A Situação Política e a Luta por um Governo Nacionalista e Democrático
Luiz Carlos Prestes

VI - Por uma Política de Soluções Nacionalistas e Democráticas


O agravamento da contradição que opõe a nação ao imperialismo norte-americano e seus agentes internos cria objetivamente as condições para ampliar a frente única nacionalista e democrática e para dar-lhe o apoio de vastas massas.

A experiência já vivida por nosso país leva a concluir que os interesses nacionais, que reclamam o desenvolvimento independente, não poderão ser conciliados com os interesses exploradores dos monopólios dos Estados Unidos. A linha de desenvolvimento dependente e desnacionalizado, que certos círculos das classes dominantes, cuja influência prevalece no governo, pretendem prosseguir, é uma linha marcada por insanáveis contradições. Ela implica em graves deformações para a economia do país e se chocará cada vez mais com a aspiração nacional a um verdadeiro desenvolvimento econômico independente e progressista, livre da exploração e das imposições do imperialismo norte-americano. O povo brasileiro unirá cada vez mais suas forças, acima de diferenças sociais, políticas e ideológicas, para sair da situação de dependência e subdesenvolvimento em que ainda se encontra. O dever de todos os patriotas conscientes é o de forjar o instrumento indispensável para essa luta: a frente única nacionalista e democrática.

Patriotas decididos e conseqüentes, os comunistas devem ter a participação mais ativa no movimento nacionalista, sem poupar energias para ampliá-lo e fortalecê-lo. A fim de dar ao movimento nacionalista o sólido apoio de massas de que carece, cabe aos comunistas colocar-se à frente das massas e de suas lutas. Os comunistas precisam contribuir incansavelmente para elevar o grau de unidade e organização do movimento sindical, para mobilizar e organizar as massas camponesas, para desenvolver, reforçar e multiplicar toda a espécie de organizações em que a massa se reúne a fim de tratar de seus interesses específicos, por mais modestos que sejam em sua aparência.

O agravamento da contradição principal e de todas as demais contradições coloca na ordem-do-dia uma série de problemas que já estão maduros para serem enfrentados pelo governo com apoio do movimento nacionalista e das amplas massas populares, A solução de cada um destes problemas, que só pode ser alcançada no sentido dos interesses nacionais, representará novo passo para a conquista de uma política nacionalista e democrática, que é vitalmente necessária ao povo brasileiro.

Os comunistas consideram que as seguintes questões encerram atualmente uma importância primordial e imediata para nosso país:

1º — Política exterior independente e de paz. Trata-se de alcançar uma política exterior verdadeiramente nova, contrária, em seu espírito e em sua prática, à política seguida até agora pelo Itamarati. Ao invés de submeter-se ao Departamento de Estado e de tentar o caminho da barganha de concessões com o imperialismo norte-americano, a conduta do Brasil na arena internacional deve refletir uma orientação independente, voltada para a defesa da paz mundial e da soberania dos povos. O primeiro passo para uma política desta natureza é, atualmente, o reatamento de relações diplomáticas e comerciais com a União Soviética e a normalização das relações com todos os demais países socialistas, inclusive o reconhecimento da República Popular da China. O Brasil é um Estado politicamente soberano, que deve representar no cenário internacional papel correspondente a seu potencial econômico, população e território, o que é impossível enquanto nosso país estiver privado de relações normais com os Estados em que vive um terço da população do globo, possuidores de um potencial econômico em vertiginoso crescimento e de um desenvolvimento cultural que já ocupa, em importantes esferas, o primeiro lugar no mundo.

A normalização das relações tanto comerciais como diplomáticas com a URSS e os demais países socialistas não constituirá, por si só, uma nova política exterior, mas pode vir a ser um primeiro e sério passo no sentido de sua conquista.

A luta pelo reatamento de relações com os países socialistas, que se inspira nos interesses gerais da nação, pode e deve assumir o caráter de amplíssimo movimento, que abarque todas as classes sociais.

