Isolar e Aniquilar os “Sindicatos“ Fascistas, Uma Tarefa Revolucionária dos Trabalhadores

Francisco Martins Rodrigues

6, Dezembro de 1965


Primeira publicação: in, Revolução Popular. Edição Completa 1964-65 (fac-simile), Edições Voz do Povo, pp. 152-163.

Fonte: Francisco Martins Rodrigues: Documentos e papéis da clandestinidade e da prisão. Seleção de João Madeira. Editora Ela por Ela e Abrente. Lisboa, março de 2015. Págs: 167-178.

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de reprodução:© Editora Ela por Ela. Transcrição gentilmente autorizada por Ana Barradas (Ela por Ela).


Capa do livro

A recente acção dos operários de Pero Pinheiro contra a sede do sindicato-fantoche veio dar nova actualidade a uma questão que ainda hoje, após 40 anos de ditadura, se encontra confusa.

A luta operária junto dos “Sindicatos Nacionais“ há muitos anos que não conhece verdadeiros êxitos, o que não admira. Dizer que, nesta luta, a classe operária tem estado entregue à sua própria intuição é só uma parte da verdade; porque, na acção contra os SN fascistas, o proletariado vem sendo obrigado desde há mais de 20 anos a lutar contra o inimigo fascista e a resistir ao mesmo tempo alinha reformista de Álvaro Cunhal, que tenta amarrar o impulso da sua luta com argumentos pretensamente “leninistas“. É uma conclusão incontestável para todos os que estudam a luta operária antifascista nas últimas décadas.

Torna-se necessário por isso combater a escola reformista de “trabalho sindical“ e elaborar uma linha realmente revolucionária, que tome em conta as experiências acumuladas pelo proletariado e que sirva os interesses superiores da luta pelo socialismo e da luta popular antifascista. Com este artigo, procuramos dar uma primeira contribuição nesse sentido.

LENINE, OS SINDICATOS E O “ESQUERDISMO“

A base “teórica“ em que a corrente reformista portuguesa apoia a sua linha na questão sindical é a citação da obra de Lenine: O esquerdismo, doença infantil do comunismo. Segundo eles, nessa obra estaria fundamentada, duma vez por todas, a justeza da linha que seguem. Ora, a verdade é que, nesta questão como em todas as outras, os reformistas não têm escrúpulo em deturpar o pensamento de Lenine, enquanto se curvam em reverências perante ele. Vamos ver em que consiste a posição de Lenine acerca dos sindicatos, expressa num capítulo dessa sua obra, para depois pormos a nu a falsificação mantida pelos reformistas portugueses há mais de 20 anos.

No capítulo em questão, intitulado “Os revolucionários devem militar nos sindicatos reaccionários?“, Lenine critica os comunistas “de esquerda“ alemães que, cerca de 1920, pretendiam demonstrar “a inutilidade inadmissível para os revolucionários, para os comunistas, de militar nos sindicatos amarelos, contra-revolucionários, nos sindicatos dos socialistas-patrioteiros, dos conciliadores, dos Légien“. Lenine critica a infantilidade desses comunistas “de esquerda“ ao criarem uma União Operária, “inteiramente nova, bem limpa, inocente dos preconceitos democráticos burgueses, dos pecados corporativos e estreitamente profissionais“, União que eles esperavam fazer “larga“, apesar de porem como condições de admissão o reconhecimento do sistema dos sovietes e da ditadura do proletariado. Na sua contestação às incompreensões “esquerdistas“ desses comunistas, Lenine desenvolve alguns princípios gerais para a actividade dos comunistas nos sindicatos:

