
Escrevi em Janeiro que o facto de o CC ter resolvido denunciar o dogmatismo e não já o revisionismo como o perigo principal no movimento comunista, rompendo com a conclusão unânime dos Partidos Comunistas e Operários em 1960, contribui não para a unidade mas para a cisão.
Penso também que essa posição do nosso CC foi um grave erro político. Os apontamentos que dou a seguir, tirados da Revista Internacional, creio que obrigariam a pensar duas vezes antes de enveredar por tal caminho; eles convencem-me de que o oportunismo de direita e o revisionismo não só continuam a ser o perigo principal como se tornaram mesmo numa ameaça muito grave, uma ameaça que tem crescido nos últimos anos.
1. Os dirigentes do PCI definem em diversos artigos a “via italiana para o socialismo“ como uma via “sobre uma base democrática“, para a “transformação socialista da Itália no marco da legalidade constitucional“ (n.° 11 de 1962, pg. 23), “dentro do respeito pela Constituição republicana, através da pluralidade de partidos e do desenvolvimento das instituições democráticas“ (6.62,76) e isto porque hoje é possível “em grande parte pôr fim ao carácter ilusório da democracia burguesa“ (12.62, 84). Esta formulação não é um abandono claro da crítica comunista às instituições da democracia burguesa, instrumentos da ditadura da burguesia? Não desarma o proletariado na luta pela conquista do poder?
2. Em artigos de elementos do PCI e de outros PC defende-se a necessidade de dar uma resposta “positiva“ aos problemas imediatos, de encontrar “soluções positivas que tendam a resolver as questões“. Deixando de falar na preparação do proletariado e das massas para arrancar o poder aos capitalistas e instaurar o regime de ditadura do proletariado, eles oferecem como substituição: a luta pelas nacionalizações como forma de limitar progressivamente o poder dos monopólios (11.62, 83), a luta pela “democratização da administração das empresas privadas“ (!) (id.), a luta pela “transformação do carácter do Mercado Comum“ (11.62, 23), a luta pela “criação de organismos estatais de ajuda ao desenvolvimento da agricultura“ (8.62, 71), etc., etc. Isto é “avanço para o socialismo na democracia e na paz“ ou é abandono da luta pelo socialismo?
Henri Claude escreve (5.62,87):
“É erróneo pensar que seja possível, sem estar no poder, servir-se de um dos elementos que o constituem para combater a política geral do Estado. No marco do capitalismo monopolista de Estado, as empresas estatais não podem desempenhar um papel antimonopolista“.
É Claude que está a cair no dogmatismo ou são os defensores das soluções “positivas“ que estão a cair no reformismo?
3. Pesenti (5 62, 91) defende uma versão original da conquista do poder, que se fará gradualmente, através da correlação de forças cada vez mais favorável à classe operária. Este abandono descarado da conquista do poder é mascarado com a perspectiva de a classe operária vir a ter a hegemonia antes de conquistar o poder político, facto de que haveria exemplos na história. A história tem algum exemplo de uma classe explorada, desapossada de meios de produção, ter conquistado a hegemonia social antes de tomar o poder político?
4. Partindo da ideia de que os interesses de todas as classes exigem a paz (9.62,23, 12.62, Editorial), chega-se ao ponto de procurar argumentos que tranquilizem os monopolistas: o desarmamento, “longe de criar dificuldades à economia de qualquer país, estimulará no futuro o seu rápido desenvolvimento“ (9.62, 54), os fabricantes de canhões “poderão reorganizar as suas empresas“ (id.). Isto é alargamento do campo dos partidários da paz, como se vem proclamando, ou é o abandono da luta de massas pela paz?
5. Numa sucessão de artigos, lança-se a ideia, expressa claramente por Bahrani (6.62,20), de que as lutas de libertação nacional têm escassas perspectivas de êxito imediato e que “será bastante mais fácil se os povos conseguirem arrancar as armas das mãos dos imperialistas“ (id). Esta ideia vem sendo repetida em todos os tons nos últimos meses: o desarmamento “aumenta as possibilidades de expulsar os colonizadores que se verão desprovidos de armas“ (Ponomariov, 12.62); “se se obrigar os imperialistas a desarmar-se, terão forças suficientes para permanecer em países como Angola“ (Mamun, 10.62, 5); “Não ficariam a ganhar os países que lutam pela sua emancipação se os seus opressores imperialistas se desarmassem?“ (id.) O desarmamento criaria condições para “conquistar a independência através de negociações sem necessidade da luta armada“ (9.62, 57); é possível “arrancar o aguilhão venenoso do imperialismo estrangulando-o com as tenazes do desarmamento“ (9.62,52). Lamentavelmente, nenhum dos autores se lembrou de esclarecer como será possível levar os imperialistas a entregarem o seu aguilhão venenoso aos povos para depois os dominar melhor. Qual é o objectivo destas fábulas ridículas?
6. O objectivo é explicado em duas passagens, pelo menos. K. Osterling (7.62, 46) diz:
“A tese geral de que o imperialismo é a fonte das guerras e que, portanto, deve intensificar-se por todos os meios a luta para o destruir não contribui para resolver eficazmente o problema“. “A paz permitirá preparar a etapa seguinte (o itálico é dele) da luta pela liquidação do imperialismo“ etc.
Armstrong (6.62, 65) fala ainda com mais franqueza:
“A apreciação realista dos factos... leva-nos à conclusão de que o desenlaço da grande luta mundial entre os dois sistemas sociais não se pode decidir com golpes, por muito sensíveis que sejam, sobre a periferia, “partindo“ fatias do pão redondo capitalista. Não, o socialismo só triunfará total e definitivamente no mundo inteiro quando assestar um golpe mortal no próprio coração do imperialismo, depois de ter demonstrado praticamente a sua superioridade como sistema social em todas as esferas e quando fizer chegar o convencimento desta superioridade à consciência das mais amplas massas dos países capitalistas. É assim que se ganharão as massas para a causa do socialismo“.
Embora pareça inacreditável, a perspectiva do desarmamento como tarefa prática imediata é utilizada com o fim de levar os povos a adiarem a luta contra o imperialismo. O mesmo objetivo se procura atingir com a nova versão da coexistência:
“A consolidação da coexistência pacífica e do desarmamento significariam a liquidação de todos os blocos militares… a supressão das bases militares, a evacuação das tropas e navios estrangeiros. O enfraquecimento – e em circunstâncias propícias, a desaparição – da pressão político-militar exterior permitiria que as contradições sociais se resolvessem na base da correlação das forças de classe de cada país, estabelecida dum modo natural no decurso da luta” (Ponomariov, 12.62, 13).
Não pretendo nem tenho condições para analisar aqui uma série de ideias que têm sido levantadas na Revista Internacional e em documentos de vários partidos comunistas. Mas o facto de surgirem ideias como as que cito acima, só por si, prova que se está a criar uma situação muito grave no movimento comunista e que uma corrente revisionista, cobrindo-se com uma interpretação deturpada da coexistência pacífica e da luta pelo desarmamento está tentando paralisar a luta contra o capitalismo e o imperialismo.
Numa tal situação, a denúncia do dogmatismo como perigo principal no movimento comunista só pode ser útil à corrente oportunista, permitindo-lhe alargar a sua acção. Foi nessa tarefa pouco honrosa que o CC fez enfileirar o nosso Partido com o documento de 19 de Janeiro.
Proponho que o Secretariado no mais curto prazo possível forneça ao CC um relatório sobre a situação no movimento comunista.
Saudações comunistas
6-4-63
C.