Stalinismo

Manoel Coelho Raposo


Adendo


Em Defesa do Socialismo Científico
Stálin

Pergunta — Quais são os perigos de degenerescência do nosso Partido caso a estabilização do capitalismo se prolongue?

— Existem realmente esses perigos?

— Sim, é indiscutível que existem, e são bem reais. Eles existem independentemente da estabilização, que apenas os toma mais palpáveis. Eis, em minha opinião, os três perigos principais:

  1. o perigo de perdermos a perspectiva socialista no trabalho de edificação do nosso país e, em consequência, o perigo de aparecer uma tendência de liquidação das conquistas da revolução;
  2. o perigo de perder a perspectiva revolucionária internacional e, portanto, o perigo de aparecimento do nacionalismo;
  3. o perigo de enfraquecer a direção do Partido e, portanto, a possibilidade de o Partido se transformar num apêndice do aparelho estatal.

Comecemos pelo primeiro desses perigos.

Ele caracteriza-se pela falta de confiança nas forças internas da nossa revolução; pela falta de confiança na aliança entre os operários e os camponeses e no papel dirigente do proletariado nessa aliança; pela falta de confiança na transformação da “Rússia da Nova Política Econômica” em Rússia socialista; pela falta de confiança na vitória da construção socialista no nosso país.

Esta é a via do liquidacionismo e da degeneração, porque leva à liquidação dos princípios e objetivos da Revolução de Outubro, à degeneração do Estado proletário num Estado democrático-burguês.

A origem desta mentalidade, o terreno que lhe permite desenvolver-se dentro do Partido, é o reforço da influência burguesa sobre o Partido nas condições da Nova Política Econômica e da luta desesperada entre os elementos capitalistas e os elementos socialistas no seio da nossa economia. Os elementos capitalistas não lutam apenas no domínio econômico; tentam transpor a luta para o domínio da ideologia proletária, procuram introduzir nos nossos destacamentos menos firmes a falta de confiança na possibilidade de construir o socialismo, o ceticismo em relação às perspectivas socialistas do nosso trabalho de edificação. E não se pode dizer que os seus esforços tenham sido completamente estéreis.

“Como pode um país atrasado como o nosso edificar o socialismo integral?”, dizem alguns desses comunistas contaminados. “O estado das forças produtivas no nosso país não nos permite aspirar a objetivos tão utópicos. Procuremos manter-nos no poder como pudermos e deixemos de sonhar com o socialismo. Façamos o que é possível de momento e depois se verá.”

Dizem outros: “Já cumprimos a nossa missão revolucionária ao fazer a Revolução de Outubro. Agora tudo depende da revolução internacional, porque sem a vitória do proletariado do Ocidente não poderemos construir o socialismo. Para dizer a verdade, um revolucionário não tem mais nada a fazer na Rússia.,.” Como se sabe, em 1923, às vésperas da revolução na Alemanha, uma parte da juventude das nossas escolas estava disposta a abandonar os livros e partir para a Alemanha, considerando que um revolucionário já nada tinha a fazer na Rússia e que o seu dever era ir fazer a revolução para a Alemanha.

Como vêem, tanto um como o outro destes dois grupos de comunistas negam as potencialidades socialistas do nosso trabalho de construção, adotam uma posição Iiquidacionista. A diferença entre eles consiste em que os primeiros cobrem o seu liquidacionismo com a teoria pseudocientífica das “forças produtivas” (não foi por acaso que Miliúkov os elogiou, há dias, no seu Posliédnie Nóvosti, como “marxistas sérios”), ao passo que os segundos cobrem o seu liquidacionismo com frases de esquerda e “terrivelmente revolucionárias” acerca da revolução mundial.

Com efeito, admitamos que um revolucionário nada tenha a fazer na Rússia; admitamos que seja inconcebível e impossível edificar o socialismo no nosso país antes da vitória nos outros países; admitamos que a vitória do socialismo nos países avançados só surja daqui a dez ou vinte anos. Pode-se acreditar que, nestas circunstâncias, com o país cercado por Estados burgueses, os elementos capitalistas da nossa economia consintam em parar a sua luta sem tréguas contra os elementos socialistas e esperem, de braços cruzados, o triunfo da revolução mundial? Basta colocar esta suposição para ver todo o seu absurdo. Mas, nesse caso, o que resta para fazer aos nossos “marxistas sérios” e aos nossos “terríveis” revolucionários? Obviamente, não lhes resta senão seguir a corrente e degenerar pouco a pouco em vulgares democratas burgueses.

