O guizo do cavalo de Tróia

Francisco Martins Rodrigues

21 de Julho de 1982


Primeira Edição: Em Marcha, 21 de Julho de 1982

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Pelos vistos, o camarada Samora não gostou do aviso do camarada Cunhal para se pôr a pau com Balsemão, cavalo de Tróia do neocolonialismo, e espingardou de lá que não precisa de conselhos. Agora fica Cunhal com três casos bicudos para elucidar com os seus adeptos.

1º) Se Samora é um camarada marxista-leninista a cem por cento, como explicar tão estranha inocência face aos galifões da AD, a ponto de lhes chamar “combatentes pela causa do bem-estar do povo”? Estaremos perante mais um caso da tradicional ingenuidade dos pretinhos, sempre prontos a deixar-se enrolar pelo branco manhoso?

2°) Se a poderosa, generosa e luminosa União Soviética anda há já meia dúzia de anos a fazer de Moçambique um brinquinho socialista, como se compreende que se tenha dedicado mais ao arrasto da lagosta e do camarão do que a pôr as fábricas a funcionar? Será que os camaradas soviéticos ficam toldados pelos calores africanos?

3°) Se o dr. Balsemão é, sem sombra de dúvida, o cavalo de Tróia do neocolonialismo, como devemos classificar o general Eanes, que foi à frente abrir-lhe caminho? Será o guizo do cavalo de Tróia? E nesse caso, como explicar que o camarada Cunhal não se tenha apressado a alertar o Maputo contra a viagem sorna de Eanes, cobrindo-a pelo contrário com a sua benção? Será que Cunhal sofre de um género de daltonismo que o impede de distinguir reaccionarismo nas fardas?

Três questões que são outros tantos quebra-cabeças para o nosso dr. Cunhal, impossibilitado de reconhecer a simples verdade.

Ou seja: que Samora representa a nova burguesia moçambicana, neste momento a passar da subida revolucionária para a descida conservadora; que a União Soviética usou mais uma vez em Moçambique a bandeira do apoio à luta de libertação para obter vantagens comerciais e estratégicas; e que em matéria de neocolonialismo (e não só) é absolutamente impossível distinguir entre o general Eanes e o dr. Balsemão, oficiais do mesmo ofício.

Querem saber porque não pode o camarada Cunhal reconhecer estas verdades elementares? Porque já se enredou de tal maneira nas suas bonitas histórias da carochinha, com fadas democráticas a proteger os pobrezinhos, que já não sabe como vencer o lobo mau. Que é bem verdadeiro, esse.


Inclusão 22/08/2019