O terrorismo neofascista dos EUA exige uma resposta global dos povos

Miguel Urbano Rodrigues

1 de abril de 2003


Fonte: http://resistir.info

Transcriçãoe HTML: Fernando Araújo.


Em Washington não se fala mais de Osama Bin Laden. Menos ainda do Mullah Muhamad Omar, chefe dos Talibã. Foram esquecidos. O nome de Sadam Hussein quase desaparecerá também ali da comunicação social se os EUA conseguirem impor a sua lei (a da selva) no Iraque.

Os pretextos forjados para as guerras preventivas do sistema de poder imperial são calendarizados de acordo com prioridades estratégicas definidas com larga antecedência. Carecem de significado histórico e perdem rapidamente interesse para os técnicos do marketing mediático que exploram o tema do terrorismo como instrumento de captação de apoio popular à escalada bélica.

Vivemos na era da informação instantânea e universal. E a engrenagem responsável por esta guerra abjecta exerce um controle quase absoluto sobre a maquina mediática que apresenta o genocídio como libertação, o crime como virtude e o saque das riquezas dos povos agredidos como acto civilizatório.

A propaganda deles dispõe de instrumentos de acção e recursos inesgotáveis. Nós, sem meios técnicos e financeiros, temos a razão e a ética. Somos o exército sem armas que defende a humanidade. Temos de derrotar os novos bárbaros pela superioridade da inteligência colocada a serviço da verdade.

A grandiosa mobilização dos povos contra a guerra está perturbando o sistema imperial cuja dinâmica e objectivos configuram uma ameaça à continuidade da vida no planeta. Mas o protesto espontâneo, por mais comovedor que seja, não é suficiente para deter a maquina monstruosa. Para que ele se torne permanente, assuma ainda maiores proporções e os seus efeitos abram fissuras na engrenagem, é imprescindível que se aprofunde a tomada de consciência de dezenas de milhões de homens e mulheres que da Indonésia ao Brasil, da França à Índia, do México à Austrália, do Japão aos EUA, da Grã-Bretanha à Venezuela, de Portugal à Rússia, da Colômbia à Espanha ocupam as ruas e praças das grandes megalópolis, exigindo o fim do genocídio iraquiano. O avanço da organização é uma exigência da luta em curso.

Os dirigentes dos EUA estão apreensivos com o rumo daquilo a que impropriamente chamam a batalha da propaganda. Esperavam que a manipulação mediática funcionasse em seu beneficio. Mas aconteceu o inesperado. Até o New York Times, o Washington Post, e os grandes jornais da Califórnia chegaram à conclusão de que as imagens do Iraque mostram uma guerra muito diferente da anunciada e começam a pesar numa opinião pública saturada dos discursos repetitivos e grandiloquentes de Bush e Rumsfeld. Milhões de cidadãos ficam chocados ao contemplar Bagdad e Bassorá em chamas e as cidades do Vale do Eufrates transformadas em escombros calcinados. O americano médio não esperava ver na TV — apesar da autocensura de muitas emissoras — tantos cadáveres de mulheres e crianças iraquianas vagueando entre ruínas, nem a expressão de sofrimento dos feridos amontoados em hospitais improvisados. A surpresa mais dolorosa foram as notícias sobre os militares estadunidenses mortos e prisioneiros (que a televisão se absteve de mostrar). Aquela guerra não é a que lhe prometeram. Descobre, alarmado, que, afinal, o povo do Iraque defende com tenacidade a sua terra dos cruzados americanos que, segundo o Presidente Bush, iam libertá-lo. É natural que os fantasmas do Vietnam regressem aos lares dos EUA.

GUINADA NA GUERRA PSICOLÓGICA

Os estrategos do «Desarmamento de Sadam» foram forçados a imprimir uma nova orientação à propaganda. Confrontadas com a realidade, as promessas da campanha libertadora e da guerra fácil tinham perdido todo o poder de convicção.

