Estrume

Francisco Martins Rodrigues

19 de Junho de 1980


Primeira Edição: Em Marcha, 19 Junho 1980

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Mota Pinto, o Salazar de meia tijela, vai dirigir a campanha de Soares Carneiro, o general das 7 medalhas e dos 16 louvores e condecorações. Em Vale de Cambra, Ramalho Eanes congratula-se pelo clima de entendimento que encontrou entre empresários e trabalhadores. A brigada NATO acaba de efectuar os exercícios “Rosa Bela 80”. Sá Carneiro partiu para Bruxelas, Mário Soares vai partir para Pequim, Cunhal para o Maputo. As 212 despedidas da Standard Eléctrica, que continuam a forçar a entrada na fábrica, já não tem as suas bancadas de trabalho. O governo garante que desta vez é que vai ser resolvido o problema das consultas nas Caixas (não se riam). Um deficiente mental levou uma tareia na esquadra da Mouraria. Uma patrulha da GNR sovou mais uns trabalhadores numa aldeia do Alentejo.

Semana banal, como vêem. Nada de anormal a assinalar. Tudo avança neste esplêndido país, posto em ordem pelo 25 de Novembro. A máquina de ordenhar lucros não pára de encher baldes de moedas.

Só o que falta agora é desemperrar mais os negócios. Mas também aí há boas esperanças de que a visita do Carter “humanista” nos traga uma base de porta-aviões nucleares para o estuário do Tejo. E uma base americana, todos o sabem, dá miuita animação ao comércio e à prostituição. Já sem falar nas bombas propriamente ditas, ainda podemos chegar ao que foram a Coreia e o Vietname.

O ambiente geral é exaltante. Temos valores culturais e humanos, que são o orgulho de uma civilização milenar: o direito ao investimento rentável, à reabilitação social dos pides, a marijuana, os travestis, a televisão, a bola, os discos americanos!

A juventude nem sabe por onde escolher.

As “ratas velhas” da política, metidas em intriga até às orelhas, afinam os slogans eleitorais e ensaiam os discursos para ver se se apanham a gerir o Orçamento do Estado, os ministérios, os conselhos de administração, os tachos.

Assim vamos andando, nesta sociedade que agoniza no estrume por não lhe deixarem deitar cá para fora a criança ja formada: a revolução popular, o socialismo, o governo dos trabalhadores.

Quando oiço dizer que a esquerda não tem espaço político dá-me vontade de rir. Existimos para dar vida a dez milhões.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2018