Stalinismo

Manoel Coelho Raposo


O Estado x Ditadura do Proletariado


No domínio da ciência marxista-leninista e do conhecimento da realidade objetiva do mundo, o comunista deve estar impregnado da certeza de que o motor da História é a luta de classes, e de que qualquer Estado pressupõe a existência de duas ou mais classes na composição da sociedade. Deve ter a consciência de que o Estado é um instrumento de opressão da classe ou classes dominantes, seja no regime capitalista, seja na fase de transição do capitalismo ao socialismo. Assim sendo, o Estado é o instrumento que garante a Ditadura da Burguesia, assim como é o sustentáculo da Ditadura do Proletariado.

Aqui é necessário compreendermos o conceito de Ditadura do Proletariado do ponto de vista do Marxismo-Leninismo. A primeira impressão que se tem, ao usarmos esta expressão é de que se trata, genericamente, de um regime discricionário, onde as leis inexistem, os direitos individuais desaparecem e a população é submetida a um regime de terror, torturas e assassinatos brutais praticados pelo Estado.

Naturalmente não é isso, embora exista a possibilidade de que tal fenômeno social aconteça. O Estado toma formas diferentes, dependendo do momento histórico que vive a sociedade. Se as forças oprimidas, que vivem à margem do processo social, não oferecem nenhum perigo às classes dominantes, estas permitem a existência de um Estado relativamente liberal, garantem alguns direitos individuais, relativa inviolabilidade do domicílio, relativa liberdade de pensamento, de palavra e de locomoção. Enfim, se é a burguesia que se encontra no poder, o Estado, neste momento histórico, toma a forma democrática burguesa. Se, ao contrário, a sociedade é abalada por grandes movimentos organizados de massas, se as greves operárias desestruturam a estabilidade burguesa, a burguesia rapidamente muda a forma do Estado para lima ditadura repressiva e, em certos momentos, poderá recorrer aos meios mais brutais de Ditadura Fascista.

Na fase da Ditadura Fascista, o Estado Burguês reprime até mesmo certos setores da burguesia liberal, mediante cassações de mandatos de parlamentares, suspensão de direitos políticos, prisões etc. Em muitos casos, se estas forças liberais passam a ameaçar o poder discricionário, também são submetidas a situações vexatórias, que podem levar até à tortura e ao assassinato.

Por que isso acontece, isto é, certos elementos pertencentes aos quadros da burguesia virem a ser tratados desta maneira? E claro que o que decide é a questão ideológica da classe dominante, com seus interesses de classes: econômicos, sociais e políticos. O Estado Burguês não vacila, portanto, em identificar estes setores da burguesia, tão prejudiciais a ele, quanto os mais destemidos lutadores do proletariado.

Deixemos a burguesia de lado e passemos a analisar qual deve ser o comportamento do Estado Proletário na fase de transição do capitalismo ao socialismo.

Considerando que a ruptura provocada pela tomada do poder da burguesia pelo proletariado é um ato muito mais radical do que a tomada do poder feudal pela burguesia, o Estado surgido da revolução socialista, necessariamente, terá de ser um Estado muito mais forte e, em muitos casos, muito mais violento. Por quê? Vejamos e analisemos certos aspectos que fogem aos desejos humanitários dos comunistas.

A revolução burguesa, ao derrotar as forças feudais, rompe com as velhas relações de produção feudais e institui relações de produção baseadas no trabalho assalariado dos trabalhadores. Isto implica na desestruturação dos senhores feudais, como classe, mas pode ensejar a eles a possibilidade de continuarem, de maneira burguesa, a exploração dos trabalhadores, isto quer dizer que os senhores feudais perdem suas possibilidades de exploração de acordo com as relações de produção feudais, mas podem se transformar em burgueses e continuar explorando os trabalhadores. Perdem o poder político, liquidam-se como classe dominante, mas, com a experiência adquirida e a riqueza acumulada, podem se transformar em novos exploradores. Por que isso acontece? Simplesmente pelo fato de a revolução burguesa não destruir a base da exploração: a Propriedade Privada dos Meios de Produção.

