A inspiradora de Luiz Carlos Prestes

Figueiredo Pimentel


XVII. A marcha triunfal


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Quando Luiz Carlos Prestes partiu do Rio Grande do Sul com destino ao Paraná, comandando uma coluna de mais de mil homens, já os revolucionários de S. Paulo haviam abandonado a capital do grande Estado.

Vencendo os maiores obstáculos, perseguido por todos os lados, cercado pelas forças do governo, o jovem capitão fez a estupenda marcha, vencendo todos os perigos, para juntar-se aos seus companheiros de ideal.

A marcha triunfal do grande militar foi um dos maiores feitos da história revolucionária brasileira. Perseguindo a coluna, estavam devidamente organizados, vários batalhões riograndenses. A derrota do Exército legalista foi uma tremenda derrota moral. Prestes soube iludir os milhares de adversários que não conseguiram prender um só soldado da coluna revolucionária.

A chegada de Luiz Carlos Prestes fortificou o ânimo dos chefes da revolução de 1924. O general Isidoro Dias Lopes confiou ao valente capitão os maiores postos da campanha. Poucos meses depois o velho general sentindo-se doente, partiu para Encarnacion passando o comando a Luiz Carlos Prestes.

Era o grande general que surgia.

A revolução de 1924 veio revelar a capacidade militar de vários dos seus melhores elementos. Com a partida do general Isidoro Dias Lopes ficaram ainda Juarez, Miguel Costa, João Alberto, Siqueira Campos, Cabanas e outros militares de valor; Luiz Carlos Prestes era, porém, o que mais se destacava pela inteligência e audácia, pela valentia e pelo valor militar. A energia suave, a coragem inaudita desse jovem general eram admiradas por todos os revolucionários.

Durante mais de dois anos perseguidos pelo Exército da legalidade os revolucionários, em número muito inferior ao inimigo, percorreram quase todos os Estados, demonstrando sua superioridade, seu valor: sua perseverança. Em pouco tempo o Brasil inteiro passou a admirar a figura serena e indomável do grande general de menos de 30 anos de idade.

A epopeia de Luiz Carlos Prestes ficara indelevelmente na história da revolução do Brasil.

Conduzindo os revolucionários que sofriam todos os revezes da sorte, que passavam fome e sede, que sofriam física e moralmente, Luiz Carlos Prestes encontrou sempre entre os seus comandados o maior entusiasmo pela causa que abraçavam.

Jamais se vislumbrou em Prestes um gesto que demonstrasse raiva, desespero, ódio...

Sereno, imperturbável, o jovem general apreciava os acontecimentos com arguta inteligência, com espírito de justiça e com o coração de santo.

Pela sua serenidade imperturbável não encontrou jamais situação difícil que não deslindasse.

A legião indomável desafiou, zombou durante muitos meses da grande força inimiga, dez vezes mais numerosa que os revolucionários.

Essa forte vibração guerreira animou todos os corações de brasileiros.

Luiz Carlos Prestes desistiu da luta, sem ser vencido, porque percebeu que estava sacrificando inutilmente os seus soldados, aqueles bravos que o obedeciam cegamente.

Procurando o território neutro de um país amigo, o fascinante general deu por finda a sua missão.

Nos primeiros dias de Fevereiro de 1927, após 30 meses de luta insana em que deu o exemplo do civismo e da coragem, em que demonstrou grande tática militar, Luiz Carlos Prestes deixou Mato Grosso internando-se na Bolívia com os seus soldados, os poucos que lhe restavam.

A semente do civismo ficou, porém, plantada no solo pátrio.

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Luiz Carlos Prestes poderia, se quisesse, ter abandonado o território brasileiro muito antes de Fevereiro de 1927 ou muito depois desta data. A sua fuga para o território boliviano foi decidida depois de muita reflexão.

Seria inútil prosseguir. As forças inimigas aumentavam. Os soldados revolucionários morriam à míngua de recursos. Fome. Doença. Cansaço.

O herói deixou o campo inimigo.

Prestes não conheceu o medo. Pelo heroísmo conquistou a confiança absoluta dos seus companheiros de ideal.

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Siqueira Campos foi o último chefe revolucionário a deixar o Brasil.

Depois da partida do general Luiz Carlos Prestes, o jovem herói do Forte de Copacabana ficou ainda dando combate aos soldados do governo.

O D’Artagnan da revolução brasileira celebrizara-se pela sua atuação no levante de Copacabana em 5 de Julho de 1922. Esse feito culminara no golpe dramático desfechado pelos seus últimos ocupantes; fora irredutível a decisão de não se renderem à superioridade das forças legais vitoriosas.

É inacreditável a cena de que fora teatro a linda praia de Copacabana: dezoito homens dispostos a lutar até a morte contra milhares que se agrupavam nas redondezas da cidadela rebelde.

Armados de fuzis ou de simples revólveres e tendo ao peito cada qual um pedaço da bandeira brasileira, como simbolo das razões do seu gesto, os últimos dezoito homens abandonaram o Forte militar para virem oferecer combate aos milhares de soldados que os esperavam como um leão que espera a saída de um cordeiro.

Em todas as ruas que desembocam na Praia de Copacabana, nas areias da linda praia, perto e longe do Forte, estavam alinhados os soldados que o governo mandara para prender, para massacrar duzia e meia de brasileiros que se revoltaram contra a prepotência do governo do seu país.

Os dezoito heróis foram metralhados covardemente pelas forças militares.

Caminhando impavidamente para a morte, ao lado de seus companheiros, Newton Prado e Siqueira Campos entregavam seu corpo às balas e às baionetas assassinas dos soldados legalistas.

Otávio Corrêa, o único civil, dos 18 heróis, caíra morto.

Uma vitória do governo! A revolta do Forte de Copacabana fora dominada! Milhares de soldados massacravam dezoito rebeldes! Os jornais governistas exaltaram a grande vitória do governo!

Os soldados se retiraram ao som do Hino Nacional enquanto pessoas que assistiram, das janelas e da rua, aquela barbaridade, enxugavam as lágrimas. Outras jogavam areia na calçada, para cobrir o sangue dos bravos.

Newton Prado, com os intestinos rasgados pelos sabres da legalidade morrera no Hospital. O bravo Siqueira Campos conseguira fugir, mais tarde, da prisão, depois de curado dos ferimentos.

Ei-lo que surge em 1924 chamado novamente pela voz da Pátria.

A revolução de 1924, cujo estopim fora aceso em S. Paulo, encontrou Siqueira Campos no exílio de Buenos Aires como simples comerciante. Abandonando sua vida burguesa relativamente feliz, naquele ambiente de paz, o D'Artagnan da revolução brasileira entrou novamente na luta.

Isidoro, Prestes, Juarez, João Alberto, Siqueira Campos. Os heróis. A alma cívica de então.

Na foz do Iguaçu com a queda de Catanduvas foi decidida a formação da coluna que deveria percorrer os sertões para alimentar o espírito insurrecional. Ao tenente Siqueira Campos foi confiado o comando de um dos destacamentos daquele derradeiro punhado de homens decididos a tudo enfrentar pelas convicções que os animavam.

Nesse reduto o Coronel João Alberto teve um papel saliente demonstrando o seu valor de militar, a sua coragem de homem.

Dai por diante sua ação teve grande destaque pelas responsabilidades das missões que lhe eram confiadas.

Siqueira Campos era o homem de confiança de Luiz Carlos Prestes.

A figura do herói de 1922 ganhou fama no Brasil como uma expressão de energia e de coragem capaz de todos os gestos que chegam aos limites da bravura.


Inclusão: 30/03/2024