A Reorganização em 1929
História do PCP e do Movimento Operário (13)

Francisco Martins Rodrigues

25 de Abril de 1979


Primeira Edição: Bandeira Vermelha n.º 171 de 25 de Abril de 1979
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.

Teve lugar há 50 anos a reorganização do antigo Partido Comunista, conduzida por Bento Gonçalves. Foi um acontecimento que marcou os destinos do Partido, do movimento operário e da luta popular em Portugal. Saber o que representou a reorganização de Abril de 1929 é uma questão importante para a educação dos comunistas e para todos os trabalhadores revolucionários.

É também uma questão de grande actualidade. Naturalmente, as tarefas que hoje se nos colocam não são de reorganização, mas de alargamento e maior proletarização das fileiras partidárias. E aqui muito temos a aprender com a firmeza e seriedade proletárias com que Bento Gonçalves e os seus companheiros ergueram o PCP.

Em 1929, o Partido praticamente não existia. Desde a sua fundação, em 1921, caíra sob a influência de tendências oportunistas de direita, que impediam a sua edificação e implantação sólida na classe operária. As perspectivas políticas de Carlos Rates, que esteve à frente do Partido entre 1923 e 1926, não iam além das negociações parlamentares e do apoio aos golpes militares radicais. Rates pensava que a classe operária estava condenada a servir de massa de manobra à pequena burguesia democrática. Não acreditava na possibilidade de elevar o proletariado a classe dirigente e promotora da revolução.

Desagregação

 O golpe militar fascista de 28 de Maio de 1926, cortando ao Partido as possibilidades de actuação legal, provocou a sua prática dissolução. O PCP não tinha linha política nem têmpera de luta para enfrentar a clandestinidade. Como relata José da Silva, militante comunista, “a maior parte dos militantes operários surgidos entre nós depois da revolução russa, com poucas excepções, desapareceram no dilúvio de 1926. A maior parte deles veio à superfície do mundo operário através do estado emocional criado pela vitória dos trabalhadores russos. A maioria desses militantes, sem qualquer tradição político-social atrás de si, e ainda por cima incultos, estiveram à frente das massas operárias e dos seus sindicatos enquanto isso lhes pareceu tarefa fácil e não perigosa, na expectativa de que o fim do mundo burguês estava para breve.

Dominava assim a tendência para atrelar o movimento operário aos golpes militares que a burguesia republicana sempre projectava. Enquanto se esperava pelo “reviralho”, nada se fazia para conduzir as massas à luta. O Comité dos partidários da ISV (corrente sindical revolucionária) afirmava mesmo num documento que “enquanto durar a ditadura é impossível fazer luta de classe”. Com tal estado de espírito, compreende-se que o Partido não se levantasse.

A Conferência de Abril

 Bento Gonçalves, dando mais tarde no Tarrafal o balanço ao trabalho realizado, sintetizou assim a situação política nas vésperas da reorganização:

  1. "queda catastrófica dos efectivos e da influência da CGT.
  2. crescimento das ilusões pequeno-burguesas no seio da classe operária.
  3. o Partido Comunista não manifesta a mínima actividade nem goza da mínima influência.
  4. os socialistas servem o governo de forma directa e indirecta.
  5. a ditadura reforça as suas posições.
  6. a nova crise económica do capitalismo estava prestes a estalar e eram previsíveis no terreno português os sinais de novo agravamento das condições de vida das massas”. (“Duas Palavras”, Tarrafal, 1941).

 Em Agosto de 1928, quando se deu o VI Congresso da Internacional Comunista, o PCP estava reduzido a 70 membros e não editava imprensa nem tinha qualquer actividade. Em começos de 1929, baixara para 40 membros e apenas duas células. No CC, composto apenas por três elementos, dominavam os pontos de vista de Augusto Machado, que levavam de facto à liquidação do Partido.

Com o pretexto da segurança, Machado opunha-se à publicação do jornal do Partido, ao desenvolvimento de actividade política e sindical, ao recrutamento de novos membros. Pretendia que se fizesse um puro trabalho de propaganda através da edição de textos e que no campo sindical não se fosse além da elaboração de inquéritos e estatísticas.

Esta linha de liquidação do Partido não era aceite pelos militantes operários, que procuravam na actividade diária novas formas de acção e de organização adaptadas à clandestinidade. A célula do Arsenal da Marinha, posta de pé por Bento Gonçalves, com a colaboração de Silvino Ferreira, Abílio Lima e outros operários, tornou-se um foco donde irradiava o renascimento do Partido. Estabeleciam-se contactos para outras empresas, intervinha-se em assembleias sindicais, faziam-se reuniões, estudava-se o marxismo.

No Comité Central, Manuel Pilar, batia-se contra o espírito de seita e defendia a necessidade de reorganizar o Partido e o seu Comité Central. Com o apoio de Pilar, a célula do Arsenal da Marinha lançou-se à reorganização.

Em 9 de Fevereiro, Bento Gonçalves enviou ao CC uma carta onde apontava

“a necessidade do estabelecimento de uma ligação sistemática com os vários organismos sindicais; a necessidade de uma crítica comunista de todos os assuntos do dia; a luta pelo desenvolvimento das células comunistas; a necessidade de publicações clandestinas”.

Como o CC não responde e continua inactivo, a 7 de Março realiza-se uma reunião de 12 militantes de Lisboa, que debate a crise no Partido e decide convocar para o mês seguinte nova reunião para que pede a comparência do CC.