Na revolução socialista o quadro é bem outro. O proletariado, ao tomar o poder, inicia a destruição das relações de produção burguesas, e vai também iniciar a destruição da base destas relações, que é a propriedade privada dos meios de produção, e, com isso, abala uma superestrutura milenar, profundamente arraigada nas mentes das pessoas, baseada no sistema da iniciativa individual, que induz no homem a ilusão da possibilidade do enriquecimento, dependendo tão-somente de sua capacidade de trabalho, como também firma no homem a concepção egoísta do “salve-se-quem-puder’’.

É preciso enfatizarmos que o processo revolucionário em busca da construção do socialismo não é um simples golpe militar, como estamos acostumados a presenciar nas democracias burguesas em seus choques de caráter conjuntural.

Os inimigos do socialismo e os pseudocomunistas, condicionados pela propaganda burguesa de exaltação da democracia como valor universal, vêm de público reclamar esta democracia para a fase de transição do capitalismo para o socialismo. Em sua ingenuidade, resultado do despreparo político acerca da doutrina marxista do Estado, apontam como exemplo, para justificar seus anseios, a prática burguesa em que suas ditaduras repressivas são implantadas durante um período histórico relativamente curto, para logo cederem lugar à volta da normalidade democrática.

Tal afirmação reflete a má fé da burguesia visando a mistificar a opinião pública através da insinuação de que a democracia como valor universal é inerente ao regime burguês, e de que as ditaduras são elementos estranhos introduzidos em seu sistema por indivíduos egoístas, militares prepotentes e antidemocráticos. Isto não é certo.

Como já foi dito, qualquer Estado, seja no regime burguês, seja na fase de transição para o socialismo, é um instrumento de ditadura, mudando de forma de acordo com o momento histórico.

Ao ser golpeada a democracia burguesa, o Estado toma outra forma, isto é, a Forma Discricionária, que poderá levar à Forma Fascista de Ditadura.

E esta ditadura, ao ser implantada no sistema burguês, conduz a mudanças no sistema de relações de produção existente?

Naturalmente que não. A ditadura é implantada para garantir o status quo burguês e, quando muito, introduz mudanças do mais absoluto interesse da burguesia, mudanças estas que estavam sendo freadas, ou pelo atraso das relações de produção frente ao ímpeto do desenvolvimento das forças produtivas, ou pela luta de classe do proletariado.

Atingido o objetivo material a que se propõe a ditadura repressiva e reforçada a base da superestrutura burguesa, através de um intenso programa de marketing visando à marginalização do povo do processo social, a burguesia volta tranquilamente ao seu sistema democrático-burguês, e o faz comandando um processo que glorifica seus novos líderes como arautos da liberdade. As relações de produção e o modo de produção burgueses, baseados na propriedade privada dos meios de produção, superam o impasse momentâneo da ditadura repressiva, com sua superestrutura jurídico-administrativa modernizada e o sistema de segurança reforçado.

Por outro lado, é preciso que se atente para um aspecto importante: durante o período da ditadura repressiva a que nos referimos, nas entranhas do sistema burguês não houve qualquer choque de classes antagônicas entre a burguesia e os latifundiários, uma vez que, nas condições do mundo atual em geral, e do Brasil em particular, existe perfeita conexão de interesses entre a burguesia urbana industrial e financeira e a burguesia latifundiária. Quando muito, verificam-se lutas não-antagônicas entre latifundiários e pequenos e médios proprietários. Desejamos deixar bem claro que estamos nos reportando a um processo de implantação da ditadura arbitrária da burguesia fora do período da revolução socialista.

Voltemos à revolução socialista. Dizíamos que o processo revolucionário do proletariado não se dá através da alternância das formas de ditadura burguesa, isto é, democracia burguesa x ditadura repressiva, e vice-versa.

A revolução socialista pressupõe o momento de violência quando da tomada do poder, prosseguindo todo um processo revolucionário até à total liquidação do elemento gerador da burguesia, que é a propriedade privada dos meios de produção. Este processo é lento, demorado e ininterrupto, porquanto a classe operária necessitará de aliados no campo enquanto realiza suas primeiras medidas revolucionárias contra a burguesia e os latifundiários, o que significa ter de manter no campo estruturas alheias ao socialismo.

Vejamos como se deverá processar a fase de transição do sistema burguês para o socialismo. Aqui não desejamos impor fórmulas mágicas, muito menos nos transformar em videntes sociais. Pretendemos traçar linhas gerais baseadas em princípios, jamais subscrever receitas pré-fabricadas para qualquer situação.

