
Camaradas:
Em resposta à vossa circular pedindo experiências e opiniões sobre diversos sectores da actividade partidária, mando algumas ideias sobre o trabalho sindical. Como a minha experiência neste campo é muito pequena só posso pôr algumas questões baseadas principalmente no estudo dos nossos materiais.
Sobre o trabalho juvenil respondo em separado. Quanto aos sectores feminino e militar não estou em condições de dar qualquer colaboração.
Fraternais saudações.
Uma primeira pergunta que se pode fazer é se já corrigimos no campo teórico os desvios do período 1949-53 quanto ao trabalho sindical, se já tapámos as brechas graves que então deixámos abrir dentro do Partido quanto à compreensão deste problema. Eu julgo que não. E penso que a primeira condição para caminharmos em frente é que na nossa imprensa e nas organizações do partido se façam análises fundamentadas, análises de princípios, que elevem a consciência de todos os camaradas quanto a este problema.
É que talvez ainda não se tenha medido bem toda a gravidade que teve na consciência dos militantes o abandono a que votámos o trabalho sindical na fase 1949-53, precisamente na altura em que o recuo da luta democrática nos impunha um aproveitamento hábil, minucioso, paciente, de todas as pontas sindicais.
Em vez de trabalharmos por manter e alargar a unidade da classe operária na trincheira sindical legal, para onde o descanso revolucionário nos obrigava a recuar, nós pretendemos avançar mais, repudiámos os acordos com elementos “oportunistas e burocratas“ das direcções sindicais (documento do Secretariado do CC, Dezembro de 1949), denunciámos o “perigoso desvio trade-unionista na luta sindical“ (O Militante n.° 65, Outubro de 1951), quisemos que os sindicatos tomassem posições políticas definidas, olhámos com desconfiança e sobranceria para os operários que se mantinham agarrados ao trabalho legal. Devemos ter consciência das marcas que esta orientação deixou em todo o Partido e em massas de operários influenciados por nós, e não devemos admirar-nos se ela reavivou as velhas resistências e incompreensões quanto ao trabalho sindical.
Penso que mesmo no CC a subestimação dos Sindicatos continuou para cá de 1953, como o dá a entender o artigo “Combatamos o Sectarismo“, de 1955, que faz referências vagas e insuficientes ao sectarismo nos sindicatos; em 1955 a disposição revolucionária das massas apenas recomeçava a subir; a luta sindical conservava o seu papel determinante, próprio dum regime fascista e duma fase em que a classe operária ainda não estava em condições de começar a romper, em massa, os marcos da legalidade fascista. Não elevando a luta sindical ao plano que lhe cabia, fizemos com que as nossas deficiências se arrastassem por mais alguns anos.
É verdade que O Militante publicou dois artigos importantes sobre este problema: “Por um movimento sindical de massas“, do cam. João e “Sobre as Comissões Sindicais“, do cam. Freitas. Mas o defeito desses artigos é não precisarem as raízes ideológicas do sectarismo na actividade sindical, não averiguarem a causa da indiferença e do desprezo de muitos comunistas e da massa dos operários pelo trabalho sindical, não criticarem corajosamente os erros passados, de forma a abrirem uma fase nova na nossa actividade. (O artigo do cam. Freitas critica um aspecto importante do “esquerdismo“ na táctica seguida nas eleições sindicais dos metalúrgicos de 1951, mas só uma análise de conjunto daria o devido relevo a este e outros erros.)
Em conclusão: penso que um artigo no Militante, de apreciação às origens das nossas insuficiências no trabalho sindical poderia servir de ponto de partida para discussões concretas em todas as organizações, de modo a permitir a superação das incompreensões e o desenvolvimento duma acção mais geral e enérgica em todo o Partido. Este artigo devia precisar as responsabilidades de voltar as costas aos sindicatos, detalhando os aspectos que tomaram essas incompreensões dentro do CC, dentro dos órgãos dirigentes regionais e locais, e entre os camaradas da base. Sobretudo, parece-me importante que um tal artigo não argumentasse só com os êxitos económicos que a classe operária pode obter a curto prazo com a luta sindical, como tem sido o costume, mas que abrisse perspectivas revolucionárias, leninistas, à acção nos sindicatos, que mostrasse como a luta sindical tenaz, diária, habilidosa, é neste momento a condição para mobilizar a classe operária, e a levarmos amanhã a romper a legalidade fascista e a lançar-se na greve geral revolucionária. Devemos ter presente que um nível ideológico baixo é ainda actualmente um dos grandes entraves à acção.
