História

Francisco Martins Rodrigues

Novembro/Dezembro de 1986


Primeira Edição: Política Operária  nº 7 Nov-Dez 86

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Salutar equilíbrio e distanciamento crítico marcou o colóquio sobre o Estado Novo, que reuniu em princípio de Novembro o escol dos nossos investigadores. O Estado Novo discutido pela primeira vez sem paixão nem sectarismo, eis o que já fazia falta.

Coube ao presidente Soares, ao inaugurar a função, dar o tom justo: “Já passou o tempo da oposição redutora fascismo/antifascismo”. Palavras corajosas que, na boca deste emérito resistente à ditadura, revelam admirável grandeza moral. Apesar de algumas intervenções destoantes, os trabalhos pautaram-se por este são espírito científico. Chamou-se mais uma vez a atenção para a necessidade de não rotular apressadamente o autoritarismo de Salazar como fascismo. Fascismo foi lá fora em Portugal não houve. E sobretudo, deixaram-se de lado os temas demasiado batidos e enfadonhos da luta de classes, para abordar audaciosamente questões mais candentes e bem mais interessantes: Salazar e as mulheres; perfil psicológico de Salazar; a ideologia dos manuais escolares; a arquitectura do Estado Novo; etc.

Não é pois exagerado dizer que, com este colóquio, o pensamento democrático português se libertou da chantagem emocional a que estava amarrado pelo populismo ignaro do 25 de Abril. Cada vez que se queria discutir esse meio século da história nacional, lá vinham as jornas de 20$00, as roças do algodão, Catarina Eufémia, as celas do Aljube, o diabo! Ainda há dias, dois sobreviventes do Tarrafal tiveram o mau gosto de vir outra vez para a imprensa com o velho realejo: as febres, os mortos, a frigideira… Não entendem que a Democracia portuguesa, finalmente adulta, já não se contenta com ideologismos. Quer um olhar sereno sobre o passado.

Eu podia dizer que esta imparcialidade histórica é muito suspeita, sobretudo quando o castigo aos fascistas (desculpem o palavrão) foi aquilo que se sabe. Podia insinuar que ela é uma forma de a classe intelectual enterrar os seus complexos de vergonha por não ter dado o corpo ao manifesto no tempo da ditadura. Podia ver nela o desejo da burguesia se absolver a si própria, restringindo a autocrítica ao epidérmico e ao anedótico. Podia desconfiar, enfim, que este olhar desapaixonado sobre o Estado Novo encubra uma paixão pouco limpa: “Os operários que não nos moam os ouvidos com os seus ódios, porque a vida tem que continuar”. A vida — quer dizer, a exploração.

Mas nessa não caio eu. Só demonstrava o meu irremediável apego ao passado. E a minha incapacidade para uma visão lúcida e objectiva sobre o Estado Novo. Como a do prof. Cavaco Silva, ao declarar no outro dia a uma revista francesa que o prof. Salazar, “se tivesse sabido retirar-se a tempo, teria ficado como um grande homem”.


Inclusão 10/06/2018