Uma política exterior independente exige a estreita aproximação do Brasil aos povos que possuem interesses semelhantes aos nossos, isto é, os países subdesenvolvidos da América Latina, Ásia e África. Ao invés de apoiar invariavelmente com seu voto as posições do imperialismo norte-americano, os representantes brasileiros na ONU e nas outras organizações internacionais precisam atuar de acordo com os interesses nacionais, que correspondem aos dos povos coloniais e dependentes em seus conflitos com as potências imperialistas.

As relações do Brasil com os Estados Unidos, como em geral com os demais países, devem ser colocadas em base de plena igualdade de direitos, de efetiva reciprocidade de vantagens e da repulsa a qualquer interferência na vida interna de nosso país.

2º — Desenvolvimento independente e progressista da economia nacional. A este respeito as seguintes questões possuem caráter de urgência:

a) Ampliação do comércio exterior. Numa fase de queda drástica de valor das exportações e, conseqüentemente, de dificuldades cada vez maiores para as importações, é inadmissível continue nosso comércio exterior estrangulado na área do dólar. A economia nacional tem necessidade vital de novos mercados externos, o que se refere, em primeiro lugar, aos mercados de imenso poder aquisitivo da União Soviética e dos demais países socialistas. Conforme já reconhecem os economistas do próprio Itamarati, o mercado socialista pode absorver crescente quantidade dos produtos brasileiros de exportação. Ao mesmo tempo, considerável economia de despesas em dólares será feita através da aquisição de petróleo, trigo, equipamentos e diversas matérias-primas nos países socialistas, favorecendo o processo de industrialização nacional. Nossos mercados externos podem ser também ampliados em outras áreas, particularmente na Europa e na América Latina. Instrumento imprescindível para a ampliação do comércio exterior devem ser os acordos bilaterais, que os teóricos ligados a interesses norte-americanos condenam em nome de um falso liberalismo. A política de diversificação das exportações só alcançará êxito se for vinculada à ampliação dos mercados externos e à prática dos acordos bilaterais.

b) Superação da crise cambial. O governo vem tentando superar a crise cambial através da atração de inversões estrangeiras diretas, que recebem escandalosos favores, e da obtenção de novos empréstimos nos Estados Unidos, cuja concessão vem geralmente acompanhada de imposições econômicas e políticas lesivas aos interesses nacionais. Embora por este caminho seja possível alcançar certo alívio temporário da crise cambial, será inevitável seu agravamento futuro, tornando ainda mais penosa a dependência econômica do país. A crise cambial pode ser superada, porém, com uma orientação voltada para a emancipação da economia nacional. De orientação desta natureza faz parte a política de sustentação dos preços dos produtos de exportação, sobretudo o café e o cacau, que o governo tem seguido, embora com vacilações e recuos. Mas, além desta, outras medidas se impõem. Consideráveis economias de dólares poderão ser feitas com as importações procedentes dos países socialistas e de outras áreas, inclusive no que se refere a importações essenciais. Ao invés de favorecer as remessas do capital estrangeiro aumentando a oferta de divisas no mercado livre de câmbio, como fizeram recentes instruções da SUMOC e como é objetivo da projetada reforma cambial, o que, pelo contrário, corresponde aos interesses nacionais é a inadiável e rigorosa limitação daquelas remessas através de legislação especial sobre o assunto. O princípio a ser seguido deve ser o de que as repatriações e remessas do capital estrangeiro se subordinem às necessidades do país, não afetando as disponibilidades de divisas para importações essenciais à indústria e a outros setores da economia nacional. O enorme consumo de divisas pelos fretes e seguros marítimos deve ser reduzido através do reaparelhamento e renovação da frota mercante brasileira, o que começa a ser feito, do estabelecimento de percentagens obrigatórias — a serem gradativamente aumentadas — de cargas exportadas e importadas por navios nacionais, e do cumprimento efetivo de dispositivo constitucional que veda o transporte de cabotagem a navios estrangeiros. Dentro da política de proteção e estímulo à produção nacional substitutiva de importações, cabe, em primeiro lugar, às empresas estatais a norma obrigatória de orientar suas encomendas o mais possível para a indústria nacional. O aumento de divisas disponíveis, à medida que for conseguido, deve ser empregado exclusivamente nas importações essenciais, em benefício das quais precisa ser aplicada a política de câmbio prioritário mais baixo, ao invés da taxa única que uma reforma cambial de inspiração norte-americana pretende estabelecer.