  1. Os sindicatos são uma forma inferior de organização do proletariado e é nesse sentido que todos eles têm um certo carácter reaccionário – Lenine considera todos os sindicatos, mesmo sob o regime soviético, como “uma forma de organização elementar, inferior, a mais simples e a mais acessível para os que estão ainda profundamente imbuídos dos preconceitos democráticos burgueses“. Lenine sublinha que todos os sindicatos têm “certos traços reaccionários: uma certa estreiteza corporativa, uma certa tendência para o apoliticismo, um certo espírito de rotina, etc.“, e que, mesmo sob a ditadura do proletariado, os sindicatos manifestam um certo “espírito reaccionário“, um certo “egoísmo profissional e oportunista“.
  2. A necessidade de militar nesta organização inferior resulta da presença aí de grandes massas proletárias e semiproletárias – “É preciso saber consentir em todos os sacrifícios, ultrapassar os maiores obstáculos, a fim de fazer um trabalho de propaganda e de agitação metódico, perseverante, teimoso e paciente, justamente nas instituições, sociedades, organizações – mesmo as mais reaccionárias – em toda a parte onde há massas proletárias e semiproletárias“. Ora, os sindicatos e cooperativas operárias (estas pelo menos em certos casos) são justamente organizações onde se encontra a massa. “Os comunistas devem ajudar a massa a ganhar a sua simpatia“, devem “educar, instruir, chamar a si massas sempre maiores de trabalhadores“, para assim fazerem dos sindicatos “a indispensável escala do comunismo e a escola preparatória dos proletários para a aplicação da sua ditadura“.
  3. Os sindicatos adquirem grande importância sob o regime de democracia burguesa porque permitem um largo campo de manobra ao oportunismo – Lenine aprecia a actividade sindical sob o regime de democracia burguesa (Inglaterra, Alemanha, França, Estados Unidos, Rússia em Fevereiro-Outubro de 1917) e chama a atenção para a influência que chefes sindicais oportunistas e corruptos conseguiram ganhar sobre vastasmassas operárias. Nos sindicatos das democracias burguesas instalou-se uma “aristocracia operária, corporativa, estreita, egoísta, sem entranhas, cúpida, hipócrita, de espírito imperialista, comprada e corrompida pelo imperialismo“. A acção comunista consiste pois em “combater os dirigentes oportunistas e socialistas-patrioteiros para ganhar a nós a classe operária“. Daí o erro dos comunistas “de esquerda“ alemães e outros: “Não trabalhar nos sindicatos reaccionários é abandonar as massas operárias atrasadas ou insuficientemente desenvolvidas à influência dos dirigentes reaccionários, dos agentes da burguesia, dos aristocratas operários ou dos operários aburguesados“.
  4. Mesmo em regime de ditadura política, é preciso penetrar nos sindicatos para arrancar a massa à influência dos chefes corruptos – “É preciso não temer as dificuldades, as chicanas, as armadilhas, os ultrajes, as perseguições da parte dos “chefes“ que, oportunistas e social-patrioteiros, estão na maior parte dos casos ligados, directa ou indirectamente, à burguesia e à polícia, e trabalhar absolutamente lá onde estiver a massa“. Lenine cita o caso da Rússia czarista de 1905, quando os comunistas se infiltravam nas associações operárias, criadas pelo provocador Zubátov, para arrancarem os operários à influência dos homens de Zubátov.
  5. Sem arrancar os trabalhadores à influência dos dirigentes sindicais corruptos não se pode iniciar a conquista do poder político – “A luta contra os Gompers, contra os sr. Jouhaux, Henderson, Merrheim , Légien & Ca na Europa Ocidental é muito mais difícil que a luta contra os nossos mencheviques que representam um tipo político e social perfeitamente análogo. Esta luta deve ser impiedosa e é absolutamente necessário conduzi-la, como nós fizemos, até desmascarar por completo e fazer expulsar dos sindicatos todos os incorrigíveis dirigentes do oportunismo e do social-patrioteirismo. É impossível conquistar o poder político (e não se deve tentar tomá-lo) enquanto esta luta não tiver sido levada até um certo grau.“ Como se vê, segundo Lenine, a chave do trabalho comunista nos sindicatos está em conseguir a direcção das grandes massas proletárias e semiproletárias pela vanguarda do proletariado, de modo a tornar possível a conquista do poder político à burguesia. Lenine não atribui nenhum valor absoluto aos sindicatos, mas apenas o de serem o meio para chegar às grandes massas. Sublinhámos as passagens em que Lenine situa constantemente o problema: a ligação com a massa e a sua direcção pela vanguarda. A isto se resume a questão sindical.

A corrente reformista portuguesa, afirmando basear-se em Lenine, formulou, há muito, os seguintes princípios nesta questão:

  1. Os comunistas devem penetrar e trabalhar nos “Sindicatos Nacionais“, dado estes, embora reaccionários, agruparem a massa dos trabalhadores;
  2. Para levar a luta pelo poder a um plano superior, é preciso conquistar as direcções dos “Sindicatos Nacionais“ ou obrigar os seus dirigentes a defender os interesses das massas.

Quanto a nós, afirmamos que não se pode aplicar o pensamento de Lenine nas condições do regime fascista português sem responder às seguintes questões:

  1. Os “Sindicatos Nacionais“ fascistas são organizações de massas?
  2. É possível transformar os “Sindicatos Nacionais“ em instrumentos dos trabalhadores?
  3. Como unir, nas condições do fascismo, o partido, a classe e as massas, “em um todo homogéneo e indissolúvel“, como exige Lenine?

São estas as questões que tentaremos esclarecer seguidamente.

OS “SINDICATOS NACIONAIS“ FASCISTAS SÂO ORGANIZAÇÕES DE MASSAS?

A corrente reformista de Álvaro Cunhal afirma que os SN são organizações de massas onde está agrupada a classe operária e os restantes trabalhadores. Os SN são considerados “a mais importante organização legal da classe operária“, e “um elo essencial de ligação com as massas“ (Militante, n.° 130, Outubro de 1964). A cada passo, nos últimos 20 anos, em informes, artigos e folhetos, atiram-nos à cabeça com “as centenas de milhares de trabalhadores que estão nos SN“, “e criticam o “sectarismo“ dos que não querem actuar dentro dos SN, “lá onde estão as massas“, e isto com tal insistência que quase acabamos por acreditar. Álvaro Cunhal não hesita em afirmá-lo categoricamente mais uma vez no seu Rumo: “Cada Sindicato Nacional não é apenas uma sede, mas uma organização com centenas ou milhares de sócios. É essa organização ampla, de massas, que se aproveita para estabelecer e assegurar contacto com as massas, para as esclarecer e levar à luta“ (Rumo à vitória, pág. 186).

Vejamos. Por que se afirma que são os SN “organizações amplas, de massas“? Pelos vistos, é porque têm centenas de milhares de sócios inscritos. Mas, como é sabido, essa inscrição é perfeitamente involuntária e forçada; cada patrão desconta a cota “sindical“ no salário, sem sequer perguntar ao operário a sua opinião. É mais uma taxa, um imposto que o trabalhador é forçado a pagar e contra a qual resiste, frequentemente. As centenas de milhares de sócios são pois pura ficção. Se o facto de se descontar arbitrariamente uma taxa aos cidadãos desse lugar ao nascimento duma “organização ampla, de massas“, então chegaríamos ao absurdo de considerar “organização de massas“ a Fazenda Nacional, onde estão inscritos milhões de contribuintes!

