Pode Haver um Sindicalismo Revolucionário?

Francisco Martins Rodrigues

Fevereiro de 1987


Primeira Edição: Texto publicado no Tribuna Comunista, boletim interno da Organização Comunista Política Operária, nº 11 de Fevereiro de 1987, dedicado ao debate sindical (inédito)

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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A pergunta [Pode Haver um Sindicalismo Revolucionário?] poderá parecer estranha, uma vez que é isso que temos andado a defender todos estes anos. Mesmo assim, penso hoje que a palavra de ordem de um sindicalismo revolucionário e da criação de uma sindical revolucionária é esquerdista, não nos permitirá criar corrente e, pelo contrário, acentuará o isolamento e inactividade em que nos encontramos.

Julgo que o objectivo dos comunistas não é criar um movimento sindicai revolucionário mas utilizar num sentido revolucionário a acção sindical, do mesmo modo que se utiliza a intervenção nas eleições, a luta contra a repressão, etc. Trata-se de enquadrar na política revolucionária do partido acções e organizações de massas que têm, pela sua própria natureza, objectivos limitados e uma carga inevitável de reformismo. Foi Lenine quem falou nos “traços reaccionários” e na “estreiteza corporativa inevitável” dos sindicatos, “forma de organização elementar, inferior” das massas.

A noção de sindicalismo revolucionário, que se popularizou na nossa esquerda desde 1974/75, tem uma origem anarco-sindicalista, não comunista. Justamente porque os anarco-sindicalistas recusavam o papel de vanguarda do partido político da classe operária, eles tinham que atribuir aos sindicatos um carácter revolucionário, de instrumento central da revolução e da ditadura do proletariado.

É certo que nós nunca pretendemos que os sindicatos possam ter esse papel. Mas fomos atrás das teses do sindicalismo revolucionário, lançadas na crise de 75 pela pequena burguesia de esquerda — PRP, trotskistas, MES, etc. — e nunca nos atrevemos no PC(R) a analisar seriamente o problema. Seguimos o slogan que parecia mais radical.

Poderá dizer-se: mas não é obrigatório fazer uma ruptura com o sindicalismo reformista e colaboracionista da GGTP e da UGT? Sem dúvida. Só que o aparecimento de uma corrente sindical que defenda os interesses económicos do proletariado, em demarcação dos da pequena burguesia, que desenvolva acções combativas contra a exploração patronal e a política antilaboral dos governos, que imponha a democracia operária contra os compromissos e a chulice dos quadros e dos aparelhos sindicais burocráticos — não passa por isso a ser revolucionária.

Se quiser ser uma verdadeira corrente de massas, capaz de pesar na luta de classes, terá que se manter nos limites do sindicalismo, ou seja, da luta para vender a força de trabalho em melhores condições. E isto é uma luta por reformas no sistema, não é uma luta pela revolução.

Caberá aos comunistas “fertilizar” esta luta limitada com os métodos revolucionários de acção de massas — plenários, greves, manifestações, choques, ocupações; mas se pretenderem fabricar novos sindicatos revolucionários, só conseguirão estreitar o seu campo de influência e deixar as massas operárias entregues aos caciques reformistas. Também a este respeito, Lenine foi taxativo, ao condenar a ideia de novos sindicatos, “bem limpinhos, inocentes de preconceitos democrático-burgueses” como “um imenso serviço prestado pelos comunistas à burguesia”.

Um dos argumentos a favor da criação de uma corrente sindical revolucionária é de que ela começará por agrupar a vanguarda e, em período de ascenso revolucionário, esta chamará as grandes massas para seu lado. Mas este argumento não me parece comprovado pelos factos. Quando a classe entra em ascenso revolucionário, os sindicatos, precisamente porque só são órgãos de luta económica, adaptados à grande massa, tendem a ficar para trás. Foi o que se viu em 75. Quando entra na ordem do dia a luta pelo controle operário, pelas ocupações, pelo poder político, mesmo que seja uma fase ainda embrionária, a vanguarda cria órgãos novos com um cunho político, órgãos de tipo soviético.

Criarmos agora uma corrente sindical “revolucionária” pensando vir a colher os frutos num futuro ascenso seria um duplo engano: essa corrente estaria condenada a ficar à margem do movimento, tanto agora como mais tarde.

