O Centro

Francisco Martins Rodrigues

8 de Janeiro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 8 de Janeiro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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"Praticamente, a nossa Assembleia da República não tem centro", lamentava há dias Raul Rego na "Acção Socialista". Ora, se há coisa que não falta neste país são justamente as ideias, partidos e personalidades do centro. O centro (que Raul Rego obviamente não vê porque está mergulhado nele) abrange todos os que sonham com a democracia e o bem-estar geral por meio de reformas sem dor, sem ter que deitar abaixo o que existe. Por todos os que não gostam da direita mas vivem enganchados nela, com medo de que o país seja novamente inundado pela vaga "anarco-populista". Por todos os que não sabem se hão-de temer mais a reacção, se a revolução. Já compreenderam decerto que estou a falar do PS e do PCP, do MDP/CDE e da UEDS, de Mário Soares, Álvaro Cunhal e Melo Antunes. Quem disse que não há centro em Portugal?

Por não perceber isto têm-se afundado todos os abnegados construtores da "nova esquerda" de que a actual "Voz do Povo" é um expoente. Convencidos de que, ao alargar ao PCP e ao PS a noção de "esquerda", iam finalmente despir-se do negregado "sectarismo" e ganhar as amplas massas, descobrem com espanto que não ganham ninguém e só produzem mini-seitas, úteis para os reformistas irem recrutar quadros.

A esses social-confusos seria preciso dizer que é erro que se paga caro tomar a indefinição e a flutuação como linha política. Que a esquerda, ou seja, revolucionarismo operário, só existe na medida que se demarca do centro, ou seja, da vacilação pequeno-burguesa. E ainda que a esquerda não é um mero estado de espírito mas um território com fronteiras.

Em Portugal, em 1981, a esquerda acaba precisamente onde começa a aceitação do 25 de Novembro. Não é um limite escolhido arbitrariamente por alguém mas que a própria luta de classes traçou. Por isso, não depende da vontade de ninguém arrancar o PCP e o PS ao seu universo, ao universo dos que aceitam a ordem social existente.

Para romper o sectarismo e ganhar as amplas massas, a esquerda não tem que esconder os seus objectivos nem adoptar a diplomacia do sorriso, nem chamar camarada a Cunhal. Tem sim que encontrar mil maneiras de mostrar nas lutas diárias, aos que acreditam no PCP e no PS, que os seus interesses de classe só têm a perder com o balancé reformista.

Porque, das duas uma: ou nós os ganhamos para a unidade da esquerda, ou são eles que nos ganham para a unidade pantanosa do centro.


Inclusão 22/08/2019