Pretender demonstrar, sob o regime fascista, que uma organização tem uma base de massas pelo número de sócios conduz-nos ao absurdo. A única forma de esclarecer a questão consiste em verificar se os trabalhadores estão de facto nos SN. Mas aí a resposta é totalmente negativa, seja qual for o aspecto por que se aborde a questão: Há alguma vida associativa nas sedes ou delegações dos SN, são elas frequentadas por quaisquer massas operárias, mesmo diminutas? Não. Há quaisquer palestras, bibliotecas, festas, reuniões, iniciativas, promovidas pelas direcções e frequentadas pelos operários? Não. Há alguma circulação de jornais ou outra propaganda dos SN? Não. Há contactos de qualquer espécie entre as direcções e a massa, existem nas fábricas quaisquer delegações com qualquer espécie de influência ou autoridade, mesmo só sobre a massa atrasada? Não!

A verdade, conhecida de toda a gente, inclusivamente dos fascistas que a lamentam por vezes, é precisamente o oposto da descoberta de Cunhal: os SN não são organizações de massas mas simples sedes, simples repartições burocráticas, onde os operários se dirigem por vezes quando querem apoiar as suas reclamações, tal como se dirigem a qualquer outra autoridade fascista.

Pode discutir-se da oportunidade ou da inoportunidade de ir reclamar ao SN num dado momento e da melhor forma de o fazer. Mas isto nada tem a ver com a questão do trabalho em organizações de massas. O SN é uma repartição pública, como outra qualquer (pior ainda que as outras, porque emprega bufos da PIDE, está geralmente encerrada e os desfalques se sucedem). O operário fala do “sindicato“ como fala do bordel ou da esquadra de polícia.

Quando Cunhal fala no “aproveitamento“ dos SN “para estabelecer e assegurar contacto com as massas“, ele e os seus colegas reformistas sabem que isto é pura fantasia, porque nos SN ninguém encontrará ninguém. Se quisermos encontraras massas proletárias e semi-proletárias, temos que voltar costas aos SN e ir procurar a massa noutros locais: nas fábricas, nos clubes, nos bairros. Aí sim, encontramos “as amplas massas“ e poderemos trabalhar entre elas. Mas não nos SN.

Mas então perguntamos: se não há massas de qualquer espécie, nem atrasadas nem adiantadas, dentro dos SN, o que vêm aqui fazer as sábias citações de Lenine e as sapientíssimas condenações ao “sectarismo“ dos militantes que se recusam a ir a uma repartição onde se reúnem de vez em quando dois ou três patifes a soldo do ministério e da polícia? Quando Lenine falava no trabalho dentro das associações reaccionárias, mesmo as criadas pelos provocadores, ele referia-se à necessidade de arrancar a massa, que estava nessas associações, à influência dos reformistas e dos provocadores. Mas quando Cunhal reclama que “se entre em massa“ para os SN e “se frequentem“ os SN (Rumo, pág. 188) ele quer o contrário, ele quer que se metam as massas em organizações fascistas a que elas não pertencem, ele quer entregar as massas à influência de organizações fascistas a que elas resistem!

E assim se chega à situação de vermos funcionários clandestinos dum partido que se diz operário, revolucionário e marxista-leninista a tentarem convencer os operários de que devem frequentar as sedes dos SN, ir para lá conversar, reunir, ler livros, fazer vida associativa!... enquanto os operários, de olhos arregalados, perguntam a si próprios se estarão a falar com loucos. A tais resultados reaccionários conduz o dogmatismo reformista!

Há 30 anos, quando o “Estatuto do Trabalho Nacional“ despojou oficialmente a classe operária de toda a espécie de organização sindical, instituindo, em seu lugar, os “Sindicatos Nacionais“, integrados no aparelho “corporativo“ da ditadura, os sectores avançados do proletariado compreenderam o que significava esta medida fascista e lutaram contra ela pelos meios ao seu alcance: primeiro, pelo movimento sindical clandestino, que chegou a contar muitos milhares de aderentes e editava os seus jornais ilegais; depois, pela tentativa insurreccional do 18 de Janeiro de 1934; por último, pela boicotagem total dos SN. Foram batalhas de retardamento, sem verdadeiro carácter ofensivo, mas que mostraram a unanimidade dos operários avançados quanto ao que havia que esperar dos SN e como se devia reagir-lhes.

A classe operária teve razão em resistir. Uma vez instalados, os SN não se limitaram ao objectivo de neutralizar, absorver, distorcer as reivindicações dos trabalhadores; eles transformaram-se num instrumento especializado de vigilância e repressão, um departamento agregado directamente à PIDE, ao Ministério das Corporações e ao grande capital, que serve para acompanhar o estado de espírito dos trabalhadores, as suas reivindicações, o seu nível de organização; ela estabeleceu, sob o nome de “sindicatos“, órgãos seus, que são uma potente arma para a repressão da luta económica (haja em vista, por exemplo, o papel dos ficheiros sindicais na perseguição aos operários grevistas).

A reacção operária deu lugar a que a máquina “sindical“ fascista, repelida e execrada pelos trabalhadores, tenha sido um dos maiores fracassos do regime e hoje vegeta apagada- mente, rapinando o dinheiro das cotas, entre o desprezo e o ódio gerais. Pode discutir-se a questão de saber se uma resistência operária melhor conduzida não teria permitido paralisar por completo ou mesmo aniquilar os SN. Mas não se pode deixar de considerar como uma vitória o isolamento a que os SN foram reduzidos pelo proletariado, que assim neutraliza em grande medida a ofensiva fascista.