Das duas uma: ou nós consideramos o nosso país como a base da revolução mundial, possuímos, como disse Lênin, tudo o que é necessário à construção de uma sociedade socialista integral — e, nesse caso, podemos e devemos construir essa sociedade, na perspectiva de uma vitória completa sobre os elementos capitalistas da nossa economia; ou então não consideramos o nosso país como a base da revolução mundial, não temos as condições necessárias à construção do socialismo, é-nos impossível construí-lo — e, nesse caso, se a vitória do socialismo nos outros países demorar, teremos que nos resignar com a perspectiva de os elementos capitalistas da nossa economia levantarem a cabeça, de o regime dos sovietes entrar em decadência, de o Partido degenerar.

Ou uma coisa ou outra.

É por isso que a falta de confiança nas potencialidades socialistas do nosso trabalho de construção leva à liquidação e à degenerescência.

É por isso que a luta contra o perigo liquidacionista é uma tarefa imediata do nosso Partido, sobretudo no período atual, enquanto durar a estatização temporária do capitalismo.

Passemos ao segundo perigo.

Ele caracteriza-se pela falta de confiança na revolução proletária mundial, na sua vitória; falta de confiança no movimento de libertação nacional das colônias e nações dependentes; pela incompreensão de que, sem o apoio do movimento revolucionário internacional, o nosso país não teria podido resistir ao imperialismo mundial; pela incompreensão de que a vitória do socialismo num país isolado não pode ser definitiva porque está à mercê de uma intervenção enquanto a revolução não tiver triunfado pelo menos em vários outros países; pela incompreensão da base do interacionalismo, que exige que o triunfo do socialismo num país não seja um fim em si, mas um meio de desenvolver e apoiar a revolução noutros países.

Essa é a via que leva ao nacionalismo, à degenerescência, à liquidação total da política internacional do proletariado, porque aqueles que são afetados por essa doença consideram o nosso país, não como uma parte do movimento revolucionário internacional, mas como o princípio e o fim desse movimento, consideram que os interesses de todos os outros países devem ser sacrificados aos do nosso país.

Apoiar o movimento de liberação nacional da China? Para quê? Não será isso perigoso? Não nos trará complicações com outros países? Não será melhor estabelecer “esferas de influência” na China em acordo com outras potências “civilizadas” e apanharmos uma parte desse país? Isso traria vantagens e não arriscaríamos nada... Apoiar o movimento de emancipação na Alemanha? Valerá a pena? Não seria melhor entrar em acordo com os Aliados acerca do Tratado de Versalhes e obter uma compensação? Manter a amizade com a Pérsia, Turquia e Afeganistão?

Não nos seria mais vantajoso abdicarmos dela? Não seria melhor restabelecer as “esferas de influência” de acordo com uma ou outra das grandes potências? E assim por diante.

Esta é uma mentalidade nacionalista de novo tipo que tenta liquidar a política externa da Revolução de Outubro e onde se desenvolvem à vontade os elementos de degenerescência.

Enquanto o primeiro perigo, o perigo de liquidacionismo, surge da influência burguesa sobre o Partido no terreno da política interna, no terreno da luta entre os elementos capitalistas e socialistas na nossa economia, a origem do segundo perigo, do perigo de nacionalismo, está no reforço da influência burguesa sobre o Partido no terreno da política externa, no terreno da luta que os Estados capitalistas conduzem contra o Estado de ditadura do proletariado. É fora de dúvida que a pressão dos Estados capitalistas sobre o nosso Estado é enorme, que os funcionários do nosso Comissariado dos Negócios Estrangeiros nem sempre lhe conseguem resistir e, pelo receio de complicações internacionais, são tentados muitas vezes a seguir o caminho da menor resistência, o caminho do nacionalismo.

É evidente que, só na base do internacionalismo consequente, da política externa da Revolução de Outubro, pode o primeiro Estado proletário continuar sendo o porta-bandeira do movimento revolucionário mundial; e é claro que a linha da menor resistência e do nacionalismo em política externa significa o isolamento e a decomposição do país da primeira revolução vitoriosa.

É por isso que a ausência de uma perspectiva revolucionária internacional leva ao perigo do nacionalismo e da degenerescência.

É por isso que a luta contra o perigo do nacionalismo na política externa é uma das tarefas imediatas do Partido.

Passemos finalmente ao terceiro perigo.

O seu traço característico é a falta de confiança nas forças internas do Partido e no seu papel dirigente; a tendência do aparelho de Estado para enfraquecer a direção do Partido, para se emancipar dela; a incompreensão de que, sem a direção do Parti-

do Comunista, não pode existir ditadura do proletariado.

Esse perigo ameaça-nos de três lados.