Pode também dizer-se que a linha sindical revolucionária foi adoptada pela IC nos anos 20-30, com a ISV e os sindicatos vermelhos. Estaríamos apenas a retomar uma tradição comunista abandonada pelo oportunismo do 7.° congresso. Também não me parece este argumento válido.

Primeiro, porque a linha sindical vermelha surgiu sob o impacto da revolução soviética e quando era geral a expectativa de que se iriam suceder novas revoluções operárias na Europa. A situação actual é, como sabemos, o oposto da desse tempo. Não há nenhum poder revolucionário que sirva de modelo avançado ao movimento sindical.

Em segundo lugar, devemos perguntar-nos se a linha sindical vermelha, mesmo nas condições da época, deu os melhores frutos no combate ao sindicalismo amarelo social-democrata. Penso que há indicações de que essa linha era realmente esquerdista e que por isso mesmo alimentou a ressaca oportunista do 7.° Congresso, para a fusão-capitulação com as centrais social-democratas.

Em resumo: acho que, para colher frutos revolucionários do trabalho sindical, os comunistas devem tomá-lo exactamente por aquilo que ele é — uma luta por melhorias, por reformas — e não pretender embelezá-lo com slogans revolucionários. Revolucionário é o partido comunista e por isso mesmo, como partido revolucionário, trata de imprimir às lutas parciais (sindical ou outras) métodos revolucionários de acção de massas. É assim que se põe o trabalho sindical ao serviço da revolução proletária e não traçarmos uma linha sindical “revolucionária”.

Será isto apenas uma questão de denominações? Penso que não! Porque se reconhecermos que o sindicalismo tem inevitavelmente um âmbito limitado e desistirmos de o “revolucionarizar”, resultam daí algumas consequências para o nosso trabalho prático. Para já vejo as seguintes:

  1. — A nossa demarcação face ao sindicalismo da CGTP e da UC deve ser feita exclusivamente na base do prejuízo que as centrais acarretam aos interesses económicos imediatos da classe operária. A nossa plataforma (as teses) deve ter um carácter mais ‘‘rasteiro” que aquele que lhe está a ser dado. Defendemos aumentos iguais, opomo-nos à participação nas viabilizações, criticamos as negociações à porta fechada, denunciamos o burguesismo dos aparelhos burocráticos, propomos acções de luta, etc., com base num único argumento: travar o roubo que está a ser feito à classe.
  2. — Toda a prioridade à nossa intervenção na prática; vale mais desenvolver uma acção, mesmo pequena, numa empresa, do que fazer discussões sobre a linha sindical.
  3. — A Tribuna Operária deve tomar um carácter mais vincado de denúncia, informação, agitação, do que de formação. Notícias, artigos mais curtos, comentários a cada reunião ou documento das estruturas sindicais, mais cartas-denúncia, caricaturas, e visando captar o descontentamento operário confuso, dar-lhe corpo, mesmo sem grande insistência em linhas demarcatórias.
  4. — Mantendo o colectivo da “TO” independente de quaisquer alianças ou compromissos, devemos contudo explorar todas possibilidades de intervenções comuns com os grupos da Coordenadora em empresas ou sindicatos onde isso seja possível. A defesa do nosso jornal não deve ser confundida com a ideia de criar uma corrente só nossa, o que nos levará à seita “sindical”.
  5. — Perspectiva da cisão: a denúncia sem tréguas dos aparelhos sindicais amarelos terá que percorrer um longo caminho, na experiência prática das lutas animadas por nós, antes que a inevitabilidade da cisão se imponha, mesmo a um sector minoritário da classe. Dou razão neste ponto ao camarada JB. Devemos dizer que a unidade da classe na luta contra o capital não é servida pelos aparelhos das centrais e demonstrar isso com dúzias de exemplos na “TO”. Toda a tónica na defesa da unidade na luta. A este respeito, acho que devemos reflectir sobre as posições da IC que transcrevemos a seguir.
  6. — A nossa perspectiva seria pois, em torno da “TO” e de acções pontuais conjuntas ao nível da Coordenadora, começar a dar os primeiros passos para uma tendência no seio da CGTP, baseada em núcleos de empresa. Acredito que tudo o resto dependerá do trabalho sindical prático que formos capazes de desenvolver.