Lênin, em O ESTADO E A REVOLUÇÃO, assim se expressa:

“O Estado é a organização especial da força, é a organização da violência para a repressão de uma classe qualquer. Qual é então a classe que o proletariado deve reprimir? Naturalmente apenas a classe dos exploradores, isto é, a burguesia.”(1)

Diante deste pensamento de Lênin, os pseudocomunistas e os oportunistas dentro do movimento operário acusam o Partido Comunista da União Soviética, à época de Stálin, de haver fuzilado muitos filiados do Partido, operários ligados ao próprio processo revolucionário etc., e acham que isto é uma profunda contradição com o pensamento de Lênin, uma vez que o papel do Estado proletário é o de reprimir apenas a classe dos exploradores.

Não sou a favor de que se pratique qualquer ato de fuzilamento de quem quer que seja. Mas este é o meu desejo, ao passo que o processo revolucionário se dá independentemente de minha vontade e de meus sentimentos humanitários. Entretanto, não posso, como estudioso político, submeter ou condicionar o processo histórico à minha vontade e aos meus escrúpulos humanitários. O processo se verifica através de uma luta de vidá e morte entre as classes exploradoras e as classes exploradas.

Quando Lênin diz que apenas a classe dos Exploradores, isto é, a burguesia”, deve ser reprimida pelo Estado Proletário, naturalmente não se refere só às pessoas ricas, excluindo desta repressão todas as pessoas pobres. Lênin se referia à classe da burguesia, e isto, dentro do contexto sociológico, inclui pessoas pobres, inclusive operários e até dirigentes operários que, imbuídos da ideologia burguesa, se colocam contra os interesses de classe do proletariado, consequentemente, contra a implantação do socialismo pelas forças revolucionárias.

Não compreender isto é não entender a dinâmica de qualquer processo revolucionário, é fazer o jogo da burguesia e expor o proletariado revolucionário aos golpes do inimigo. E quando a burguesia sufocar a rebeldia operária, onde os nossos humanitários pseudocomunistas irão chorar a perda de companheiros revolucionários que certamente não escaparão aos golpes da contrarrevolução? Aí será tarde demais, na expressão de Bertolt Brecht.

Logo após a tomada do poder pelo proletariado revolucionário, a direção da revolução socialista vai encontrar sérios obstáculos sociais embutidos no Aparelho de Estado Burguês que, certamente, se transferirão para o novo Estado Socialista. Dentre os muitos obstáculos, vamos encontrar os vícios arraigados no espírito do funcionalismo, que provocarão danos irreparáveis ao novo sistema, caso não sejam combatidos enérgica e inteligentemente.

Lênin, em seu livro O Estado e a Revolução, diz que

“o funcionalismo e o exército permanente são um ‘parasita’ no corpo da sociedade burguesa, parasita gerado pelas contradições internas que dilaceram esta sociedade, mas precisamente um parasita que ‘obstrui’ os poros vitais”.(2)

Na vigência do regime burguês, o funcionalismo aparentemente se apresenta, em certos momentos, como uma força revolucionária através de certos confrontos com a burguesia. Isto é apenas aparente, uma vez que o funcionalismo restringe-se, em suas ações, quase exclusivamente às lutas econômicas de seu interesse imediato. É um segmento da sociedade mais bem aquinhoado econômica e socialmente, e absolutamente receptivo à corrupção, seja direta (recebimento de propinas), seja indireta (recebimento de favores e promoções por parte dos políticos profissionais da burguesia).

Esta condição do funcionalismo o conduz, quase sempre, a uma posição de passividade social, apenas tomando posições mais radicais nos momentos de ascenso revolucionário do proletariado.

Uma vez no poder, as forças revolucionárias terão, necessariamente, de enfrentar e destruir os vícios que estavam encravados no aparelho de Estado burguês e que se transferirão, automaticamente, para o novo aparelho de Estado Esta luta terá de ser travada com todas as forças ao alcance dos revolucionários no poder e pressupõe, para a sua superação, uma luta demorada e permanente, até que estejam destruídas as causas geradoras dos vícios já citados. No decorrer desta luta, os vícios inerentes ao funcionalismo público, caso não haja uma luta constante da vanguarda revolucionária, influirão no novo aparelho de Estado que poderá transformar-se num imenso aparelho burocrático, e estes vícios destruirão, por dentro, o Partido Proletário.