Isto realça ainda mais a inépcia dos que tomam as palavras de Lenine sobre o “carácter reaccionário“ dos sindicatos, a sua “estreiteza corporativa“, etc. como aplicáveis aos “sindicatos“ fascistas e exigem, em consequência, que se trabalhe nos SN, “como indicou Lenine“. As palavras de Lenine poderiam ter-se aplicado em Portugal antes de 1926, quando ainda havia sindicatos; depois não têm aplicação possível, pela simples razão de que deixaram de existir sindicatos em Portugal.

Quer isto dizer, em conclusão, que a táctica comunista em face dos SN fascistas nada tem de comum com a táctica sindical definida por Lenine, visto que os SN nada têm de sindicatos. Não se trata neste caso de penetrar em organizações inferiores de massas (como são, por exemplo no nosso caso, os clubes, cooperativas, as associações de estudantes, etc.) para arrancar essas massas à influência dos chefes reformistas e corruptos e as colocar sob a direcção da vanguarda; trata-se sim de isolar, paralisar e destruir um posto avançado que o inimigo instalou no seio do proletariado para o vigiar e reprimir.

Confundir um SN com um sindicato é o mesmo que confundir uma arma apontada contra nós com uma arma na nossa mão. Confusão que pode ser fatal, pois a exigir que se “utilize“ esta arma que está na mão do inimigo, seremos nos próprios a puxar o gatilho e a disparar a carga que nos vai atingir. É preciso ter cuidado com estas confusões que podem levar antifascistas honrados (para usarmos a terminologia em moda) a fazerem o papel de auxiliares directos do inimigo.

É POSSÍVEL TRANSFORMAR OS SN NUM INSTRUMENTO DA CLASSE OPERÁRIA?

À falta de validade nos argumentos, os reformistas recorrem ao estratagema de os acumularem em cachos, para suprir pela quantidade o que lhes falta na qualidade. “De facto (reconhecem eles por vezes) não há qualquer vida associativa nos SN, de facto as massas têm um desinteresse absoluto pela vida diária dos “seus órgãos de classe“ (é assim que lhes chama O Corticeiro!), de facto os presidentes gastam o dinheiro nos seus negócios, de facto os “assistentes“ denunciam os sócios à PIDE – mas... tudo isso resulta da falta dum trabalho efectivo para conquistar as direcções dos SN, o que aliás já se conseguiu no passado, quando havia uma melhor compreensão do problema“. Vejamos este segundo argumento.

No período de 1946-48, aproveitando a conjuntura política favorável do fim da guerra, os recuos tácticos a que o governo era forçado e a fraca eficácia da sua máquina “sindical“, a classe operária conseguiu, sob a direcção do Partido, colocar em grande número de SN direcções compostas por elementos da sua confiança. E claro que isto não levava a mudar a natureza dos SN nem fazia deles sindicatos verdadeiros, mas tinha grande importância porque os neutralizava, desarticulando parcialmente a máquina de vigilância fascista e tornando possíveis novos avanços no movimento operário.

Mas a direcção do Partido, guiada já então pela linha oportunista da Unidade com a burguesia, não soube aproveitar as vantagens então ganhas. Em breve, dominado esse movimento, o governo passou à contra-ofensiva e, recorrendo às demissões, compras, pressões e prisões, arrebatou rapidamente todas as posições que tinham sido conquistadas pelos operários. Foram além disso tomadas disposições legais e policiais para impedirem a repetição duma tal situação. E, de facto, daí em diante a máquina “sindical“ tem funcionado com inteira satisfação da polícia e do ministério. A escolha dos membros das direcções é cuidadosamente manipulada para não permitir a passagem de nenhum elemento pouco seguro. Os “assistentes“ do ministério asseguram o controle dessa direcção. Se, por distracção ou incompetência dos agentes “sindicais“ locais, uma lista operária consegue fazer-se eleger num SN, logo o ministro intervém com a recusa de sancionamento, ou a PIDE mete os eleitos na cadeia por “comunistas“; por vezes mesmo, as autoridades dão-se ao luxo de a deixar ficar e de a comprar, para maior desmoralização dos operários. É uma luta em que o fascismo dispõe de todas as armas e os operários partem já derrotados.

Contudo, a corrente reformista tirara conclusões inesperadas dos precários êxitos eleitorais de 1946-48. Em vez de os apreciar como êxitos de conjuntura, parte integrante da ofensiva proletária e popular desde 1945, com as greves, manifestações, etc. (e que só dentro dessa ofensiva geral pode ser explicada), em vez de compreender que o principal mérito desse episódio foi ter completado a educação política das massas proletárias quanto aos SN, os reformistas lançaram-se com entusiasmo sobre este exemplo da “evolução pacífica por via eleitoral“ e erigiram-no em lei absoluta, proclamando que é possível pouco a pouco colocar direcções honestas à frente dos SN e transformá-los em “instrumentos dos trabalhadores“.

Desde então, a palavra de ordem da “conquista de direcções honradas para os SN“ tem sido agitada incansavelmente pela corrente reformista, que atribui a total ausência de resultados práticos à “fraca mobilização das massas“ por parte da organização, “mergulhada no sectarismo“.

