
O nosso Partido dará sem dúvida um passo em frente com a discussão e assimilação do relatório sobre o desvio de direita. Esse relatório desmascara a natureza oportunista de algumas concepções que triunfaram em 1956-59 e põe a claro as consequências desastrosas que trouxeram ao Partido e à luta antifascista. Ele é uma boa contribuição da Direcção do Partido ao fortalecimento ideológico de todo o Partido.
Mas o triunfo dentro do Partido durante alguns anos deste desvio oportunista é um facto de tal gravidade que exigia uma profunda e implacável análise de classe, dando muita mais força à critica e indo mais longe na educação marxista-leninista de todo o Partido. Penso que o relatório não estigmatiza suficientemente a missão a que se dedicou a Direcção do Partido em 56-59 e que foi facilitar a substituição do proletariado pela burguesia na direcção da luta antifascista, renunciando em vários aspectos ao papel revolucionário da classe operária e da aliança operário-camponesa.
Em particular, penso que atribuir a tese da “solução pacífica“, ainda que parcialmente, a uma ligeireza e a uma confusão do Partido acerca da tese do XX Congresso do PCUS sobre a possibilidade da passagem pacífica ao socialismo é diminuir perigosamente a gravidade do seu carácter oportunista. Essa confusão parece mesmo não ter existido e o artigo do camarada João no Militante mostra bem claramente a diferença entre as duas teses.
Creio que seria mais exacto dizer que a tese da possibilidade de passagem pacífica ao socialismo (assim como as rectificações do XX Congresso) não foram tanto transplantadas para o nosso caso como foram antes interpretadas como a confirmação das hesitações oportunistas, elas animaram o argumento de que havia condições novas que reabilitavam pontos de vista antes condenados como oportunistas. Dentro do clima criado em 56, concepções oportunistas já existentes na Direcção do Partido puderam apresentar-se como representando “o leninismo nas novas condições históricas“, impondo assim uma viragem na linha do Partido.
A adopção da tese da “solução pacífica“ representa pois muito mais que uma confusão, ela representa o triunfo da ideologia oportunista pequeno-burguesa que já existia em estado latente na Direcção do Partido e que procurava uma oportunidade para voltar ao ataque. Isto não ressalta do relatório.
Do mesmo modo, o facto de no relatório se analisarem sucessivamente os vários erros e desvios em que caiu a actividade do Partido não permite mostrar plenamente como foi em torno da fórmula da “solução pacífica“ que se ergueu toda uma política de renúncia em face da burguesia. A “solução pacífica“, significando, por detrás de todas as flutuações, um compromisso do Partido a não levar as massas trabalhadoras à insurreição, contém em si toda a essência do desvio de direita.
Por sua vez, a resolução sobre o desvio de direita e o artigo do Militante n.º 111 confirmam e acentuam a ideia que já o relatório deixava de que a Direcção do Partido está a criticar um conjunto de concepções erradas esbatendo propositadamente a crítica à causa que as explica: o abandono das tarefas duras da aliança operário-camponesa, em cujo poder se perdera a confiança, e o esforço para captar a burguesia, oferecendo-lhe a “colaboração leal“ do proletariado. (Neste aspecto, está longe de ter sido desmascarada toda a degradação de certos passos do manifesto de Julho de 1959). Detrás da crítica às manifestações do oportunismo é a própria crítica ao oportunismo que fica apagada e frouxa.
E isto acontece porque não se aborda a crítica ao desvio francamente e sem rodeios do ponto de vista dos interesses divergentes da burguesia e do proletariado na luta antifascista única análise que permitiria levar a crítica até ao fundo. Porque não foi isso feito?
Penso que seria altamente significativo para o Partido e para a classe mostrarmos como, todas as vezes que o desenvolvimento da luta popular põe a ditadura em crise, todas as vezes que se entrevê a possibilidade da sua queda, “uma tremenda vaga pequeno-burguesa“ alastra às massas populares submergindo-as com a política de conciliação e expectativa no golpe providencial, a exigência que sejam postos de lado os interesses “estreitos“ do proletariado em proveito da “mais ampla unidade“. Foi assim em 1945-49, foi assim em 1956-59. As concepções oportunistas cumprem essa missão dentro do Partido, por muito boa que seja a intenção dos que as defendem: utilizar a classe operária e o seu Partido no interesse duma recomposição burguesa. Contudo, o relatório não se preocupa em pôr a nu estas raízes do desvio oportunista, apesar da necessidade que há em armar as fileiras do Partido para enfrentar as flutuações que se estão a verificar em larga escala e que devem ter tendência para aumentar.
Ainda noutro aspecto poderia ser enriquecida a crítica ao desvio de direita: seria a sua ligação com os desvios sectários do período anterior. Antes, em face do golpe que sofremos em 1949 e em face do recuo geral, a falta de confiança nas possibilidades revolucionárias do proletariado e do campesinato encobriu-se nalguns casos sob uma política e uma fraseologia sectária, traduzindo mesmo em certos casos desespero perante o recuo inexorável das forças revolucionárias a que se procurava responder com a ofensiva ininterrupta. Abandonando essas concepções sectárias sem uma profunda análise crítica, tornou-se possível que a mesma falta de confiança nas possibilidades revolucionárias do proletariado e do campesinato se passasse a manifestar desta vez abertamente no desvio oportunista.