c) Eliminação dos privilégios concedidos ao capital estrangeiro. A legislação brasileira é, atualmente, das mais favoráveis de mundo para o capital estrangeiro, o que agrava a exploração a que o país ê submetido pelos monopólios imperialistas, sobretudo norte-americanos, e cria situações de verdadeira discriminação contra o capital nacional. O instrumento principal desta política vem sendo o regime de favores cambiais inaugurados pela Instrução 113 da SUMOC e incorporado à legislação posterior. A entrada sem cobertura cambial, a concessão de divisas pelo custo de câmbio, a isenção de tarifas e de outros tributos, o aval do governo para empréstimos no exterior, a pródiga concessão de créditos pelos bancos estatais e uma série de outros privilégios — tudo isto tem conduzido a um rápido incremento das inversões diretas de capital monopolista estrangeiro, em sua maior parte dos Estados Unidos, e ao seu domínio em alguns setores fundamentais da indústria do país. Os interesses nacionais reclamam uma política oposta, que deve começar pela revogação do regime instituído com a Instrução 113.

Deve ser princípio fundamental da política econômica do governo o de basear o desenvolvimento nos recursos internos do país, protegendo as iniciativas realmente nacionais, sejam estatais ou privadas. A ajuda estrangeira é útil e pode acelerar nosso desenvolvimento, mas para ser verdadeira ajuda precisa ser recebida através de financiamentos, isto é, de capital de empréstimo, e não de inversões diretas, que invariavelmente se fixam como formas de transferência de parcelas crescentes da renda nacional para o exterior. Os próprios financiamentos não são desejáveis se destinados a empresas imperialistas.

Os financiamentos externos úteis ao país são os que se destinam a empresas nacionais e principalmente aqueles que são feitos de governo a governo para aplicação sob a forma de capitalismo de Estado nos setores básicos da economia. Os financiamentos devem ser buscados em qualquer parte do mundo, inclusive nos países socialistas, obedecendo sua escolha ao critério da ausência de imposições políticas e às melhores condições no que se refere a juros, prazos de amortização e assistência técnica. A experiência tem mostrado que a aquisição da técnica estrangeira não precisa vir incorporada às inversões diretas, mas pode ser feita através dos financiamentos ou de contratos especiais. A técnica industrial não é monopólio dos Estados Unidos e o Brasil tem possibilidades de adquiri-la, sem abdicar do desenvolvimento independente, em diversos países da Europa ocidental ou do leste socialista.

No setor da energia elétrica, o país não pode mais continuar submetido ao monopólio da Light e da Bond and Share, nem é admissível que os grandes investimentos estatais na construção de hidrelétricas sirvam ainda para prolongar e reforçar esse monopólio. Paulo Afonso, Furnas e Três Marias precisam ser pontos de apoio do Estado para uma política da nacionalização da produção e distribuição de energia elétrica. A encampação de filiais da Bond and Share, já reclamada por alguns governos estaduais e prefeituras, não deve encontrar obstáculos, mas apoio nos órgãos federais. É necessário dar bases firmemente nacionalistas à Eletrobrás e lutar pela rejeição dos dispositivos antinacionais do projeto de lei 1898-56.

A política de defesa e fortalecimento do monopólio estatal do petróleo, consubstanciado na Petrobrás, tornar-se-á completa, como já é necessário, com a extensão do monopólio estatal à distribuição em grosso dos derivados de petróleo, por enquanto ainda em mãos dos trustes imperialistas.