A partir de 1960, soba direcção de Cunhal, a linha da conquista dos SN por via eleitoral adquire nova virulência. Em 1963, as “eleições sindicais“ foram acompanhadas duma campanha de propaganda sem precedentes, que mobilizou durante dois meses a organização, a imprensa e a rádio clandestinas. Os resultados foram uma vez mais insignificantes, mas isso não desviou a direcção reformista da sua linha inflexível. Nova campanha foi lançada para as “eleições“ de 1965 e ainda recentemente se viu circular entre o escárnio dos operários um manifesto com instruções para as “assembleias eleitorais“ e onde se proclama: “Transformemos os sindicatos em instrumentos dos trabalhadores!“

Às críticas generalizadas que esta linha provoca entre a classe operária e a base do partido, responde a Comissão Executiva do Comité Central asseverando que “a luta pela conquista de direcções honradas para os sindicatos nacionais continua a interessar e a mobilizar a classe operária, como o mostram vários exemplos“ (acerca dos quais é bastante discreta). (“Problemas actuais da luta de massas“, intervenção da CE do CC à reunião de Abril de 1964).

Os reformistas são incapazes de ver aquilo que está claro para qualquer trabalhador com um pouco de consciência, isto é, que os SN fazem parte da armadura política fascista de ditadura sobre a classe operária e as massas populares, do mesmo modo que a “Assembleia Nacional“, as “corporações“, a polícia, etc., e portanto não podem ser transformados em instrumentos dos trabalhadores.

Sonhar com sindicatos operários que, graças a uma luta “persistente e paciente“, se iriam pouco a pouco substituindo aos SN, é um sonho tão imbecil como o dos cooperativistas que querem liquidar suavemente o capitalismo pelo alargamento gradual das cooperativas a toda a vida do país. Estes ignoram que, no mar da acumulação capitalista e da luta pelo lucro máximo, as suas “sementes do socialismo“ se corrompem e dissolvem instantaneamente. Os reformistas, do mesmo modo, não compreendem que, no mar da repressão fascista da burguesia sobre o proletariado, os “sindicatos conquistados“ se corrompem ou são liquidados pela força.

A única hipótese em que a conquista dos SN pode ter qualquer probabilidade de êxito é a de, dentro duma ofensiva conjunta proletária e popular em todas as frentes, dum assalto decidido ao poder, se chegar, de vitória em vitória, a fazer debandar o inimigo dessas posições por se lhe tornarem insustentáveis. Essa conquista dos SN é possível porque é já uma parte integrante da insurreição popular antifascista. Mas só nessas condições. A táctica defendida por Cunhal consiste em pretender conquistar, uma um, bastiões inimigos solidamente defendidos, ligados entre si, protegidos por grandes forças (aparelho de repressão fascista), avançando as forças do proletariado parceladas e a descoberto, em terreno raso, sob o fogo do inimigo, que as alveja com toda a tranquilidade. É a concepção dum péssimo militar ou dum bom reformista.

Sindicatos verdadeiros não podem sair dos SN, do mesmo modo que uma assembleia democrática jamais sairá da “Assembleia Nacional“ e uma ideia revolucionária jamais brotará da cabeça de A. Cunhal. As instituições fascistas têm que ser destruídas pela insurreição popular, para que em seu lugar se ergam verdadeiras instituições proletárias e populares. Admitir o contrário é admitir no fim de contas a possibilidade de transformação pacífica do fascismo em democracia.

Evidentemente, nós não supomos que todos os trabalhadores já compreenderam inteiramente a natureza fascista dos SN. Há ainda bastantes trabalhadores que, revoltando-se contra as burlas, roubos e denúncias dos dirigentes “sindicais“, acalentam a ilusão de que será possível conquistar o “seu“ SN e transformá-lo, mesmo sob o fascismo, num órgão de defesa profissional de classe: ilusões dessas ainda se encontram, apesar da elucidativa experiência de 30 anos, em certos sectores do proletariado, politicamente mais atrasados, em sectores semiproletários mais sensíveis ao reformismo.

Um partido que agrupe a vanguarda revolucionária do proletariado não pode desinteressar-se deste fenómeno. Ele é obrigado a conduzir uma acção perseverante de esclarecimento desses sectores (nunca perdendo de vista que a principal arma de esclarecimento está na actuação revolucionária da vanguarda, pois quando ela falta, nenhuma explicação pode impedir que as ilusões renasçam continuamente) sabendo ir junto dos sectores atrasados, sobretudo se eles são numerosos, quando decidem tentar a concorrência às “eleições sindicais“. É preciso que a vanguarda saiba acompanhar a rectaguarda nesta prova, ajudando-a a compreender que os SN são órgãos a destruir e não a transformar, não permitindo que ela seja um joguete do fascismo.

Mas isto nada tem de comum com a linha dos reformistas perante as “eleições sindicais“. para eles, não se trata de dar um passo à rectaguarda para ajudar os sectores retardatários a recuperar o seu atraso. Não. Eles marcham claramente na cauda do movimento, tentando Arrastar para a burla das “eleições sindicais“ todos os destacamentos do proletariado, mesmo a grande maioria que já se libertou de quaisquer ilusões, e incitando os sectores atrasados a chafurdar eternamente nessa lama, com calorosos louvores à sua “elevada consciência de classe“.