Lênin fundamenta com extraordinária precisão científica que o Estado, na sua fase de transição do capitalismo ao socialismo, terá de ser um Estado forte, quando afirma:

“Na realidade, este período é inevitavelmente um período de uma luta de classes de um encarniçamento sem precedente, sem precedente na agudeza das suas formas”.

Logo em seguida afirma que

“a ditadura de uma só classe é necessária não só para qualquer sociedade de classes em gerai, não só para o proletariado que derrubou a burguesia, mas também para a totalidade do período histórico que separa o capitalismo da sociedade sem classes, do comunismo”.

E conclui magistralmente:

“A transição do capitalismo para o comunismo não pode naturalmente deixar de dar uma enorme abundância e variedade de formas políticas, mas a sua essência será necessariamente uma só: a Ditadura do Proletariado”.(3)

Por que terá de ser tão dura e encarniçada a luta de classes na fase de transição do capitalismo ao comunismo? Esta resposta está na dependência direta das condições históricas em que se processar a transformação, estará sempre na dependência direta da resistência da classe ou classes destronadas do poder. No processo da revolução socialista, o proletariado urbano buscará, naturalmente, aliados a fim de não ter de golpear o inimigo como uma única força em ação. Esses aliados deverão se encontrar, obviamente, no campo: assalariados, agricultores e camponeses sem terra. Entretanto, sua faixa de aliados pode e deve ser ampliada e, em caso extremo, deve neutralizar, até mediante aliança temporária, os pequenos e médios proprietários.

Tentar destruir de um só golpe a propriedade privada dos meios de produção no campo seria uma medida de extrema gravidade, uma vez que o proletariado teria de enfrentar, desnecessariamente, milhões de pequenos e médios proprietários rurais. Se não bastasse a ampliação das forças inimigas da revolução, tal medida precipitaria tamanha desorganização da produção agrícola que, certamente, iria inviabilizar a revolução socialista.

Entretanto, a revolução socialista não pode deixar de levar em conta a necessidade de elaborar toda uma legislação que permita ao Estado Socialista manter sob controle permanente o ritmo de desenvolvimento dos pequenos e médios proprietários rurais, porquanto neles continuará o resíduo do sistema burguês, que é a propriedade privada dos meios de produção. Portanto, deverá ser travada uma luta de classes permanente até que o momento histórico permita ao proletariado abolir os últimos remanescentes do regime burguês.

Stálin, apoiado nas teorias de Lênin, coloca o problema da seguinte maneira:

“Existem no nosso país, no País Soviético, condições que tomem possível a restauração do capitalismo? Sim, existem. Talvez pareça estranho, mas é um fato, camaradas. Derrubamos o capitalismo, implantamos a ditadura do proletariado e desenvolvemos em ritmo acelerado a nossa indústria socialista, à qual articulamos a economia camponesa. Mas ainda não arrancamos as raízes do capitalismo. Onde se encontram essas raízes? Encontram-se na produção de mercadorias, na pequena produção, sobretudo a dos campos e também a das cidades.”

Citando Lênin, continua Stálin:

“A força do capitalismo reside, como disse Lênin, na força da pequena produção, pois, por infelicidade, resta ainda no mundo uma grande quantidade de pequena produção, e esta engendra, constantemente, dia a dia, hora a hora, o capitalismo e a burguesia, por um processo espontâneo e em massa.”(4)

Considerando o fato de que a pequena produção gera permanente s espontaneamente o capitalismo, é óbvio que a luta de classes não pode deixar de ser travada também permanentemente.

A União Soviética saiu da Segunda Guerra Mundial mergulhada numa destruição sem precedentes na história: 1710 cidades e 40.000 aldeias arrasadas. Pior ainda, toda a fúria hitlerista foi lançada sobre os comunistas, levando ao massacre brutal vinte e dois milhões de soviéticos. Os militantes e guerrilheiros comunistas, principalmente os comissários políticos, eram caçados e eliminados sumariamente. Em consequência disso, e como os comunistas eram os mais abnegados e conscientes lutadores antinazistas, eram os que marchavam para a frente de batalha encarregados das tarefas de maior responsabilidade, ficavam mais sujeitos a serem presos pelo inimigo.