Todo apoio devem receber as empresas estatais, que constituem esteios da indústria pesada do país e instrumentos imprescindíveis à sua emancipação econômica.

Só pode ser benéfica, finalmente, ao país a nacionalização dos bancos de depósitos e das companhias de seguros estrangeiras, que manobram com grandes parcelas do capital nacional e são instrumentos da política do capital financeiro internacional.

d) O progresso da economia nacional sofrerá de grave debilidade enquanto se acentuar o atraso do norte e do nordeste com relação às demais regiões do país.

Habitado por cerca de um quarto da população do país, o problema do Nordeste, em particular, se apresenta como uma das questões cruciais do desenvolvimento nacional. A última seca veio tornar patente, mais uma vez, a inanidade das soluções tipo DNOCS, que consomem enormes verbas públicas em pequenos empreendimentos, favorecendo a criminosa dilapidação do dinheiro do povo pelas camarilhas políticas dominantes. Os efeitos das secas apenas acentuam a crônica penúria das grandes massas camponesas, provocando migrações que pressionam o mercado de mão-de-obra do sul do país no sentido de baixos salários reais. Tanto na agricultura como na indústria, os Estados do Nordeste se atrasam cada vez mais com relação aos Estados sulinos. Diante desta situação, as questões da industrialização e da reforma agrária vêm sendo colocadas na ordem-do-dia, embora sob postulações diversas, por amplas forças sociais do Nordeste. O planejamento da sua industrialização é necessário, prevendo ajuda substancial do governo federal através da realização de investimentos básicos, a exemplo de Paulo Afonso, do fornecimento de créditos a empreendimentos progressistas, sejam públicos ou privados, da facilidade para a obtenção de divisas, da assistência técnica e de outros meios. A industrialização exige a criação de um amplo mercado interno, devendo ser combinada, por isto, a medidas efetivas de reforma agrária, que elevem o poder aquisitivo, de milhões de camponeses e façam prosperar a agricultura.

A renovação econômica do Nordeste, reclamada por suas forças progressistas, será benéfica ao conjunto do país e não pode deixar de ter o apoio entusiástico do movimento nacionalista.

3º — Medidas de reforma agrária em favor das massas camponeses. A realização da reforma agrária constituirá passo fundamental para o processo de nossa economia. Ela é indispensável para valorizar o imenso potencial permanentemente desperdiçado de milhões de camponeses desprovidos de terra e de outros meios de produção, para ampliar o mercado interno necessário à indústria através da elevação da renda de todas as categorias de trabalhadores agrícolas, para elevar a produção e a produtividade da agricultura a fim de que, em matéria de volume e de preços de custo de gêneros alimentícios e matérias-primas, possa atender às exigências criadas pelo processo de industrialização e de urbanização da país.

O sentido fundamental da reforma agrária deve ser o de combate à grande propriedade territorial improdutiva ou baixamente produtiva, da criação do maior número de núcleos de cultivo agrícola baseado na pequena propriedade, de restrição e extinção final das sobrevivências de tipo feudal nas relações agrárias.

Numerosas medidas parciais de caráter legislativo e executivo, no âmbito dos poderes federais, estaduais ou municipais, podem ser aplicadas para encaminhar a reforma agrária num sentido progressista, em benefício das massas camponesas. Entre estas medidas citamos as seguintes:

a) Desapropriação total ou parcial de grandes propriedades com baixo índice de aproveitamento, tornando obrigatória esta medida no caso da proximidade de obras públicas como açudes, estradas e outras. Criação de fundos para justa indenização de desapropriações. Loteamento das terras desapropriadas exclusivamente entre pequenos agricultores sem terra ou com pouca terra, mediante pagamentos módicos e a longo prazo.

b) Forte aumento da carga tributária sobre as grandes propriedades.

c) Utilização das terras do Estado, sobretudo na proximidade dos mercados consumidores e das vias de comunicação, para formar núcleos de pequena propriedade. Entrega dos títulos de propriedade para os posseiros. Defesa rigorosa dos direitos dos camponeses contra a grilagem.