2. Entre os erros que continuamos a praticar no sector sindical, parece-me que tem a maior gravidade a associação deficiente do trabalho legal com o ilegal, a falta de compartimentação entre o trabalho ilegal do Partido e o trabalho legal dentro dos sindicatos. Dá a ideia de que, apesar do que se tem dito, ainda há muitos camaradas que não se aperceberam dos efeitos destruidores que têm estas misturas no trabalho sindical.
Assim, por exemplo, o que justifica que O Corticeiro, um órgão clandestino, tenha publicado em 1958 uma carta assinada por um director de um sindicato do Sul? Não se torna fácil para o fascismo localizar este homem, vigiá-lo e prendê-lo? Quando se tomou esta iniciativa, naturalmente esperava-se legalizar O Corticeiro e atrair os operários à luta sindical, mas não se admite que o resultado tenha sido precisamente o oposto.
E a reunião de 100 trabalhadores de Lisboa, no princípio deste ano, não é um exemplo de se pretender transpor do plano da luta sindical legal, para o plano extralegal, sem que exista um nível de luta indispensável para isso, e sem ao menos nos darmos ao trabalho de defender esta reunião extralegal?
As misturas do trabalho legal com o ilegal entregam os camaradas e os operários de vanguarda desarmados nas mãos da polícia, provocam um movimento de recuo em relação aos sindicatos, reforçam as tendências sectárias dentro do Partido. Devemos pôr-lhe termo imediatamente.
3. Um outro erro é continuarmos a alimentar, na nossa imprensa e ainda mais no trabalho de organização, a tendência que reduz o trabalho sindical às eleições sindicais, desprezando o trabalho diário e a acção organizativa lenta. No espírito dos nossos militantes as eleições sindicais transformaram-se de um meio que são, embora muito importante, para a conquista do sindicato pelos operários, no objectivo único de toda a actividade sindical. Por isso, se as eleições são ganhas, os comunistas e os outros operários desinteressam-se do problema sindical, e dissolvem a comissão sindical, como se tivessem alcançado o seu fim; e se pelo contrário triunfam os agentes do patronato, os trabalhadores desinteressam-se na mesma e ficam à espera que passem os 5 anos e cheguem novas eleições.
Esta tendência “eleitoral“ que ainda predomina largamente, creio eu, mostra que os nossos camaradas e os operários mais activos não assimilaram ainda na maioria dos casos o carácter do trabalho sindical, que eles se agarram ainda a ilusões legalistas e não abrangem toda a amplitude de massas que é preciso dar à luta sindical no dia-a-dia.
Devemos dizer sem meias palavras que não há vitória eleitoral que valha, se não a transformarmos na base para uma movimentação mais activa dos trabalhadores; devemos mostrar que nos sindicatos onde há direcções impostas também se pode fazer e também se tem feito bom trabalho; devemos destacar o conteúdo profundamente revolucionário da actividade sindical diária, que é a que conquista os sindicatos para as mãos dos trabalhadores.
E devemos esclarecer isso primeiro que tudo acompanhando o trabalho sindical na nossa actividade diária de organização, fazendo com que ele seja um ponto obrigatório nas nossas discussões sobre a mobilização de massas, controlando a execução das medidas aprovadas. As discussões precipitadas sobre as eleições sindicais um mês antes de elas começarem, a corrida para agarrar ligações sindicais à última hora, mostram que ainda se julga possível suprir num mês o trabalho que não se fez em anos, são um arremedo de organização que deseduca profundamente todos os militantes, e a que devemos pôr fim.
Outra medida será a de dar uma ajuda e uma defesa muito cuidadosa aos nossos militantes sindicais.
Serpa
Julho de 1960