Um bom exemplo da degradação política a que conduz a linha reformista para a “conquista eleitoral dos SN“, encontramo-lo no artigo “O trabalho sindical – um elo de ligação com as massas“ (Militante, n.° 130, Outubro 1964), onde se explica a necessidade de “estudar a mecânica eleitoral sindical“ e a “técnica de funcionamento das assembleias gerais“, como se vivêssemos em plena democracia burguesa! Um outro exemplo lamentável deste cretinismo parlamentar encontramo-lo no artigo “Uma experiência sindical“, publicado no Militante n.° 131 de Novembro de 1964. O autor do artigo constata que, ao ser conhecida a anulação da lista de oposição operária num determinado SN pela mesa da assembleia fantoche, “uma onda de indignação e revolta invadiu a maioria dos operários“ e acrescenta sagazmente: “Urgia pois aproveitar esse descontentamento“. Pois bem, como foi aproveitado? Indo à assembleia “fazer uma apertada fiscalização do acto eleitoral“! Assim, aproveita-se o descontentamento e revolta dos operários perante a anulação da sua lista, levando-os a fiscalizar um “acto eleitoral“ inexistente! É ousado! Imperturbável, o autor do artigo continua: “Quando o acto eleitoral terminou, a lista de unidade não tinha triunfado“ (seria de facto de admirar, uma vez que já fora recusada pelos fascistas!).“Porém, tal facto não invalidava todo o magnífico esforço, toda a experiência colhida para o futuro“. E passa a enumerar as grandes vitórias que se conseguiram, como é da praxe, com mais esta derrota: 1.ª) a inclusão na lista fascista de dois novos rafeiros “em representação“ (sic!) de dois outros concelhos; 2.ª) a inscrição de novos sócios, “o que abre perspectivas para futuras eleições“ (perspectivas brilhantes, não há dúvida!); e 3.ª) a luta nas fábricas por aumentos de salários, que é atribuída a esta “magnífica“ movimentação (não teriam sido antes como reacção contra ela?)

Duma experiência que deita por todos os poros a necessidade de se lutar contra a burla infame das “eleições sindicais“, os reformistas conseguem extrair resignação para esperarem mais dois anos por nova oportunidade eleitoral! Uma tal baixeza reformista está para além de toda a crítica.

Mas o reformismo vai mais longe ainda. Incapaz de tirar a mais pequena lição da experiência, ele cai de degradação em degradação. De vez em quando, a impaciência provocada pelo insucesso dos esforços eleitorais leva a direcção reformista a formular uma linha mais “ousada“ ainda: a transformação dos SN através da “atracção hábil“ dos rafeiros sindicais, dado que estes, “sendo de origem proletária, não podem ficar insensíveis a pressão de classe“. Esta linha, dum direitismo tão clamoroso que roçava pela colaboração com o fascismo, foi defendida nos anos de 1957-58. A violenta reacção operária obrigou os reformistas a porem-na de lado durante algum tempo. Mas ela ressurge prudentemente, como se verifica pela seguinte passagem do artigo já citado (Militante, n.° 130): “A verdade é que, por muito importante que seja o trabalho com vistas à conquista das direcções sindicais, o mais importante não é conquistar as direcções mas fazer com que elas, sejam ou não eleitas pelos trabalhadores, actuem em defesa dos seus interesses.“

Os rafeiros “sindicais“ fascistas actuando em defesa dos interesses da classe operária... Não seremos nós a lamentar que os reformistas se desmascarem por tal forma.

COMO UNIR, NAS CONDIÇÕES DO FASCISMO, O PARTIDO, A CLASSE E AS MASSAS?

Quando não têm mais argumentos, os reformistas costumam alegar que os raciocínios sobre os SN como os que temos vindo a expor não podem ser aceites, ainda que se metam pelos olhos dentro, porque isso nos conduziria a negar a linha leninista para o aproveitamento minucioso de todas as possibilidades legais, mesmo as mais restrictas. Este artifício exige que encaremos ainda a questão dos SN sob o plano mais geral da associação do trabalho legal e ilegal em regime fascista.

Depois de Lenine ter formulado os princípios tácticos orientadores da acção dos comunistas (quando as formas de ditadura burguesa conhecidas eram a democracia burguesa e a autocracia de tipo semifeudal, como era o caso da Rússia czarista), surgiu à escala internacional um fenómeno novo, um novo tipo de ditadura burguesa: o fascismo.

O regime fascista surge em regra após um período de luta de classes encarniçada, quando a democracia burguesa se revela insuficiente para assegurar a ditadura do capital. Foi o que se verificou na Europa capitalista das décadas 20 e 30, convulsionada pela primeira guerra mundial e pela grande revolução soviética. Em países com níveis de concentração capitalista tão diferente como Alemanha, a Itália, a Espanha, Portugal, Finlândia, Hungria, etc., instauram-se regimes fascistas da burguesia, que têm como traço comum a supressão das instituições de democracia burguesa (parlamento, sindicatos, partidos, liberdade de imprensa, garantias constitucionais) e o reforçamento decisivo do aparelho de Estado. Não conseguindo já governar pelo recurso ao engano e à corrupção, a burguesia proclama a “abolição da luta de classes“ e passa a sufocar pelo terrorismo toda a expressão dos interesses do proletariado e das massas populares, vedando-lhes a utilização das instituições legais e esmagando pela força militar e policial toda a resistência.

O regime fascista não se separa só da democracia burguesa pela preponderância que dá ao terrorismo sobre a demagogia e a corrupção; ele distingue-se também nitidamente da autocracia semifeudal, pelo extremo desenvolvimento da sua máquina estatal e paraestatal, que lhe dá meios de controle antes desconhecidos. A autocracia era por vezes muito cruel e sangrenta, mas a sua capacidade de controle sobre as massas da população ficava a perder de vista daquilo que consegue o fascismo, na época da estreita ligação entre os monopólios e o aparelho estatal.