Primeiro, as classes que temos de dirigir modificaram-se. Os operários e os camponeses já não são os mesmos do período do comunismo de guerra. Antes, a classe operária estava desorganizada e dispersa, os camponeses estavam dominados pelo medo do regresso dos senhores da terra em caso de derrota na guerra civil, e o Partido, única força centralizada, governava em estilo militar. Agora a situação é outra. Já não há guerra. Portanto, o perigo iminente que agrupava as massas trabalhadoras à volta do nosso Partido já não existe. O proletariado recompôs-se e elevou o seu nível material e cultural. Os camponeses também se desenvolveram e educaram. A atividade política de ambas as classes cresceu e continuará a crescer. Já não podem ser governadas em estilo militar. Em primeiro lugar, é necessária a maior flexibilidade nos métodos de direção. Em segundo lugar, é preciso dar extrema atenção às necessidades e aspirações dos operários e camponeses. Em terceiro lugar, é preciso saber chamar ao Partido os operários e camponeses que surgem na vanguarda devido ao desenvolvimento da atividade política destas classes. Mas, como sabemos, essas qualidades e condições não se adquirem de um dia para o outro. Daí o desnível entre o que se exige do Partido e aquilo que ele pode dar neste momento. Daí também o perigo de enfraquecimento da atividade dirigente do Partido, o perigo de o Partido perder o papel dirigente.

Em segundo lugar, é de notar que nestes últimos tempos, durante o período de desenvolvimento econômico, os aparelhos das organizações estatais e públicas se alargaram consideravelmente e se fortaleceram. Os trastes e sindicatos, os organismos de comércio e crédito, as organizações administrativo-políticas, culturais e educativas e, por último, as cooperativas de todos os gêneros, cresceram e alargaram-se muito, recrutando centenas de milhares de novos trabalhadores, a maior parte deles sem partido. E esses aparelhos não aumentam só numericamente; o seu poder e influência aumentam também. E quanto mais cresce a sua importância, mais sensível se toma a sua pressão sobre o Partido, com maior persistência tentam enfraquecer o papel dirigente do Partido, maior é a sua resistência ao Partido. É preciso proceder a um reagrupamento das forças e a uma distribuição dos elementos dirigentes por esses aparelhos, de forma a assegurar a direção do Partido na situação nova em que nos encontramos. Mas isso não se consegue de repente. Daí o perigo de que o aparelho de Estado se desligue do Partido.

Em terceiro lugar, o próprio trabalho se tomou mais complicado e variado. Falo do nosso trabalho atual de edificação. Setores inteiramente novos de atividade surgiram nas cidades e nos campos, obrigando a direção a tomar-se mais concreta. Antes era habitual falar de direção “em geral”. Agora, a direção “em geral.” não passa de palavreado que nada dirige. Hoje se exige uma direção concreta, específica. O período anterior criou uma espécie de militante do tipo sabe-tudo, pronto a responder a qualquer questão teórica ou prática. Agora, esse tipo de militante deve ceder o lugar a um novo tipo de militante, capaz de se tomar conhecedor de um dado ramo da atividade. Para dirigir efetivamente, é preciso conhecer a fundo o seu setor de trabalho, estudá-lo conscienciosamente, com paciência e perseverança. Não se pode dirigir no campo sem conhecer a agricultura, as cooperativas, a política de preços, sem ter estudado as leis que respeitam direta- mente ao campesinato. Não se pode dirigir na cidade sem conhecer a indústria, as condições de vida dos operários, as suas reivindicações e aspirações, sem conhecer tudo o que se relaciona com os sindicatos, as cooperativas e associações. Infelizmente, todos esses conhecimentos não se adquirem num abrir e fechar de olhos. Para elevar a ação dirigente do Partido ao nível exigido, é necessário antes de tudo elevar a preparação dos militantes do Partido. Mas não é fácil elevá-la rapidamente. Ainda persistem nas organizações do Partido os antigos hábitos de dar ordens a torto e a direito em vez de estudar as questões. É por isso que a chamada ação dirigente do Partido degenera por vezes num ridículo amontoado de ordens perfeitamente inúteis, numa “direção” verbal, puramente imaginária. Esse é um dos perigos mais sérios de enfraquecimento e desaparição da direção do Partido.

São estas, de modo geral, as razões por que o perigo de o Partido perder a direção leva ao enfraquecimento e degenerescência do Partido.

É por isso que o combate resoluto contra esse perigo é uma das tarefas imediatas do nosso Partido.

Uma versão mais completa dessa entrevista está disponivel no livro Perguntas e Respostas


Inclusão: 25/03/2020