A credibilidade da Casa Branca e do Pentágono caiu bruscamente. Bush manteve o tom triunfalista. Mas de repente começou a afirmar que a duração da guerra não tem importância alguma, apenas o resultado. As bombas norte-americanas continuam a matar em todo pais; entretanto, ele anuncia aos iraquianos uma era de felicidade com «comida, medicamentos e bem estar» (sic). Como preâmbulo desses actos de generosidade, mísseis estadunidenses danificaram já — segundo informação da UNESCO — ruínas de antigas civilizações que são património da humanidade. A barbárie US alastra. E a estupidez também. A selecção dos alvos a atingir obedece a critérios que deixam transparecer uma fúria persecutória demencial. Segundo o alto comando estadunidense foi bombardeado um edifício de Bagdad por se admitir que se encontrava ali o primo Ali de Sadam Hussein. Desperdiçaram metralha, o homem não estava no local...

Em Washington os homens de negócios discutem a chamada «reconstrução». Enquanto as bombas arrasam as cidades, os contratos para as refazer começam a ser atribuídos a empresas estadunidenses, o que suscita protestos das britânicas, esquecidas na partilha do bolo.

O general Tommy Franks, comandante das forças invasoras, acusado de incompetente por colegas do Pentágono, admite agora que «a guerra pode durar até ao verão».

A guerra psicológica torna-se mais perversa. Porta-vozes do exército falam de «prisioneiros arrependidos» e não será surpresa se indivíduos com o uniforme iraquiano aparecerem um dia destes na televisão a debitar recados de encomenda. Simultaneamente, enquanto os bombardeamentos se intensificam, o Presidente informa que submeterá a julgamento os generais iraquianos a quem, por cumprirem o seu dever, acusa de crimes contra a humanidade.

Rumsfeld, «Rummy» para a ultra direita, garante que uns 50% dos efectivos da Guarda Republicana, a tropa de elite que defende Bagdad, foram aniquilados. E outras fantasias.

Condoleeza Rice, cada dia mais frenética, ignora os protestos contra a guerra e transforma o isolamento dos EUA em missão humanista aclamada pelos povos da Terra. O seu discurso renovado é um insulto à inteligência. Segundo ela, 50 países, com 1200 milhões de habitantes, e um PIB gigantesco lutariam ao lado dos EUA e do Reino Unido pela «libertação do Iraque». Gente a mais para «desarmar» um homem...

Numa das arengas prestou quente homenagem aos valentes militares do continente europeu que combateriam já nos campos da Mesopotâmia contra Sadam. Mas foi parcimoniosa na enumeração desses aliados. No resumo que li apenas citou três países: a Polónia, a Republica Checa e a Eslováquia. A senhorita Condoleeza, coitada, nem se apercebe que as suas hipérboles guerreiras atraem sobre os governos desses países ex-socialistas, acumpliciados com Washington, um desprezo universal.

Não sendo possível anunciar vitórias no terreno, os generais desculpam-se, alegando que o inimigo viola as «leis da guerra». O eufemismo traduz o pânico que se instalou nos quartéis das forças invasoras após a morte de militares estadunidenses que se aproximaram de um veiculo cujo condutor o fez explodir.

A desorientação e o medo instalam-se na tropa, que passou a disparar contra qualquer carro não identificado que se aproxime. No dia 31 de Março uma carrinha com 12 mulheres e crianças foi metralhada e chacinadas sete (ou 10?) das ocupantes. Não houve aviso prévio, segundo um oficial que presenciou o crime cujas declarações foram publicadas pelo Washington Post.

Quem entre os jornalistas ousa, mesmo timidamente, formular criticas é punido. Foi o que aconteceu ao neozelandês Peter Arnett, Prémio Pulitzer, o famoso repórter que, de Bagdad, fez para a CNN a cobertura dos bombardeamentos da cidade em 1991 durante a Guerra do Golfo.

