A Engrenagem

Francisco Martins Rodrigues

23 de Setembro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 23 de Setembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.


capa

Espero que não levem a mal eu juntar hoje aqui o Mário Soares, o Papa e a NATO. Foi o que mais me chamou a atenção esta semana.

"A escolha — explicou Mário Soares no Brasil — não é entre capitalismo ou socialismo, mas entre democracia ou não democracia. Os brasileiros, gente atrasada, ficaram pasmados. Mas não nós, que temos visto como Mário Soares soube desistir do seu sonho socialista para se dedicar a consolidar a democracia. Com bons resultados, aliás.

O Papa, devem ter lido, saiu com uma encíclica que é um hino de glória ao trabalho. Os trabalhadores é que constroem tudo, são eles o centro do mundo, o trabalho manual é nobre, ébelo. etc. (Não imaginam a quantidade de doutores que já se estão a oferecer para serventes nas obras).

Quanto à NATO. já se sabe, esteve no Tejo toda eriçada de canhões. E não foi tão negativa como dizem os esquerdistas. Os bares e empresários de prostitutas fizeram lucros muito interessantes com a chusma dos guardiães da civilização ocidental. Para um país em crise como o nosso, foi uma ajuda em dólares nada desprezível.

Agora talvez queiram saber o que me levou a ligar o Soares com o Papa e a NATO? É simples.

A conversa de Soares quer dizer: "não pensem em ver-se livres do capitalismo. Se não quiserem voltar a gramar outra ditadura, não têm outro remédio senão gramar as minhas trampolinices democráticas". E o Papa? "não tenham pena de ser tosquiados, meus cordeirinhos, porque o trabalho é belo e vosso é o reino do céu". A NATO: "Obedeçam, senão vai tudo”

Não lhes parece que estas três mensagens encaixam às mil maravilhas umas nas outras? São peças da mesma engrenagem. Dizem todas o mesmo: "Aguentar e cara alegre".

Nisto, salta para "O Diário" o sr. Armando Pereira da Silva, a dizer-nos que a democracia burguesa não faz parte da vocação nem responde às realidades vividas no nosso país e que "a luta de classes é demasiado intensa para se encaixar na alternância de partidos”. Mais: "O que as forças democráticas têm de fazer é derrubar, e depressa, este Governo”.

Ora assim é que é falar! Agora só falta passar à prática para acabar com os rumores de que o partido do sr. Armando também faz parte da engrenagem.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha

Inclusão 02/12/2018