d) Regulamentação legal dos contratos de arrendamento e parceria, visando os seguintes fins: baixar as taxas de arrendamento e parceria, com o estabelecimento de limites máximos; facilitar o prolongamento dos prazos contratuais em benefício de arrendatários e parceiros; garantir a indenização por benfeitorias; impedir os despejos arbitrários.

e) Elaboração de legislação trabalhista adequada às condições do campo, garantindo direitos já estabelecidos para os trabalhadores rurais, mas freqüentemente não aplicados, como salário mínimo, férias remuneradas, aviso prévio, indenização por despedida, jornada de 8 horas, pagamento de horas extraordinárias, etc., e estendendo-lhes outros direitos já conquistados pelos trabalhadores das cidades. Proibir a prática de arbitrários descontos nos salários.

f) Orientar a política de crédito do Banco do Brasil no sentido de ampla ajuda financeira aos pequenos cultivadores, modificando as normas que impedem a prestação dessa ajuda e fazem do crédito oficial monopólio dos grandes fazendeiros.

g) Incentivo à mecanização da agricultura e, em geral, à elevação de seu nível técnico, concedendo crédito, câmbio favorecido para importações, etc. Facilitar aos pequenos lavradores a aquisição de instrumento e de outros meios de produção, que se adaptem às dimensões do seu cultivo e elevem sua produtividade (arados, animais de tração, adubos e inseticidas, etc.). Realização de um programa de investimentos estatais para fomento da agricultura, sobretudo da produção de gêneros alimentícios básicos no consumo popular. Intensificar a construção de silos, melhorar e aumentar a rede de transportes. Construção de fábricas nacionais de máquinas agrícolas, aproveitando para esse fim a Fábrica Nacional de Motores.

h) Estímulo ao cooperativismo, concedendo facilidades de financiamento, assistência técnica e outras formas de ajuda.

4º — Elevação do nível de vida do povo. O progresso econômico do país será tanto mais estável e acelerado à medida em que for acompanhado de melhoria das condições de vida das massas trabalhadoras da cidade e do campo. O crescimento das forças produtivas e da renda nacional não deve ser objetivado através da redução ou mesmo da estagnação do consumo das massas, porém, ao contrário, através da elevação desse consumo em volume global e per capita, o que resultará, conseqüentemente, na indispensável ampliação do mercado interno e será o melhor estímulo ao incremento da produtividade.

A elevação estável do nível de vida das massas é impossível sem o combate à inflação, cujos ritmos são em nosso país dos mais altos do mundo. Para combater essas causas permanentes da inflação, e não apenas seus efeitos, são imprescindíveis diversas medidas referentes ao comércio exterior, câmbio e balanço de pagamentos, bem como a uma política agrária progressista, que já apontamos acima. Outras medidas se fazem ainda necessárias e dizem respeito à política do governo nas esferas do crédito e do orçamento.

A política de crédito não deve ser orientada para a restrição do crédito em geral, o que levaria a reduzir as taxas de crescimento da economia nacional, mas para uma seleção que favoreça, de acordo com critério de prioridade, as atividades produtivas essenciais, restringindo, simultaneamente, o crédito para as atividades adiáveis e eliminando-o para aquelas simplesmente especulativas. A execução de uma política desta natureza encontra condições especialmente favoráveis em nosso país, em virtude do papel dominante do Banco do Brasil no sistema bancário e dos outros instrumentos de controle do crédito de que dispõe o governo.

A elaboração do orçamento continua a ser feita por processos primitivos, em flagrante atraso com relação ao grau de desenvolvimento já atingido pela economia nacional. A aplicação de processos modernos de planificação à elaboração do orçamento e ao controle de sua execução facilitará o melhor aproveitamento da receita do Estado, a eliminação de gastos perfeitamente supérfluos e a elevação da rentabilidade dos investimentos estatais, sem precisar reduzi-los e prejudicar o desenvolvimento do país. No que se refere à política tributária, sua orientação tem sido a de recorrer de preferência aos aumentos de impostos indiretos que pressionam no sentido da alta de preços e incidem sobre as massas populares. Ao invés disto, a política tributária deveria incidir mais fortemente sobre os altos rendimentos, que a própria inflação vem possibilitando em larga escala no Brasil.