O regime fascista significa pois uma etapa superior na ditadura burguesa, etapa que condensa as experiências acumuladas pela classe reaccionária durante o período de democracia burguesa e que procura responder com nova eficácia à ameaça do assalto do poder.

O fascismo é a forma da ditadura burguesa própria da época da passagem ao socialismo à escala mundial, e por isso em quase todas e democracias burguesas hoje estão desenvolvidos germes de fascismo.

Como é natural, esta nova forma de ditadura burguesa veio alterar profundamente as relações entre o trabalho legal e o trabalho ilegal dos revolucionários, e, mais do que isso, ela requer um novo enquadramento das acções tácticas no plano estratégico geral. Ao ocupar pela força o terreno “neutral“ das instituições legais e das organizações de massas, o regime fascista tende a encaminhar as acções do proletariado para o terreno da luta directa pelo poder estatal, tende a concentrar e polarizaras acções tácticas em torno da conquista do poder.

Antes, o proletariado revolucionário dispunha do largo terreno das organizações de massas e das instituições democráticas burguesas e era aí que se fazia predominantemente a acumulação de forças, a educação das massas, a sua ligação à vanguarda, através duma série de evoluções e manobras tácticas preparatórias do assalto ao poder. Agora, o campo das instituições legais é extremamente reduzido e todas as acções parciais são postas brutalmente na dependência do golpe estratégico principal; a educação das massas e a união do partido, da classe e das massas num todo indissolúvel têm que ser feitas predominantemente na acção clandestina e na disputa directa do poder.

A ditadura fascista não anula de modo nenhum a grande importância dum aproveitamento minucioso de todas as possibilidades legais, mesmo daquelas que em regime de democracia burguesa teriam um valor secundário (os pequenos clubes, por exemplo) e rçue, sob o fascismo, se tornam um veículo precioso de ligação com as massas. As tremendas dificuldades da luta contra a ditadura terrorista do capital exigem que não se desperdice nenhuma possibilidade de estabelecer laços entre a organização clandestina, reduzida e flagelada pelo inimigo, e as massas da população. Mas é preciso acentuar que o factor decisivo“ já não está neste caso no esclarecimento das massas pela acção legal (a tirania fascista é um facto patente para todo o operário, mesmo o mais atrasado) e sim na firmeza, coerência e vigor com que se desenvolve o plano de assalto ao poder. E isto, não em resultado duma escolha arbitrária dos revolucionários, mas como consequência do novo regime de ditadura estabelecido pela burguesia.

A experiência histórica da luta antifascista na Alemanha, Espanha, Cuba, e no nosso próprio país, contêm lições valiosas que há que aproveitar. Ela mostrou que, se se recusa encarar a efectiva agudização do processo revolucionário trazida pela ditadura fascista e se faz do trabalho legal um pretexto para evitar ter de enfrentar a questão angustiosa da luta pelo poder, não se pode deixar de cair, cedo ou tarde, no reformismo. Foi assim que vimos em Cuba, e depois em toda uma série de países da América Latina submetidos a ditaduras fascistas, as correntes reformistas que se pretendiam detentoras das chaves do marxismo-leninismo continuarem a pregar a “acumulação de forças nas organizações de massas“, enquanto do povo emergia um núcleo revolucionário que, descobrindo por intuição as exigências da nova situação, lhes passava por cima da cabeça e se lançava à disputa directa do poder pelas armas. A experiência mostrou quem eram os que se orientavam no sentido do leninismo e da revolução, se os sábios pregadores oficiais ou os ignorantes guerrilheiros.

Portugal apresenta nesta questão uma experiência extremamente rica. Servindo-se do aproveitamento minucioso de todas as possibilidades legais “como cortina para encobrir a sua desistência da luta pelo poder, a corrente reformista de A. Cunhal acabou por conduzir o nosso movimento revolucionário a uma situação difícil: a pretexto de “militar nas organizações de massas“, abandonaram-se de facto as massas, cavando um fosso entre estas e a vanguarda; a pretexto de “acumular forças“, desgastaram-se inutilmente forças, queimando os melhores combatentes em acções sem um objectivo preciso.

O entusiasmo dos reformistas pelos “Sindicatos“, “Casas do Povo“ e “Casas dos Pescadores“, declarados “organizações de massas“ (ao mesmo tempo que desprezam o trabalho nas poucas organizações de massas proletárias que subsistem: os clubes e associações desportivas e culturais) – não é casual. Quando Júlio Fogaça e Pedro Soares defendem em 1956 que se “una a classe operária dentro dos sindicatos nacionais“; quando em 1958 se propõe a “atracção hábil dos dirigentes sindicais“; quando em 1961 Cunhal exige novo impulso ao trabalho sindical: eles são perfeitamente coerentes com a sua concepção reformista; eles vêem aqui a solução de compromisso ideal, que permitiria fazer da classe operária uma força de pressão eficaz sobre a burguesia liberal, sem incorrer no risco de lhes escapar ao controle.

Ir aos SN, penetrar em massa nos SN, conquistar as direcções dos SN, eis aí, na opinião dos reformistas, uma bela tarefa com que o proletariado servirá a Unidade Nacional, mantendo-se ocupado durante largos anos e desviando-se de “aventuras“. O seu celebrado leninismo quanto ao trabalho nas organizações “de massas“ não é mais do que uma parcela do seu programa de ajuda à burguesia liberal para que esta restabeleça a democracia burguesa, o que os conduz necessariamente a empurrá-la por detrás com acções controladas do proletariado, devidamente açaimado nos SN. No fundo de tudo isto, uma única ideia-guia: abandonar a luta pelo poder.

