
Camaradas: Não sei como foram apreciadas pela Comissão de Imprensa algumas críticas que tenho apresentado nos últimos meses. Em todo o caso, volto hoje a um assunto que me parece muito importante.
Penso que no noticiário das lutas da classe operária precisa de ser mais vincado o carácter social, o conteúdo revolucionário das lutas económicas. São lutas do proletariado contra a exploração da sua força de trabalho pelo capital, e neste sentido cada vitória merece ser destacada, não apenas pela melhoria imediata que trouxer às condições de vida do operariado – melhoria que os capitalistas procuram desde logo anular e anulam de facto num prazo mais ou menos longo – mas sobretudo por representar um triunfo parcial na grande batalha das classes, por elevar a consciência revolucionária dos operários, a sua solidariedade de classe, o seu inconformismo perante a exploração, a sua aspiração a um regime socialista.
Se é certo que a massa dos operários vai à luta apenas tendo em vista arrancar uma melhoria imediata e limitada nas suas condições de vida, isso não justifica que o Avante! se limite a focar este aspecto da questão, como tem feito. O Avante! precisa de incutir nos operários de vanguarda a compreensão revolucionária do papel de cada luta local. O Avante! precisa de, ao assinalar cada vitória parcial, lembrar que os operários têm direito a mais alguma coisa do que às migalhas do produto do seu trabalho; isto é, a perspectiva do socialismo, da libertação da classe operária, deve aparecer mais no Avante! e não apenas a propósito dos noticiários da URSS e do campo socialista. Se os nossos esforços se concentram hoje contra os monopólios e os seus lucros astronómicos, isso não quer dizer que deixaremos de lutar contra o lucro em geral, contra a exploração capitalista em geral: pelo contrário, devemos armar a classe operária com uma compreensão muito exacta dos seus objectivos finais, se quisermos que ela realize satisfatoriamente as tarefas imediatas.
Em resumo, penso que o noticiário do Avante! deve ser orientado de modo a que o conteúdo económico das lutas operárias seja fecundado com o seu conteúdo revolucionário. Sem isso, as lutas da classe operária perderão a capacidade ofensiva e passarão para a mera defensiva das suas condições de vida, o que não permitiria realizar o papel dirigente da classe operária no derrubamento do fascismo.
Penso que no Avante! de 4 páginas deveria haver, como norma, uma página dedicada inteiramente às lutas e aos problemas da classe operária (industrial), incluindo-se nessa página as notícias das lutas, as cartas das empresas, notícias sobre as condições de vida e de trabalho dos operários, sobre o movimento operário internacional, sobre a história do movimento operário português, etc. Desta página deveriam excluir-se notícias sobre as outras classes, mesmo dos operários agrícolas, e poderia até fazer-se um linóleo com um cabeçalho a servir de rubrica permanente da página, de modo a chamar mais a atenção dos leitores.
Penso também que é justo seleccionar as notícias, dando mais desenvolvimento ao relato de cada luta (como de resto se tem começado a fazer ultimamente; destacam-se dois artigos da Covilhã); isto levar-nos-á a pôr de parte a pressa excessiva com que no passado noticiámos lutas ainda mal começadas ou mal conhecidas; como já foi justamente salientado, não são os artigos e apelos do Avante! que podem organizar as lutas em curso, essa tarefa só pode ser realizada pela organização local do Partido. O que nos interessa sobretudo no noticiário do Avante! é dar relatos vivos, precisos, convincentes, das lutas travadas, do estado de espírito dos operários, suas aspirações e desejos, de modo a constituir um estímulo para todos os leitores.
Quanto à linguagem, só tenho a notar que, embora a redacção seja agora correcta e cuidada, ainda surgem por vezes expressões ou construções um pouco difíceis que se deveriam evitar.
Fico aguardando, queridos camaradas, a opinião da com. Imprensa sobre esta e outras críticas.
Saudações
Maio de 1960
Serpa