O perigo é ser brando

Francisco Martins Rodrigues

5 de Maio de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 5 de Maio de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


capa

Com o tiroteio do 1º de Maio no Porto conseguiu esse homenzinho desprezível que é o eng. Ângelo Correia desforrar-se da fama de palhaço da Greve Geral e mostrar ao país que também sabe fazer sangue. Ficam todos a saber que não é um tonto inofensivo mas um louco perigoso.

É claro que a desforra foi possível porque o governo todo a quis. Insultado na rua, desautorizado por Eanes, afundando-se no descrédito, o governo quis demonstrar que ainda manda. A fuzilaria sobre a população do Porto foi a resposta que Balsemão não consegue dar aos protestos populares e a ofensiva de Eanes, que lhe rouba a iniciativa em África, na CEE, na NATO.

O crime do Porto foi o estertor de um governo agonizante. Mas que só foi possível com a colaboração do PS e da UGT. Mário Soares, forçado há uma semana a atrelar-se às manifestações do 25 de Abril, completa a flexão com a provocação da Praça Humberto Delgado. Os que saudavam o "novo curso" do PS têm aí a resposta: Manuel Alegre para os garganteados democráticos, Jaime Gama para os negócios NATO, Torres Couto para os trabalhinhos policiais. Um leque perfeito.

A UGT ficou a partir de agora amarrada à festarola sinistra de dia 1, sobre o sangue ainda mal lavado dos dois mortos e das dúzias de feridos. Talvez isso ajude os de compreensão lenta a perceber finalmente para que serve a central "democrática".

Mas não param aqui as lições do Porto. Ele mostrou também a oposição balofa dos chefes do PCP e da CGTP, por muito que esbracejem. Forçados a manter a convocação para o centro da cidade pela pressão da base, forçados pela indignação popular a convocar a nova greve geral que ainda três dias antes recusavam, forçados a adoptar por toda a parte a palavra de ordem dos revolucionários "O povo não quer fascistas no poder", que ainda há poucas semanas recebiam a paulada, foram mais uma vez ultrapassados pelos sindicalistas revolucionários do Porto na convocação de uma greve de protesto por ocasião do funeral dos mártires.

Não vai faltar gente a querer usar o sangue derramado no Porto como capital para negociar posições num novo governo, importa que o movimento operário e popular utilize esse sangue. que lhe pertence, para afirmar o seu lugar independente na política. Importa radicalizara luta na rua, para fazer desabar, com a AD, o maior número de trincheiras deste regime. Há um perigo: é sermos brandos demais.


Inclusão 22/08/2019