O factor comum dos dois desvios foi a falta de uma perspectiva revolucionária sólida da Direcção do Partido, a falta de uma confiança e de uma ligação inabalável ao proletariado aliado aos camponeses para dirigir a Frente antifascista e esmagar o fascismo. Esta comparação mostraria onde está o ponto fraco de toda a actividade do Partido e para onde se deve dirigir o grosso dos nossos esforços.
O vigor com que se manifestou a tendência oportunista da “política de transição“, o desvio sectário que depois avassalou a Direcção do Partido e o triunfo absoluto do desvio de direita em 56-59 revelam a forte implantação da ideologia burguesa no seio do Partido, que, a não ser aniquilada, possibilita a continuação do oportunismo sob novas formas e ameaça a própria capacidade revolucionária do Partido.
Para expurgar do Partido as concepções oportunistas é indispensável:
- dizer abertamente ao Partido e às massas que o desvio serviu o objectivo de pôr o Partido ao serviço da burguesia antifascista e que arrastava o P. a trair os seus deveres para com o proletariado;
- organizar e controlar dentro do Partido uma luta enérgica e sistemática contra as concepções oportunistas em todas as suas manifestações, desmascarando o seu carácter de classe;
- exigir dos camaradas que no desvio tiveram maiores responsabilidades um reconhecimento sério dos erros gravíssimos cometidos (o Partido tem o direito de ser informado sobre isto);
- desligar do trabalho de direcção central camaradas que tenham manifestado ao longo dos anos a persistência de tendências oportunistas e tenham desempenhado o principal papel no triunfo do desvio (também sobre isto o Partido deveria ser informado).
A experiência do desvio de direita é rica de mais para que nos contentemos em restabelecer tranquilamente a linha anterior do Partido. Uma crítica sistemática às raízes do desvio conduzir-nos-á a pôr em causa certos aspectos da linha do Partido, nomeadamente:
a) como se explica que a Direcção do Partido não tenha (como primeira forma de restabelecer as ligações gravemente abaladas com a classe operária por um desvio de três anos) adoptado a orientação de se dirigir directamente às massas trabalhadoras dum ponto de vista de classe, fazendo-lhes sentir a presença do seu Partido e apelando para a sua coesão em torno do Partido?
Desde o princípio da rectificação do desvio, a Direcção do Partido não dirigiu um único documento político exclusivamente à classe operária e preocupou-se apenas em corrigir a definição da linha do Partido do ponto de vista de toda a Oposição e numa linguagem comum a toda a Oposição.
A hegemonia da classe operária no movimento antifascista não levanta ao nosso Partido apenas questões de organização, ela levanta sobretudo questões ideológicas, ela levanta a exigência de o Partido dar ao proletariado uma visão de classe nítida e depurada de ilusões, caso contrário a classe tenderá irresistivelmente e em todos os momentos para cair sob a influência da ideologia burguesa dentro do movimento antifascista. Que medidas tomou a Direcção do Partido neste sentido depois do triunfo do oportunismo durante três anos?
b) como se explica que a Direcção do Partido não empreenda há muitos anos qualquer discussão séria sobre o problema camponês, não analise perante o Partido as causas da prática inexistente da mobilização dos camponeses pelo Partido e o facto gravíssimo da influência da burguesia liberal sobre o movimento camponês, não trace uma linha de actuação e não tome medidas de direcção e de organização apropriadas para penetrar rapidamente no campesinato? É ou não a aliança com o campesinato a única base em que pode assentar uma poderosa Frente Nacional capaz de aniquilar o fascismo?
A resposta a estas perguntas tem que nos levar a concluir que a realização prática da política de alianças do nosso Partido acarreta na realidade uma indiscutível limitação nos princípios básicos que o Partido continua a proclamar em teoria: a hegemonia do proletariado no movimento antifascista e a conquista do campesinato como o seu principal aliado. Creio também que será exacto dizer que a Direcção do Partido substituiu de facto há muitos anos a aliança do campesinato pela aliança estreita com a burguesia liberal, como ponto de apoio e condição da Frente antifascista e que, por esse motivo, o Partido se encontra impedido de realizar plenamente o princípio da hegemonia do proletariado no derrubamento do fascismo. É claro que afirmações destas têm de ser fundamentadas e tentarei fazê-lo no futuro.
Um último ponto. Creio que seria um erro considerar que a reunião de Março fez entrar o Partido numa fase de realização duma linha política sólida. Os problemas de orientação devem continuar no centro de gravidade de toda a vida do Partido. A Direcção do Partido não cumpriu ainda inteiramente os seus deveres para com o Partido e a classe depois do desvio oportunista. Um verdadeiro sentido das responsabilidades tem que levar a direcção a aprofundar mais a primeira tarefa que lhe é pedida pelo Partido e pela classe: uma linha de orientação leninista, sólida, inteira, sem fendas.
A experiência já longa dos erros graves a que o Partido tem sido arrastado quando tem a sua Direcção impossibilitada de lhe dar antes de mais nada uma linha de orientação leninista deverá servir-nos para tirar conclusões acerca do valor das questões teóricas Os desvios repetir-se-ão se a Direcção do Partido não criar condições para uma verificação e aprofundamento constantes dos aspectos mais gerais da linha do Partido.
O empirismo continua a ser um dos maiores inimigos do Partido. Ele só será eficazmente combatido quando se puser a claro que a subestimação do elemento teórico é entre nós um sintoma da subestimação do papel determinante do proletariado e do seu Partido no caminho para a democracia e o socialismo.
Saudações
Campos
Agosto de 1961