Arnett, novamente na capital iraquiana, cometeu a imperdoável falta de afirmar numa entrevista à televisão de Bagdad que «o plano inicial desta guerra fracassou pela resistência iraquiana». Trabalhava para a cadeia de televisão NBC e para a da prestigiada National Geographic. Foi sumariamente despedido de ambas. Segundo o «Daily Mirror», de Londres, que logo o contratou, perdeu o emprego por dizer a verdade.

Note-se que o neozelandês não é um jornalista de esquerda. Lamentou as declarações feitas e pediu desculpa por ter ofendido o povo norte-americano ao aceitar falar à TV iraquiana.

QUAL A PRÓXIMA VITIMA?

As ameaças à Síria e ao Irão feitas pelo general Colin Powell na véspera da sua viagem à Turquia e a Bruxelas justificam a inquietação que provocaram não apenas nos países muçulmanos mas também nas capitais dos Estados que se opuseram à agressão contra o Iraque, de Paris a Pequim. Quase simultaneamente, o Presidente Bush, numa cerimonia oficial, embarafustava contra «ditadores e assassinos», que, segundo ele, ajudam o Iraque, afirmando que terão de pagar por isso. Rumsfeld, conversando com jornalistas, disse o mesmo. Os governos de Damasco e Teerão, não foram citados, mas o recado era transparente.

Alguns analistas recordaram palavras de Bush, após o 11 de Setembro, sobre a guerra de larga duração contra países que apoiam o terrorismo.

Colin Powell foi muito claro.

Acusou a Síria e o Irão de apoiarem ostensivamente Bagdad, e, usando uma linguagem extremamente agressiva, quase repetiu, dirigindo-se ao governo do segundo daqueles países, acusações que durante os últimos meses constituíram o núcleo básico da propaganda concebida para «justificar» a agressão ao Iraque.

O secretario da Defesa dos EUA abriu uma janela para futuras guerras ao afirmar que Teerão acumula armas de destruição maciça e formular insinuações sobre o seu programa nuclear.

Esta súbita ofensiva de violência verbal contra a Síria e o Irão — que responderam com dignidade ao destempero estadunidense, condenando a agressão, mas desmentindo acusações que consideram desprovidas de qualquer fundamento — não aconteceu por acaso.

Como nos lembra Michel Chossudovsky em artigo publicado em resistir.info no dia 30 de Março pp., os planos de guerra da administração Bush não têm nada a ver com «as armas de destruição maciça de Sadam».

Os EUA pretendem expulsar os franceses, os alemães e os russos (e talvez os italianos) dos campos de hidrocarbonetos do Médio Oriente e da Ásia Central. Ora os gigantes anglo-americanos do sector estão ausentes do Iraque e do Irão, que, juntos, contam com quase 20% das reservas mundiais de petróleo.

A dependência dos EUA do petróleo importado aumentará rapidamente nos próximos anos. Segundo previsões oficiais, em 2020 — ano em que o PIB da China terá provavelmente ultrapassado o norte-americano — os EUA estarão importando aproximadamente 70% do consumo do país. Daí a pressa de resolver pelas armas, quando necessário, o problema do controlo absoluto do Médio Oriente e da Ásia Central.

É em função dessa estratégia que as novas ameaças ao Irão e à Síria — porta de acesso à Região — devem ser interpretadas.

Quem será a próxima vitima?

A pergunta tem sido formulada com frequência nos últimos dias. Mas os comentários de circunstancia que incidem apenas sobre o discurso dos porta-vozes do sistema imperial não ajudam a compreender a dimensão da ameaça. Porque a Rússia e a China se encontram igualmente na linha de mira de Washington.

A ameaça é global e abrange toda a humanidade.

A ela, em defesa de valores e princípios que, no acumular das civilizações, permitiram ao homem realizar conquistas prodigiosas, hoje em perigo de destruição, devemos esforçar-nos por dar-lhe também uma resposta global.

Isso começa a acontecer. Mas é preciso e necessário ir mais longe na luta contra o escalada irracional orientada par uma ditadura planetária de contornos neofascistas.

Havana, 01/Abr/2003


Inclusão: 01/08/2021