A 21 de Abril realiza-se a Conferência de reorganização do PCP. Os 14 militantes presentes, perante a prática inexistência do CC, decidem destitui-lo. São aprovadas as posições defendidas por Bento Gonçalves e Manuel Pilar. É eleito um Comité Central provisório constituído por Bento Gonçalves, F. Martins, José de Sousa, César Leitão e Batalha. Assim começa uma época nova na vida do PCP, graças à abnegação, clarividência e audácia dos seus militantes operários.

A edificação do Partido

 Logo após a Conferência, Bento Gonçalves ligou ao Partido o núcleo comunista do Porto, que então lançara o jornal legal O Proletário. Sob a sua direcção, O Proletário tornou-se na prática o órgão central do Partido, enquanto não se reuniam condições para editar um órgão oficial do CC, na clandestinidade. Com uma tiragem de 3 a 4 mil exemplares, dedicava a maior parte do espaço à informação e orientação do movimento reivindicativo e sindical. Publicava também artigos de formação marxista, da autoria de Bento Gonçalves, que tiveram uma grande importância para a formação e alargamento das fileiras do Partido. Nesses artigos era criticado tanto o reformismo dos socialistas como o falso radicalismo dos anarquistas, demonstrando-se que representavam as posições da pequena burguesia e que não serviam os interesses revolucionários da classe operária.

Em 15 de Fevereiro de 1931, iniciou a sua publicação o primeiro órgão central clandestino do Partido, o Avante, que tomou o lugar do Proletário como o principal agitador, propagandista e organizador colectivo do Partido e que se tornou a voz da resistência popular antifascista. Em 1933, começou a publicar-se O Militante, boletim de organização do Partido. Nesta altura já se realizavam cursos de formação política, frequentados na União Soviética por muitos militantes que se destacavam na luta prática pela sua firmeza e dedicação à classe operária e ao povo.

O Partido, em rigorosa clandestinidade, contava com algumas centenas de membros. Estava firmemente implantado na classe operária e era por ela reconhecido como o seu único partido. Alargara-se ao Alentejo, Algarve Marinha Grande.

“Antes de 1929, diz Bento Gonçalves, quando as massas falavam de comunismo, referiam-se aos comunistas franceses, por exemplo. Depois de 1929, referiam-se a nós. No espaço de três anos, tornámos o Partido conhecido e querido dos trabalhadores. A correlação de forças no movimento sindical modificou-se muito a nosso favor. Tivemos vários êxitos no campo intelectual e estudantil. Criámos uma forte organização de marinheiros. Passámos a ser tomados a sério”. (Intervenção sobre 12 anos de vida do Partido, Tarrafal, 1941).

Em três anos o Partido formou um corpo de militantes combativos e ligados às massas: José Gregório, que mais tarde veio a ser secretário do Partido, António Guerra, Manuel Vieira Tomé, Fernando Alcobia, Augusto Almeida Martins, Américo Gomes, Maria Machado, Manuel dos Santos, assassinados muitos deles pelo fascismo.

A conquista do movimento sindical

 “Quase todos nós provínhamos do movimento sindical”, é ainda Bento Gonçalves que recorda. Para o Partido reorganizado não foi difícil compreender a importância de estreitar os laços com as massas operárias através dos sindicatos.

A CIS (Comissão Inter Sindical) surgiu em Setembro de 1930, como reacção dos sindicatos à tentativa do governo para os enquadrar em comissões conjuntas com o patronato. Em breve, a CIS tornou-se o centro do movimento sindical revolucionário. Animou a criação ou reorganização de diversos sindicatos e federações, entre as quais a Federação Marítima, a dos Trabalhadores Rurais do Baixo Alentejo e a Federação Nacional dos Trabalhadores dos Transportes, cujo jornal, O Reduto, em breve atingia os 25 a 30 mil exemplares, tornando-se na prática o órgão do movimento sindical revolucionário.

Agitando palavras de ordem que se tornaram queridas das grandes massas operárias, a CIS arrastou o movimento sindical para a direcção política do Partido e derrotou a influência anarquista. Em 1933 a CIS contava já com 25 mil aderentes, contra apenas 15 mil para a CGT anarco-sindicalista.

O Partido na luta de massas

 Pouco depois da reorganização do Partido, faziam-se sentir duramente no nosso país os efeitos da crise mundial do capitalismo. A burguesia tratou de lançar sobre as costas da classe operária o fardo da crise. Foi imposta uma exploração sem limites aos trabalhadores. Os salários foram fortemente reduzidos, enquanto o custo de vida subia. O número de desempregados elevou-se para 100 mil. A crise do vinho e do trigo lançou a miséria negra nos campos.

Em 1931-32, as lutas reivindicativas tomam amplitude, tornando-se o centro da actividade do Partido. Importantes greves em Lisboa, Setúbal, na Marinha Grande e no Algarve, com manifestações e marchas da fome, mobilizam muitos milhares de operários sob as palavras de ordem do Partido: “Pão e Trabalho”, “Não à colaboração de classes!”

Ao mesmo tempo, o Partido orienta as primeiras lutas políticas contra a ditadura, lançando as bases para o movimento de massas antifascista. Assim o Partido se educou na condução das lutas parciais e rompeu com o sentimento de impotência perante o governo fascista. Tudo isto saíra da Conferência de 14 comunistas em 21 de Abril de 1929.


Inclusão 30/09/2016