O Oposicionista

Francisco Martins Rodrigues

30 de Dezembro de 1981


Primeira Edição: Em Marcha, 30 de Dezembro de 1981

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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O dr. Álvaro Cunhal não vai certamente passar à história como um revolucionário, comunista, um marxista: Deus, nos insondáveis desígnios, não quis que assim fosse. Mas o que já ninguém lhe tira é a glória de ser o maior oposicionista português do século XX.

Há pessoas assim: nascem com a vocação para exprimir os interesses, não de uma classe, mas de toda uma Nação, agravada pelo poder.

Álvaro Cunhal sempre assim foi. Em 1944, a história parecia destinar-lhe o papel de condutor de uma revolução popular neste canto da Europa, varrida pela vaga vermelha que crescia sobre os escombros do império nazi-fascista. A revolução despontava em Portugal. Mas Cunhal tinha uma ambição mais alta. Queria ser o arauto, não apenas dos pobres, mas de todos os portugueses honrados, sem distinção de credo. Não queria que Salazar caísse por força de uma insurreição tumultuosa, de uma explosão de ódios incontroláveis, mas por um levantamento regenerador de toda a Nação.

E assim foi. O plano demorou 30 anos a executar. Passou uma geração, outra veio. Os operários, os pobres, os soldados que partiam para África, maldiziam da Oposição Unida que nunca mais deitava a ditadura abaixo. Mas não tinham razão. No dia 25 de Abril, pontualmente, depois de reunidas as condições indispensáveis, o levantamento nacional funcionou, como uma máquina, sem a efusão de um gota de sangue, sem ódios nem retaliações. Portugal deu uma lição de maturidade ao mundo embasbacado.

O socialismo irreversível de Abril malogrou-se, por razões que não vêm agora ao caso. Possivelmente porque a Unidade da Oposição não era ainda bastante sólida. A direita acabou por voltar ao poder. E Cunhal, incansável, retomou a sua missão histórica de unificador da Oposição.

Ele aí está de novo a bater-se pelo seu ideal. Há dias, no Pavilhão dos Desportos, julgam que apelou aos operários, aos pobres, para virarem a mesa ao Governo? Nessa não cai ele! Explicou sim ao PR e ao CR o erro de não terem aproveitado a crise de Setembro para livrarem o país da AD. Deplorou a propensão funesta de Mário Soares para os cambalachos com a direita. Indicou os mecanismos institucionais que permitem demitir o Governo e convocar eleições.

Tudo clarinho. Os democratas, semi-democratas e não-democratas honrados que compõem a Oposição já não podem queixar-se da falta de um programa de acção. A partir de agora, resta aguardar. Trinta anos, se tanto for preciso.


Inclusão 06/09/2019