Lágrimas de Crocodilo

Francisco Martins Rodrigues

2 de Setembro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 2 de Setembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Governo, Presidente, partidos — toda a gente condenou a invasão de Angola pelas tropas da África do Sul. Tudo de acordo, ao menos uma vez na vida!

“O Jomal” vê nesta unanimidade um sinal da “amizade histórica e indestrutível que nos liga ao povo angolano” e lembra que “os dois povos estiveram, num passado ainda recente, sob o jugo do mesmo agressor fascista”. Por isso, “hoje, qualquer ferida aberta na alma ou no corpo de Angola atinge dolorosamente a sensibilidade dos portugueses”.

É bonito, lá isso é. Cai bem. Só tem um defeito: é mentira de uma ponta à outra.

“Amizade histórica”? Estranha amizade, essa, forjada nas levas de escravos para o Brasil, nas matanças de Alves Roçadas, nos trabalhos forçados de Norton de Matos.

Sofrimentos comuns “sob o jugo do mesmo opressor fascista”? Só que as aldeias queimadas a napalm ficavam em Malange ou no Bié, não na Beira nem no Minho. As populações que se escondiam nos matos para fugir ao massacre eram negras, não eram brancas. Os soldados que se sentavam nas esplanadas, em jeito de conquistadores, eram portugueses, não eram angolanos.

Tudo isto, tornou-se de bom tom esquecê-lo. Os nossos políticos “responsáveis” todos concordam que foi muito doloroso, que fomos todos vítimas do antigo regime, que ninguém teve culpa de nada, que somos muito amigos dos povos africanos...

E portanto já não é preciso fazer o processo do colonialismo! E portanto já não é preciso julgar os nossos criminosos de guerra! E portanto ninguém toca nos brios das Forças Armadas, pilar da ordem democrática! Não está mal visto...

Como não se fez sair o pus, a chaga apodrece. À mesma hora em que se emitem solenes comunicados de repúdio pela agressão sul-africana, mais uma partida de armas portuguesas pode estar a ser embarcada em Lisboa com destino à África do Sul. Porque a verdade que todos calam é que o Estado Maior português tem vindo a equipar à sucapa as tropas fantoches da Unita que agora devastam o sul de Angola. Portugal é uma peça na agressão contra Angola, comandada na sombra pela NATO.

Porque é que “O Jornal”, tão sensível às feridas de Angola, não denuncia esta esterqueira?


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária

Inclusão 06/02/2019