Perspectivas político-partidárias

Francisco Martins Rodrigues

12 de Janeiro de 1983


Primeira Edição: Em Marcha, 12 de Janeiro de 1983

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


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Descanse o leitor que não lhe vou aqui vender os meus palpites acerca do desenlace da crise política. Para isso, lá estão os nossos analistas encartados, todos tão argutos, informados, brilhantes, subtis. Eles é que dispõem de canais seguros para os estados-maiores partidários e de fontes próximas do palácio de Belém. Eu não sei porque é que Basílio Horta se demitiu e se readmitiu como vice-presidente do CDS. Não sei se a demissão de Balsemão foi uma manobra diabolicamente inteligente ou foi uma estupidez de ricaço amuado. Eu nem sei distinguir entre a facção Amândio de Azevedo e a facção Helena Roseta. De modo que tenho que me contentar com umas observações toscas e primárias.

Esta coisa do PSD ter escolhido para primeiro-ministro uma abécula como o prof. Vítor Crespo e do CDS designar um nabo como o dr. Luís Barbosa para ministro de Estado e da Defesa, dá-me que pensar. Parece que as máfias dirigentes da AD (salvo o devido respeito) resolveram atirar os parvos para a arena, porque ninguém se quer queimar com o período que aí vem de carestia galopante, despedimentos em massa, pacote de leis antilaborais e matracadas da polícia de choque. Daqui a seis meses, cumprida a tarefa suja (que toda a burguesia acha indispensável), lá virá a válvula de escape de umas eleições e os espertos aparecerão outra vez na ribalta, a prometer salvar o povo das “asneiras” dos outros. Será?

Acho também curiosa a tranquilidade dos nossos “dadores de trabalho” (para usar a feliz expressão do Cardeal Patriarca) no meio da barafunda que por aí vai. Cheios de desprezo pelas encenações dos políticos, aproveitam a confusão geral para subir os preços, fazer candongas e enriquecer com as traficâncias de escudos e dólares. São como aquele sujeito que, perante uma desordem num banquete, aproveita para enfardar pastéis à socapa, antes que as atenções se voltem para ele. “Ovelha que berra, bocado que perde”.

Mas o traço mais característico da crise é toda a gente falar nos planos de Freitas do Amaral, na estratégia de Mário Soares, nas intenções do Presidente da República e ninguém perguntar pela opinião da classe operária, que é quem paga a despesa da festa. Sete anos de recuo incessante do movimento operário fizeram a burguesia perder toda a vergonha. Já nem se dão ao trabalho de disfarçar, de prometer o “socialismo em liberdade” e uma vida melhor. O grande medo de 1975 já lá vai. O bom povo deixa-se tosquiar. A vida é bela.

Solução para a crise? Só na rua.


Inclusão 22/08/2019