As correções nas esferas do crédito e do orçamento podem contribuir para diminuir as emissões de papel moeda e reduzir o ritmo inflacionário.

Os efeitos da inflação sobre o nível de vida das massas seriam consideravelmente atenuados com o reajustamento anual obrigatório dos níveis de salário mínimo e dos vencimentos do funcionalismo público, de acordo com os índices de aumento do custo da vida.

A moralização das instituições de previdência social é uma exigência crescente das massas trabalhadoras, a quem cabe legitimamente o seu controle através das organizações sindicais. A demora na aprovação da lei orgânica da previdência social contraria manifestamente os interesses dos trabalhadores.

Finalmente, para que qualquer medida de controle de preços possa ter relativa eficiência, é necessário dar caráter democrático à COFAP, incluindo no seu Conselho representantes autorizados dos diferentes setores das massas populares.

5º — Consolidação e ampliação da legalidade democrática. Nas condições atuais do país, é possível dar novos passos no sentido da democratização. Está neste caso a aprovação da lei de regulamentação do direito de greve, que revoga o decreto 9.070, cuja vigência tem dado pretexto a constantes arbítrios policiais. Impõe-se igualmente a revogação da lei de segurança, que não encontra justificativa numa situação de normalidade constitucional.

A democratização do país é incompatível com a persistência de discriminações políticas e ideológicas contra os comunistas, manifestamente atentatórias à Constituição. A fim de fazer cessar essas violações da Carta Magna e impulsionar o processo democrático, é necessário obter do Congresso a revogação do iníquo artigo 58 da lei eleitoral, bem como de outras discriminações que pesam sobre os comunistas. A plena vigência do regime democrático em nosso país exige o retorno do Partido Comunista à legalidade, a exemplo do que já acontece na maioria dos países da América Latina, cessando com isto discriminação odiosa, imposta em conjuntura reacionária, e que não encontra correspondência na nova situação política do país.

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Estas são as questões que consideramos do máximo interesse nacional no momento presente. Apresentamo-las aos trabalhadores, aos nacionalistas e democratas, a todo o povo brasileiro, pensando contribuir para o grande debate que hoje empolga os patriotas. Como fizemos até agora, continuaremos a dar provas de nossa decisão de marchar unidos a todos aqueles que desejem dar um passo no sentido da emancipação nacional, da democracia e do bem-estar do povo brasileiro.

Acumulam-se as condições que permitirão ao nosso povo a conquista de um governo nacionalista' e democrático. Esse processo será acelerado à medida em que se fortalecer a pressão do movimento de massas e dos setores patrióticos do Congresso sobre o atual governo, objetivando modificar sua política e sua composição no sentido do nacionalismo e da democracia. Com isto, também, serão preparadas as melhores condições para que o movimento nacionalista coesione ao máximo suas forças, superando as divergências partidárias e de qualquer outra ordem, para conseguir a formação de poderosa coligação eleitoral capaz de afirmar sua supremacia nas eleições presidenciais de 1960. Ao mesmo tempo, não podem os patriotas deixar de manter-se vigilantes diante das manobras do golpismo entreguista, disposto a responder a qualquer tentativa de violação da legalidade democrática com a ação unida das massas populares e dos setores nacionalistas do parlamento, das forças armadas e do governo.

Estamos certos de que o povo brasileiro marchará de acordo com os destinos históricos da humanidade. Nesta marcha, que encerra obstáculos e tropeços, nossa condição de comunistas nos confere missão a que não devemos faltar e que nos esforçaremos para cumprir honrosamente.

Rio, Janeiro de 1959


Inclusão 13/06/2006