Barco Podre

Francisco Martins Rodrigues

15 de Julho de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 15 de Julho de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Afinal está tudo contra os aumentos dos deputados! Eanes contesta, Balsemão discorda, a UGT condena, o prof. Freitas convoca uma cimeira de urgência da AD, o bispo de Bragança promete raios e coriscos — e os deputados, todos, unânimes, recusam os aumentos da vergonha.

Mas então como foi possível que a AD votasse o escândalo, que o PS se abstivesse?

Querem saber? Pois é simples. Os deputados não sabiam que 80 a 90 contos por mês era demais. Fizeram o cálculo às suas necessidades e julgaram que estavam na média. Foi só isso!

Se pecaram, foi por ingenuidade. Ouviram dizer que os operários, esses novos exploradores, tiram 30 a 40 por mês e acreditaram. Ouviram o Balsemão dizer por laracha que o cabaz das compras já só interessa aos turistas e julgaram que era a sério. Não lhes passava sequer pela cabeça que há montes de gente a ganhar 10 contos, 8, 6, 5 contos! Nem sonhavam que há reformados em buracos a comer côdeas e aleijados estendidos pelas calçadas, como na Idade Média. Até julgavam que o salário mínimo já ia nos 20 contos! Palavra de honra! Um deputado não pode ter tudo na cabeça, que diabo!

Quando viram o país inteiro a chamar-lhes barriguistas é que caíram em si. Ficaram chocados, nem queiram saber! O Angelo Correia até chorou. O Adriano Moreira nem sai de casa com vergonha.

Mas foi tudo um mal entendido. Não há deputados tubarões. Essa coisa de parasitas cá em Portugal já não existe. Os deputados estão decididos a rectificar os aumentos. Para 95%. Vão ver!

No meio desta comédia, o mais pândego é o sr. Carlos Brito, muito grave, a manifestar “preocupação”' porque os aumentos podem ser “um ponto de partida para uma casta privilegiada que se vá distanciando das condições em que vive a grande maioria do nosso povo”.

“Que se vá distanciando”, sr. Brito? Mas se os deputados estão mais longe do povo do que os marcianos da Terra! Perigo de uma “casta privilegiada”, sr. Brito? Então ainda não lhe constou que há para aí uma coisa chamada burguesia? “Ponto de partida”? Então ainda não notou que isto já vai a caminho da meta?

Este sr. Brito, sempre atarefado a pôr remendos no barco podre! Não há meio de entender que se trata é de o meter no fundo!


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária.

Inclusão 06/02/2019