Três para trás e um para a frente

Francisco Martins Rodrigues

23 de Dezembro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 23 de Dezembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Uma febre de loucura atacou a nossa política. Vimos, nesta semana inesquecível, o dr. Freitas a gesticular em cima dos estrados dos comícios a favor das liberdades sindicais e dos direitos dos trabalhadores. Aquele seminarista! Só faltou vê-lo saudar de punho cerrado! Vimos o pândego do Mário Soares a berrar pelo socialismo integral e pelo cumprimento da Constituição socialista. Vimos o camarada Cunhal, como qualquer merceeiro, sentenciar que os problemas da nossa terra já chegam para nos preocupar e que os outros lá se amanhem. Lemos em parangonas triunfantes que a tropa vai finalmente pôr os operários a trabalhar: não foi no "Dia", foi no "Diário de Lisboa". Lemos apelos lancinantes de apoio aos operários reprimidos: não foi no "Avante", foi no "Dia".

Estas maravilhas, foi a Polónia que as produziu. É sempre assim, quando vêm à baila os regimes do lado de lá: por qualquer reacção misteriosa, os nossos políticos começam a fazer o pino e a dar cambalhotas. Mas, se virmos bem, até se compreende.

Cunhal não pode dizer que o “socialismo” polaco, financiado pelo FMI, não encontra um operário disposto a mexer um dedo para o defender e que o partido “operário” polaco se afunda no meio da indiferença geral. Freitas não pode dizer que é um megafone da CIA e do Papa, que são quem mexe os cordelinhos do “Solidariedade”. Soares não pode dizer que o Walesa tem tantos ideais como ele próprio, isto é, nenhuns, e que se pôs à frente dos operários para os negociar com o poder. Como não hão-de fazer cabriolas para desviar as atenções dos interesses que defendem?

Para os operários que se agitam nos países de Leste, os nossos politicões têm, à escolha, três caminhos para trás: ou voltar a resignar-se ao “socialismo” caserneiro, à Brejnev, ou optar pela “democracia” totalitária dos monopólios, à Reagan, ou ir para a pacotilha do “socialismo autogestionário” à jugoslava, que é uma espécie de sucursal a meias Reagan-Brejnev. Em qualquer dos casos, pagar para ver o capital a girar na mão dos entendidos. Todos ocultam o único caminho para a frente: a classe operária no poder.

Ao dr. Piteira Santos, que todo se aflige porque “em nome da Polónia, há quem pretenda dividir os portugueses”, apetece dizer:

— Não se incomode, doutor, que os portugueses já estão divididos. E não é por causa Polónia. É porque, cá como lá, os políticos estabelecidos lhes oferecem à porfia três caminhos para trás e lhes ocultam o caminho para frente.


Inclusão 03/08/2019