Coitadinhos dos Polacos

Francisco Martins Rodrigues

18 de Novembro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 18 de Novembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Vocês têm reparado na fresca aragem democrática que sai dos televisores de cada vez que falam da Polónia? Volta não volta, lá vêm as imagens das manifestações, das greves, das bichas, do Walesa. E sempre os locutores a comentar cheios de enlevo a luta do povo polaco pelo pão e pela liberdade. No outro dia, a coisa era de tal ordem que quase me arrancaram lágrimas. Só faltou o quase.

É que o fervor democrático e popular dos sujeitos da televisão cheira a esturro. Aplaudem as greves em Varsóvia, não na Covilhã. Choram o quilo e meio de carne da ração dos pobres polacos, não a dieta de açorda dos nossos desempregados e dos nossos velhos. Enchem o écran com os protestos em Gdansk, não com os desalojados do Vale da Amoreira. Denunciam as vivendas dos ministros de Jaruzelski, não as vivendas dos nossos ministros. Atiram-nos à cara as chagas do Leste para nos tapar os olhos para os podres do Oeste. Já o Salazar no seu tempo era solidário com a luta dos pobres húngaros.

Mas os polacos têm outra categoria de amigos não menos divertida. São os intelectuais da meia esquerda da nossa praça, que por aí andam açodados, correndo do colóquio para o abaixo-assinado, encantados com a “revolução” polaca.

Porquê este entusiasmo? Porque o “Solidariedade” é pela autogestão das empresas, utopia abstrusa e bem sonante que ninguém sabe o que seja. Porque defende uma “revolução socialista” fora da política e dos partidos, mistério ainda maior que a Santíssima Trindade. Porque reclama o aumento das herdades familiares. reivindicação eminentemente humanista. Porque mete bispos e missas nos intervalos do marxismo, mistura picante e de bom tom.

Numa palavra — porque os operários polacos, fartos de ser comidos pelos camaradinhas “comunistas” do governo, ainda não se emanciparam para lutar pela sua própria classe e pela sua revolução e estão a ser comidos pela pequena burguesia dos quadros, pela Igreja, pelos espertalhões da CIA. É isso que faz delirar os nossos revolucionários disponíveis.

Solidariedade com a Polónia? Óptimo! Mas não com a bagunça pequeno-burguesa do “Solidariedade”. O nosso apoio deve ir para a classe operária polaca em busca do socialismo que lhe roubaram. Começando por dar nós aqui exemplo de coerência na luta contra o capital. O resto é barrete.


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária

Inclusão 03/02/2019