O massacre nazista aos comunistas determinou pesado ônus às fileiras do PCUS, e o Partido se viu privado de seus melhores e mais conscientes membros. Em consequência disso, teve sua estrutura desfalcada, ficando vulnerável à invasões por toda sorte de pessoas desprovidas de preparo político, por mencheviques e social-democratas.

Naquele momento, os velhos bolcheviques, ainda com Stálin à frente, deviam ter travado vigorosamente a luta de classes nas fileiras do partido, movimentado por todos os meios as bases partidárias, incorporando-as a um amplo debate ideológico, e, ao mesmo tempo, convocado os trabalhadores a uma participação social ativa na reconstrução da Pátria Socialista.

O que vimos foi o abandono destes princípios básicos do marxismo, com a prática antimarxista de exaltação exagerada à figura de Stálin.

Acobertado pela luta contra o culto da personalidade e os supostos erros de Stálin, o Comité Central do PCUS foi assaltado pelo grupo de Khruchov, que iniciou. um trabalho de sapa dentro do Partido visando a introduzir medidas de caráter burguês. E assim abriu caminho para as deformações políticas, econômicas e ideológicas que culminaram com a ascensão dos traidores Yéltsin e Gorbachov e, consequentemente, o desmantelamento do campo socialista.

O despreparo político, a falta de definição ideológica, o cordeirismo e o oportunismo logo assaltaram as fileiras dos partidos comunistas de todo o mundo, em geral, e do Brasil, em particular. Esta luta foi desencadeada sem obedecer a nenhum critério científico, sem a abertura de um grande debate teórico sobre o culto da personalidade, conduzindo o Partido para a liquidação moral e física de suas lideranças autênticas.

Jorge Amado, em seu livro O CAVALEIRO DA ESPERANÇA, dá-nos um exemplo maravilhoso de como surge e se desenvolve o verdadeiro líder: “Só o povo, amiga, concebe, alimenta e cria o herói. Nasce de suas entranhas, são as suas necessidades. Nasce do povo, é o próprio povo no máximo de suas qualidades.”(5) Portanto, não se pode separar o líder, o herói, de sua época, sob pena de incorrer em sério erro político. Os heróis fabricados, quando muito, perduram por um momento muito pequeno. Entretanto, o verdadeiro líder é aquele que se identifica com seu tempo, com as dores de seu tempo. Consequentemente, não se pode desligar esse homem dos anseios do povo, porquanto é o próprio povo.

A burguesia tinha plena consciência disso. Sabia que, destruindo a personalidade dos líderes bolcheviques que escaparam da fúria nazista, golpeava em cheio o Partido, já minado por dentro, e o deixava exposto aos ataques do inimigo, enquanto lançava a massa partidária na perplexidade diante dos supostos erros de Stálin. A burguesia interna e externa atingiu, em cheio, o objetivo, movimentando um bem preparado plano de infiltração sutil nas fileiras do PCUS e dos Partidos Comunistas do mundo inteiro, despreparados, do ponto de vista marxista, e dóceis a tudo quanto vinha da União Soviética. A preguiça mental, a absorção do marxismo como um amontoado de fórmulas mágicas e de receitas para todos os males elaboradas por Marx, Engels e Lênin, transformaram os comunistas de todo o mundo em adeptos de uma grandiosa seita, a exemplo dos crentes brasileiros, apenas mudando os nomes dos livros básicos.

As lideranças que resistiram ao golpe de Khruchov foram marginalizadas, tanto na União Soviética como em quase todos os países do mundo; e as que resistiram, a exemplo da Albânia, foram submetidas às piores pressões, com bloqueios econômicos e políticos.

Incentivados pelos social-democratas, infiltrados nos vários partidos comunistas do Leste europeu e da União Soviética, desencadeiam-se, em nome de uma suposta luta pela democracia socialista, movimentos de grandes proporções que iriam desarticular e isolar as fracas forças de resistência ainda sobreviventes. Diante dos movimentos do Leste europeu, os traidores colocados na direção do PCUS dão carta branca à contrarrevolução e abandonam estes povos à sua própria sorte.

