam de diversas formas seu protesto contra a situação de dependência diante do imperialismo e contra o agravamento da situação econômica, participando mais ativamente do movimento nacionalista e das lutas contra a carestia.


Inclusão 13/06/2006