O medo não compensa

Francisco Martins Rodrigues

16 de Dezembro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 16 de Dezembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Nesta semana de contactos internacionais de alto nível, congressos e jantaradas, poderá ter passado despercebido o peso da manifestação fascista a Jaime Neves ("Jaime actua, põe a canalha na rua"). Ela é um indicador de que, sob a superfície estagnada do pântano, tende a acelerar-se o reagrupamento de forças. O mais perigoso seria convencermo-nos de que a direita está paralisada pelas suas contradições.

Os preliminares estão a chegar ao fim, a grande prova de força vem aí. As bravatas do coronel Neves, disponível para "salvar a Pátria", fazem parte da aglutinação do pólo reaccionário, ansioso pelo confronto, por levar até ao fim a lógica da desforra e, se necessário, do golpe. A fraqueza evidente de Balsemão diante dos furiosos do seu partido, no congresso do Porto, confirma esta deslocado das rédeas da AD para as mãos dos Freitas e dos coronéis.

O programa é simples: os pobres que paguem a crise, já! A cobertura legal: "libertar a Constituição da carga ideológica". ("Ideológico” é se sabe, tudo o que estorva a taxa de lucro). Os meios — vale tudo.

Nada de estranho, pois, se cresce sem cessar a imagem de Eanes como protector natural do povo contra a ameaça fascizante. Quanto mais ataques recebe da direita, mais apoios ganha ao centro. Com Eanes está agora toda a burguesia temerosa do caminho da confrontação, traumatizada pelo tumulto de 75, esperançada na "concertação" liberal. O discurso de Santarém vale por um programa: explicar ao povo a necessidade dos sacrifícios, manter o diálogo, levar a coisa às boas. Não estão aí o PCP e a CGTP, cheios de boa vontade pera servir de ponte?

"Eanes emerge como o último reduto onde é possível depositar as ilusões que ainda não se desfizeram depois dessa poética madrugada de Abril", escreve Pedro Cid no "Ponto". Nada poderia exprimir melhor o fervor ansioso com que a pequena burguesia se agarra à última esperança de passar a tormenta da crise salvando a tranquilidade.

Mas o medo é mau conselheiro. As vezes leva em linha recta para o abismo. Aos operários que se dispõem com amargura a engolir mais este sapo do apoio a Eanes "para evitar o pior", é preciso dizer que o último reduto contra a ameaça fascista está neles próprios. Ou a classe operária rejeita a mentalidade de gado a caminho do matadouro, passa à contra-ofensiva, luta para si própria, exige tudo — ou iremos descambando, de Eanes em Soares, de Soares em Freitas, até às mãos de qualquer coronel Neves, intendente do FMI. O medo não compensa.


Inclusão 22/08/2019