Depois, aos olhos do mundo, vamos assistir ao espetáculo deprimente da farsa do golpe soviético, usado como pretexto para isolar a fraca resistência ainda existente, em defesa do socialismo. Tudo é feito ante os olhares atônitos dos “comunistas”, que, em sua maioria, ou permanecem calados e aturdidos por falta de conhecimento marxista dos fenômenos que se desenvolvem diante de seus olhos, ou se levantam, num ato aberto de traição, para apoiar Gorbachov como arauto da reconquista da democracia socialista, sufocada pelos “erros de Stálin”. Estes últimos, mesmo após o desmascaramento de Gorbachov e de Yéltsin, que decretaram a ilegalidade do PCUS e a desintegração da União Soviética, ainda teimam em defender a tese idiota de que cabe a Stálin a culpa pela formação da burocracia soviética, que culminou com os acontecimentos que se desenvolvem nestes dias.

Os comunistas bem intencionados, porém despreparados política e ideologicamente se perguntam: Por quê? Por que o socialismo desabou tão rapidamente na União Soviética, após 74 anos de existência, com um passado de lutas tão grandioso e com tamanha experiência revolucionária?

A cifra de 74 anos é falsa e serve apenas para reforçar a tese burguesa de que o socialismo caiu por ser um sistema inviável, que atenta contra as “leis naturais” da propriedade privada. Por outro lado, os pseudocomunistas e os oportunistas não desmascarados ainda vêm de público justificar a derrota do socialismo, alegando ser o resultado dos erros da era stalinista. As duas teses refletem pura desonestidade na apreciação e análise da história destes 74 anos. Recapitulemos os fatos:

A Revolução Socialista se deu em 1917, com a tomada do poder pelos bolcheviques sob a direção de Lênin. De 1917 a 1921, o jovem Estado Soviético enfrenta a intervenção armada de 14 nações estrangeiras. A União Soviética sai desse período exaurida, com seus campos e cidades profundamente atingidos, a economia desorganizada e o povo enfrentando a fome. Lênin morre em 1924, e a União Soviética é mergulhada numa crise ideológica sem precedentes.

Os mencheviques, social-democratas, trotskistas e os camponeses ricos se lançam numa luta feroz para destruir o jovem Estado Soviético e banir o socialismo da Rússia. Inicia-se a era que concordamos em chamar de STALINISTA.

Stálin assume a luta ideológica frente às forças contra- revolucionárias, ao mesmo tempo que dá continuidade à construção do socialismo iniciada por Lênin. Para assegurar o êxito de sua missão histórica, forja no Partido Comunista o espírito de classe, prepara-o, num esforço incansável, política e ideologicamente, como um partido de novo tipo, democrático na elaboração de suas tarefas e profundamente centralizado na execução delas.

Hoje, surgem os puristas que vasculham os erros de Stálin para denegrir a figura do grande condutor de povos, esquecendo-se de suas extraordinárias virtudes como teórico marxista, de competente organizador e grande dirigente proletário. Não foi por acaso que Roosevelt, presidente americano durante a última guerra mundial, considerava Stálin como seu mestre. Vejam o livro do filho de Roosevelt, Olhando para o futuro.

Não queremos encobrir ou negar que sérios erros tenham sido cometidos na época de Stálin. Lênin dizia não acreditar no homem que não erra. O homem que não erra é aquele que nada faz. Stálin errou, e errou mais do que os outros dirigentes, porque foi o que mais trabalhou.

No processo de coletivização da agricultura, Stálin é acusado de haver praticado sérios crimes, mandando matar milhões de pessoas. Mas ficam apenas nisso. Não dizem a causa que levou a estes crimes; consequentemente, ficam apenas nas afirmações estéreis e destituídas de provas concretas.

Mas, admitindo que tais crimes tenham sido cometidos, procuremos analisá-los, lançando mão de nossa própria experiência. No Brasil ainda não se esboçou nenhum projeto objetivo de reforma agrária. Diria mesmo que o projeto mais avançado proposto pela burguesia nestes últimos 27 anos foi o da ditadura de 1964. Esse projeto foi rejeitado pela própria burguesia, e temos presenciado assassinatos, por toda parte, de líderes camponeses que se aventuram a defender pálidas medidas de reforma agrária. Imaginem se as massas camponesas brasileiras se levantassem pela nacionalização da terra.

Stálin promoveu a coletivização da terra e iniciou o processo de socialização propriamente dita com a implantação dos sovkhoses. Isto se deu de 1928 a 1933. Teve apenas 8 anos para se preparar para enfrentar a maior coligação bélica já registrada na História. De 1933 até 1941, Stálin e a diplomacia soviética envidaram todos os esforços imagináveis para formar um pacto de luta contra o nazismo, a que estivessem presentes a Inglaterra, a França e os Estados Unidos. A todas as iniciativas da União Soviética os três Estados “democráticos” se recusaram.