PARA UMA TÁCTICA REVOLUCIONÁRIA NA LUTA CONTRA OS SINDICATOS-FANT0CHE5

Enumeremos em resumo as três diferenças que nos separam do reformismo na questão dos SN:

  1. Os SN não são uma organização legal de massas do proletariado; eles são um órgão de divisão e vigilância instalado junto do proletariado pelo governo fascista da burguesia.
  2. Os SN não podem ser transformados em instrumentos dos trabalhadores; eles têm que ser varridos pela insurreição popular antifascista;
  3. A luta junto dos SN não é um factor decisivo para a unidade da classe operária, a qual, em regime fascista, tem que ser conquistada predominantemente na acção clandestina e na luta directa pelo poder.

Estas três diferenças de apreciação conduzem, como não podia deixar de ser, a uma oposição irreconciliável entre revolucionários e reformistas no que se refere à acção prática diária junto dos SN. É o ponto que vamos tratar para concluir.

Para os reformistas, a acção diária dos trabalhadores junto dos SN deve ser intensificada por todos os meios, de modo a melhorar o “aproveitamento“ deste “órgãos legais da classe operária“; para eles, cada acção junto dos SN (concentrações, petições, etc.) é já em si mesma uma “vitória“, seja qual for o seu resultado; por isso, eles estão dispostos a todas as cedências para preservar o “trabalho sindical“ como se fosse um tesouro precioso e afirmam que “a utilização dos Sindicatos Nacionais pode vir a tornar-se ainda muito mais importante“ (A. Cunhal, Rumo, pág. 189); por isso, eles falam nos “órgãos de classe“ dos trabalhadores, como se de verdadeiros sindicatos se tratasse e abandonaram a designação tradicional de rafeiros, substituída por diferentes menções aos “dirigentes sindicais“.

Para os revolucionários, pelo contrário, a acção junto dos SN é necessária só como forma de apressar o seu desmascaramento e isolamento e a passagem a formas superiores de luta; os revolucionários afirmam que as acções junto dos SN são positivas se a sua condução e o seu desenlace contribuírem para completar a educação das massas, ensinando-lhe a reconhecer nos SN uma agência do inimigo; por isso, os revolucionários não seguem o movimento espontâneo de petições junto dos SN e procuram canalizá-lo num sentido revolucionário, impedindo os agentes “sindicais“ de manejarem e enganarem a massa.

Os reformistas afirmam que a actividade junto dos SN se organiza por meios puramente legais, espalham ilusões em torno dos abaixo-assinados e das comissões legais, aclamam o funcionamento legal de uma ou outra “comissão sindical“ como uma grande vitória, procuram arrastar os trabalhadores para intermináveis diligências junto das sedes dos SN, defendem a formação de “quadros preparados e prestigiados“ para uma acção diária junto dos SN (Militante, n.° 130, Out.1964).

Os revolucionários, pelo contrário, põem os trabalhadores em guarda contra as comissões legais, que são um óptimo meio para completar os ficheiros da PIDE, lutam por que se vá aos SN só em massa e não para pedir mas para protestar e manifestar; defendem a necessidade de se fazer o vazio à volta dos rafeiros fascistas e condenam os “quadros sindicais“ como instrumento fornecido pela classe operária para alargar a capacidade de manobra do inimigo, como veículos do oportunismo entre as massas.

Os reformistas, receosos de comprometer as “possibilidades legais“, mostram-se embaraçados e reticentes perante as acções superiores da classe operária contra os sindicatos- 'fantoches, como se tornou patente quando do apedrejamento e invasão da sede do SN Pelos operários de Pero Pinheiro em greve (ver Avante de Junho e o manifesto da Direcção Regional de Lisboa dedicado a este assunto).

Os revolucionários, pelo contrário, aplaudem essas acções como grandes exemplos de maturidade proletária e defendem a necessidade de as estender a outros sectores, para desmantelar a fachada “sindical“ fascista.

Quando os reformistas festejam as suas “vitórias sindicais“, nós dizemos: “Nada de ilusões nos sindicatos-fantoches! Vigilância sobre eles!“

Quando os reformistas lamentam “os atrasos no trabalho sindical“, nós saudamos a elevada consciência demonstrada pelos operários e todos os trabalhadores, na boicotagem dos SN. Quando os reformistas proclamam: “Todos os trabalhadores aos sindicatos!“ nós respondemos: “Todos os trabalhadores contra os sindicatos-fantoches!“

A táctica comunista em relação aos SN consiste em isolá-los, primeiro, para depois os neutralizar e por fim os desmantelar, numa etapa superior de luta.

Isolar os SN é uma importante tarefa actual para garantir a direcção da massa pela vanguarda. E isolar os SN quer dizer desmascará-los completamente aos olhos da massa proletária e semiproletária, cortar-lhes toda a capacidade de manobra, pôr a nu o seu carácter de órgãos policiais fascistas ao serviço da burguesia, rodeá-los dum círculo de manifestações, protestos e acções violentas por parte da classe operária. Esta é uma das bases do trabalho de massas entre o proletariado.

Um bom trabalho de ofensiva operária contra os SN será um importante complemento à luta superior da vanguarda para abrir caminho à insurreição popular.