 Lenine sobre os sindicatos

Quando se começou a desenvolver a forma suprema de união de classe dos proletários, o partido revolucionário do proletariado, os sindicatos revelaram inevitavelmente certos traços reaccionários, uma certa estreiteza corporativa, uma certa tendência para o apoliticismo, um certo espírito de rotina, etc.

Os comunistas “de esquerda” alemães tiram como conclusão o espírito reaccionário e contra-revolucionário de certos meios dirigentes sindicais… o abandono dos sindicatos pelos comunistas, a recusa a trabalhar neles, e pretendem criar novas formas de organização operária por eles inventadas! Isto é um disparate imperdoável, que equivale a um imenso serviço prestado pelos comunistas à burguesia.

Para ser capaz de ajudar a massa e ganhar a sua simpatia, adesão e apoio, é preciso não temer as dificuldades, as chicanas, as armadilhas, os ultrajes, as perseguições por parte dos chefes e trabalhar absolutamente lá onde está a massa.

O sindicato — forma de organização elementar, inferior, a mais simples e mais acessível para aqueles que estão ainda profundamente imbuídos de preconceitos democrático-burgueses. Mas os comunistas de esquerda inventam uma “União Operária” nova em folha, bem limpinha, inocente dos preconceitos democrático-burgueses, dos pecados corporativos e estreitamente profissionais.

Toda a tarefa dos comunistas está em saber convencer os retardatários, saber trabalhar no meio deles e não separar-se deles com palavras de ordem de “esquerda” de uma invenção infantil.

(“Esquerdismo…”)

A IC sobre os sindicatos

Toda a deserção voluntária do movimento profissional, toda a tentativa de criação artificial de sindicatos que não seja determinada pelas violências excessivas da burocracia profissional (dissolução das filiais revolucionárias sindicais pelos centros oportunistas) ou pela sua estreita política aristocrática, impedindo a entrada nos órgãos sindicais às grandes massas de trabalhadores pouco qualificados, apresenta um perigo enorme para o movimento comunista. Afasta os operários mais conscientes e mais avançados da massa e empurra esta para os chefes oportunistas que trabalham no interesse da burguesia.

Como os comunistas dão maior valor ao objectivo e à substância dos sindicatos do que à sua forma, não devem hesitar perante as cisões que poderão vir a dar-se no seio das organizações sindicais se, para as evitar, fosse necessário abandonar o trabalho revolucionário, recusar-se a organizar a parte mais explorada do proletariado. Contudo, se acontecer que uma cisão se imponha como uma necessidade absoluta, só deverá ser feita quando houver a certeza de que os comunistas conseguirão pela sua participação convencer as largas massas operárias de que a cisão se justifica, não por considerações ditadas por um objectivo revolucionário afastado e ainda vago, mas pelos interesses concretos imediatos da classe operária, correspondendo a necessidades da acção económica. No caso de uma cisão inevitável, os comunistas deverão dar a maior atenção a não ficar isolados da classe operária.

(II Congresso)

A palavra de ordem da IC contra a cisão sindical deve ser aplicada com a mesma energia do passado, apesar das perseguições furiosas a que os reformistas de todos os países submetem os comunistas. Os reformistas querem prolongar a cisão através das exclusões. Expulsando sistematicamente os melhores elementos dos sindicatos, esperam fazer perder o sangue frio dos comunistas, levá-los a sair dos sindicatos, levá-los a abandonar o plano profundamente reflectido da conquista dos sindicatos a partir de dentro e a pronunciarem-se pela cisão. Mas os reformistas não conseguirão esse resultado.

A cisão do movimento sindical, sobretudo nas condições actuais, representa o perigo principal para o movimento operário no seu conjunto.

(IV Congresso)

A luta pela unidade do movimento sindical mundial desenrola-se como um fio vermelho ao longo de toda a actividade da IC. Este facto não é consequência de uma atitude fetichista em matéria de organização, mas resulta do conceito segundo o qual os comunistas, lutando pela unidade no interior dos sindicatos, alargam a esfera de influência dos partidos comunistas e da IC, sem se separarem nunca das massas. A luta pela unidade do movimento sindical é o melhor meio, o melhor método para conquistar as massas. As velhas palavras de ordem da IC — conquista e não destruição dos sindicatos, luta contra a fuga dos sindicatos, luta pela readmissão dos expulsos, luta pela unidade — continuam válidas e devem ser efectivadas com a máxima decisão e energia.

(V Congresso)


Inclusão 02/10/2018