“Pouco depois da ascensão de Hitler ao poder, foi assinado em Roma, em 1933, por insistência dos governos inglês e francês, um ‘pacto de amizade e cooperação’ entre as quatro potências — Grã-Bretanha, Alemanha, França e Itália. Esse pacto significava um acordo entre, de um lado, os governos inglês e francês, e do outro, o fascismo alemão e italiano, que já não dissimulava seus objetivos agressivos.”(6)

“Depois disso, em 1934, a Inglaterra e a França ajudaram Hitler a se aproveitar da situação hostil que sua aliada, a Polônia feudal, adotava em relação à U.R.S.S., possibilitando a conclusão do pacto germano-polonês de não-agressão, que foi uma das etapas importantes dos preparativos da agressão alemã. Hitler tinha necessidade desse pacto para desorganizar as fileiras dos partidários da segurança coletiva e fazer crer, com esse exemplo, que a Europa tinha necessidade não duma segurança coletiva, mas de acordos bilaterais.”(7)

“Nós, os nacional-socialistas, pusemos conscientemente um ponto final na orientação de nossa política externa de antes da guerra. Começamos do ponto onde havíamos parado há seis séculos. Abandonamos o perpétuo desejo de expansão para o sul e o oeste da Europa e voltamos nossos olhares para as terras de leste.

Rompemos finalmente com a política colonial e comercial de antes da guerra e passamos à política territorial do futuro. Mas quando falamos hoje de terras novas na Europa, só podemos pensar, primeiramente, na Rússia e nos Estados limítrofes, que lhe são subordinados. Parece que o próprio destino nos aponta o caminho.”(8)

"... A 12 de março de 1938, Hitler apoderou-se da Áustria sem se chocar contra qualquer resistência da Inglaterra e da França. A União Soviética foi a única, nesse momento, a lançar um grito de alarme e a dirigir um novo apelo à organização da defesa coletiva da independência dos países ameaçados de agressão. Já em 17 de março de 1938, o governo soviético havia dirigido uma nota em que se declarava pronto para empreender com as outras potências, na S.D.N. (Sociedade de Defesa das Nações, com sede em Genebra, Suíça, que existiu de 1920 a 1946), ou à margem desta, o exame de medidas práticas que seriam destinadas a barrar o desenvolvimento da agressão e a superar o perigo, que se tornara iminente, de uma nova carnificina mundial!’ A resposta do governo inglês à nota soviética mostrava que ele não queria contrariar os planos de agressão hitleristas, pois ali se dizia que uma conferência para a adoção “...de ações concertadas contra a agressão não exerceria, necessariamente, na opinião do governo de Sua Majestade, uma influência favorável sobre as perspectivas da paz europeia”.(9)

Complementemos esta série de citações, cujo objetivo é mostrar ao leitor a desonestidade apregoada pelos inimigos de Stálin de que o líder soviético se tenha aliado a Hitler na última guerra mundial — para tanto fingem desconhecer a diferença entre pacto de não-agressão e pacto de ajuda mútua - e não tinha apenas procurado ganhar tempo para se preparar para a guerra, como sempre afirmou. Vejamos a posição da Inglaterra e da França quando a Alemanha hitlerista já havia invadido a Áustria e a Tchecoslováquia e se preparava para invadir a Polônia, e a Itália fascista havia já ocupado o território da Albânia, em 1939. Naquela oportunidade, o governo inglês, pressionado pela opinião pública de seu país, resolve empreender negociações com a União Soviética. Para demonstrar a maldade e a falsidade do governo inglês:

“Outro fato eloquente, demonstrativo de que a Inglaterra não aspirava a estabelecer uma colaboração efetiva com a U.R.S.S., existe no número verdadeiramente insignificante de efetivos militares com que se propunha intervir, em caso de guerra, e que eram, no total, 5 divisões de infantaria e uma divisão mecanizada. A U.R.S.S., por sua vez, declarava-se disposta a enviar à frente 136 divisões de atiradores, 5.000 canhões, até 10.000 tanques pesados e ligeiros e mais de 5.000 aviões de combate. Nas instruções secretas dadas à missão militar inglesa dizia-se abertamente que ‘o governo inglês não desejava assumir qualquer tipo de obrigações concretas’ frente à U.R.S.S.”(10)

O que fez a União Soviética, em apenas 8 anos atingir um grau tão elevado de preparo militar? O que fez a União Soviética, em tão curto espaço de tempo, liquidar a fome e o desemprego, e praticamente erradicar o analfabetismo?

