Teatro no Alentejo

Francisco Martins Rodrigues

9 de Junho de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 9 de Junho de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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O sr. António Murteira, da Comissão Organizadora da 6a Conferência da Reforma Agrária que há dias teve lugar em Évora, revelou em primeira mão ao "Jornal” que uma equipa de técnicos estão já a estudar a recuperação das terras usurpadas. "Num ano ou dois — afirmou com optimismo — estaremos em condições de continuar as produções". Falta só que saia este governo AD e entre um governo sério.

Parece-me óptima ideia, esta de começar já a estudar a recuperação das terras. Até podiam notificar já os tribunais de que não vale a pena continuarem com os leilões de terras. E podiam mesmo ir avisando os agrários que comecem a fazer a trouxa, porque está a chegar a hora de abalarem mais uma vez.

Tem graça, que eu sempre pensei que a liquidação da Reforma Agrária era ponto assente para todos os governos, desde o almirante Pinheiro de Azevedo, passando pelos do PS, pela enga. Pintasilgo e por aí fora. Julgava, no meu simplismo, que a ofensiva destruidora iria continuar mesmo que caia este governo, porque a burguesia e o imperialismo não toleram a Reforma Agrária. Convencera-me, no meu dogmatismo esquerdizante, de que a Reforma Agrária só seria restaurada e vitoriosa quando os assalariados juntamente com os operários das cidades ajustassem contas com a burguesia novembrista que nos saltou para as costas há sete anos.

Mas compreendo finalmente que essas ideias irrealistas eram fruto da minha formação terrorista. Pois se os técnicos já estão a estudar planos de recuperação das culturas!

Lembro-me agora de que o camarada Cunhal já apontara há dois anos esta bela perspectiva. Foi precisamente na 4a Conferência da Reforma Agrária, recordam-se? "No dia em que seja declarada por um novo governo a nulidade das decisões arbitrárias e ilegais do MAP, os trabalhadores não necessitarão de um único homem armado nem necessitarão de mais de 24 horas para reocupar todas as terras de que as UCP's/Cooperativas foram ilegalmente esbulhadas".

Admirável previsão! "Declaração de nulidade" e está a andar! Os trabalhadores reocupam as terras, sem armas, num passeio triunfal e todos vivem felizes.

Promessas, festas, lágrimas — os funcionários do PCP estão dispostos a todos os pinos para narcotizar a revolta que cresce nos campos do Alentejo. Agora, percebo eu porque é que o Cunhal a falar me faz lembrar um pastor protestante.


Inclusão 03/08/2019