
Eu Eu sei que choras, Mãe!
Sei que cada manhã
Ao saíres do teu quarto
Dás com teus olhos marejados
Na porta fronteira
E mudas de direcção
Com um soluço abafado
No teu grande peito desfeito
Pelos assassinos da Pátria
Sei que à hora das refeições,
Antes de te sentares sem apetite
À mesa pobre e desguarnecida,
Mas quente e acolhedora
Sempre para mais um,
Vais à janela mirar
Numa esperança perdida,
Todos os dias renovada,
Aquela esquina por onde
Me viste desaparecer
E lançar-te um último adeus
Até à hora supremamente exacta
Que se anuncia no relógio da História
E se transmite por todas as horas do Mundo
E eu ajudo também a aproximar
Mais e mais rapidamente...
Eu sei que não choras, Pai!
Sei que em vez de lágrimas
Te cai dos olhos uma tristeza
Enorme, pesada, dolorida,
Forjada na destruição do sonho dourado
Que me arquitectaras
E espalhada no coração opresso
Pela angústia da vida incerta
E de vigília que eu escolhi.
Sei que os teus olhos se perdem
No infinito, à procura
Da minha imagem real,
Do louro dos meus cabelos poucos,
do castanho dos meus olhos
Que só sabem perscrutar futuro,
Pois que a imagem do retrato
Amorosamente posto à cabeceira
Da vossa cama, pela mãe,
Não leva até vós a alegria
Com que apagava a inércia
À minha volta ou a tristeza
Escorrida das paredes nuas
Da rua ou a severidade
Com que insultava os pobres
Que se arrastam encarcerados
Da luz que sangra e sara...
Mas também sei que os dois
Todos esses pensamentos tristes
Afastam num rápido pestanejar
Quando muito docemente fixam
Os olhos atentos, devoradores,
Todas as noites, ao meio da noite,
Naquele ponteiro do receptor
Apontado ao coração soviético
Para vos trazer a voz da Paz
E a alegria da construção,
A voz que ouvis como minha,
A voz vinda da terra das canções
Com sabor a trigo e a milho,
E a[s] auroras da nossa terra,
Tão verdadeira e pura e severa
Ela nos entra nos corpos
Cansados, e nos deixa
Plenos de esperança e de certeza...
E é nessa hora, Mãe,
E nessa meia hora, Pai,
Que mais me sinto convosco,
Mesmo sem colocar as mãos
No botão de nenhum rádio
Mesmo quando não oiço a voz
Da pátria-mãe da Paz mundial.
De tal modo nos irmanamos
Nessa hora nocturna onde
Em meia hora nascem manhãs
De tractores e pão, de andaimes e escolas,
De águas que nivelam homens,
De árvores, de coragem, de luz, de vida,
Que me basta erguer ao ar
Silencioso do meu quarto-silêncio
O meu braço esquerdo, de mão
Cerrada, em signo fraternal,
Como antena de claridade,
Para no fim da emissão
Ouvirdes pela telegrafia da saudade
Em vez do sempre costumado
“até amanhã, queridos ouvintes“,
A minha voz amassada em estrelas
E canções, saudar vibrante
Como um rio de perfumado sol:
“Até amanhã, queridos Pais!“