Até mesmo os maiores inimigos de Stálin são forçados a reconhecer que a coletivização da agricultura na União Soviética foi “a mudança mais importante desde 1917, se examinada de maneira sincera e científica”.(11)

Em verdade, a base material que proporcionou à União Soviética sair vencedora da II Guerra Mundial foi, além da política agrícola empreendida pelo governo soviético, a política industrial, que priorizou a industria mecânica pesada (máquinas de fazer máquinas) e o audacioso plano leninista de eletrificação da Rússia.

Em poucos anos a imensa União Soviética se transforma, de país atrasado, em grande potência industrial e militar. E perguntamos: sob qual direção se realizou este milagre? Os inimigos do Stalinismo - Stalinismo para nós significa o Leninismo da época da construção do socialismo não podendo negar as evidências, vêm de público dizer que foi feito a preço muito elevado e que milhares de inocentes foram atingidos. É preciso não termos nenhuma noção de política para acreditarmos que milhões de pessoas sejam castigadas em um processo revolucionário sem que nele estejam envolvidas de uma maneira ou de outra. Mas avançam e dizem que no meio destes inocentes se encontravam muitos companheiros comunistas.

Vejamos os fatos. Há três anos atrás Gorbachov, Yéltsin e tantos outros eram membros do PCUS, ou melhor, de sua mais alta direção. Gorbachov era o Secretário-Geral do Partido e surge ao mundo com sua Perestroica para logo receber os aplausos do imperialismo e de quase todos os Partidos Comunistas do mundo. Para o imperialismo, Gorbachov era o campeão da PAZ UNIVERSAL, e logo recebeu o PRÊMIO NOBEL. Para os pseudo- comunistas, Gorbachov era o socialismo moderno, sem os erros da era stalinista. Perguntamos: o que são hoje, senão declarados agentes do capitalismo internacional? Mas admitamos que o PCUS fosse dirigido por verdadeiros comunistas, tendo à frente Stálin. Não tenhamos dúvidas de que Gorbachov teria sido fuzilado e hoje estaria sendo apresentado pelos trotskistas e pseudocomunisías como herói comunista, vítima do stalinismo, da mesma forma como apresentam os Kamenevs e os Zinovievs do passado.

Já vimos que a base material que possibilitou à União Soviética enfrentar e vencer a maior coligação militar formada até àquela época se deveu à política leninista de industrialização e à coletivização da agricultura, levada a cabo sob a liderança de Stálin.

Apreciemos agora os outros aspectos, responsáveis pelos êxitos da União Soviética durante o período que vai de 1917 a 1941.


Notas de rodapé:

(1) Lênin. O Estado e a Revolução. Obras Escolhidas. Edições Avante, Lisboa, pág. 238. (retornar ao texto)

(2) Idem, p. 241. (retornar ao texto)

(3) Lênin. Obras Escolhidas. 2- volume. Editora Avante, Lisboa, pág. 245. (retornar ao texto)

(4) J. Stálin. Em Defesa do Socialismo Científico. Editora Anita Garibaldi, pág. 24. (retornar ao texto)

(5) Jorge Amado. O Cavaleiro da Esperança. Editorial Vitória Ltda., Rio de Janeiro, RJ. (retornar ao texto)

(6) “Os Falsificadores da História”. Revista Problemas nº 11. Rio de Janeiro/1948, pág. 29. (retornar ao texto)

(7) Idem, JuIho/1984, pág. 30. (retornar ao texto)

(8) A. Hitler. Mein KAMPF: Munique, 1936, pág. 742. (retornar ao texto)

(9) Nota do Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha de 24 de março de 1938. “Os Falsificadores da História”. Revista Problemas, n9 11, Rio, Julho/1985, pág. 29. (retornar ao texto)

(10) História da U.R.S.S., Editorial Grijalbo, pág. 574. (retornar ao texto)

(11) Gorbachov. Perestróica. Editora Best-Seller, pág. 42. (retornar ao texto)

Inclusão: 25/03/2020