A inspiradora de Luiz Carlos Prestes

Figueiredo Pimentel


XIV. A tortura do artista


capa

Todo o artista tem sempre predileção por um dos seus trabalhos. O escritor prefere um dos seus livros aos outros. O pintor não se cansa nunca de extasiar-se diante da tela que mais ama, que lhe desperta a maior sensação de arte.

Venâncio julgava Taciana a maior, a mais perfeita das suas obras de arte como se ela fosse propriedade sua, um quadro seu. Como o explorador que faz uma escavação e encontra a estátua deslumbrante e passa a considerar um trabalho seu aquele mármore que encontrara sob a terra, Venâncio considerava Taciana como uma obra de arte que imaginara e executara.

Não tinha ânimo de trabalhar, de fazer alguma coisa útil. Se pegava o pincel para começar um quadro, desenhava-se em sua mente a imagem satânica de Taciana. E ele a imaginava sempre nua como uma estátua deslumbrante.

Era a David, seu irmão e amigo que ele se desabafava um pouco:

— Não posso mais estar ao lado de Taciana. Os meus nervos estalam. Minha alma se acumula de desejos insanos; os meus sentidos me atormentam. Sinto pavor de mim mesmo, tenho medo de enlouquecer Entretanto, sinto que não posso viver sem ela. Estou como o cocainômano que sente o prazer na desgraça. É o mal que faz bem. Taciana me fascina. Muitas vezes desperto, sobressaltado, ouvindo-a me chamar. Ao chegar ao seu quarto fico a seus pés vendo-a dormir, admirando aquele corpo, aquela carne de seda. Sua beleza me tonteia como a luz do sol. E é com esforço que me contenho para não matá-la, para não mordê-la toda como um cão danado!

— Nunca se mata o que se ama.

— Wilde é quem tinha razão. Sempre se mata o que se ama. Com um olhar... com um punhal. O mais forte com o punhal. Eu sinto vontade de morder a sua boca, de sentir o seu sangue escorrer pela minha boca. Entretanto nas raras vezes em que a tenho em meus braços sinto-me tremulo como um covarde.

David reprovava o procedimento do irmão, dava-lhe conselhos inúteis.

— É a suprema desgraça. A imagem dessa mulher diabólica só me aparece nua.

Seu estado d'alma era o daquele personagem de D’Anunzio em “La citá morta” que se apaixonara loucamente pela irmã. Tinha medo de enlouquecer.

— Precisas raciocinar um pouco. Lembra-te que ela é tua esposa e não tua amante. Querias que ela fosse como as que passaram pelos teus braços despidas de roupas e de dignidade? Preferias que Taciana satisfizesse a todos os teus desejos bestiais mas que reproduzisse as mesmas cenas com os amantes? Por ser honesta tu a recriminas. Que seria de ti se ela tivesse um amante?

— E sem isto o que sou eu? — Um eterno torturado, um homem fascinado por uma mulher, um artista obcecado pelo corpo de uma estátua viva! Que sou eu! Um marido abandonado por sua esposa que o tortura com o seu eterno desprezo! Um homem a regatear carinho de uma mulher excessivamente vaidosa e horrivelmente romântica!

— E de quem é a culpa? Tu a conheceste tal como é hoje. Casaste às pressas, sem estudar as possibilidades de um entendimento, de uma felicidade relativa. De resto, meu irmão, o homem nunca se sente satisfeito. Não há desejo mais elevado e mais duradouro que aquele que nunca se satisfaz. A vida é mesmo assim. O artista vive sempre sonhando com a perfeição.

Realizar o ideal é aniquilá-lo. A perfeição é o sol. Doura os trigais de uns e mata outros com os seus raios vermelhos. Por que havemos sempre de desejar o irrealizável?

Enquanto David falava Venâncio tinha seu pensamento muito longe.

Que lhe importava que Taciana tivesse um amante? O que ele queria é que ela fosse sua amante.


Inclusão: 30/03/2024