Triunfo e Derrota de Guevara

Francisco Martins Rodrigues

Setembro/Outubro de 1987


Primeira Edição: Política Operária nº 11, Set-Out 1987

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Contudo, 20 anos passados, a guerrilha inspirada no guevarismo conseguiu triunfar na Nicarágua e, apesar de uma repressão selvagem, mantém-se invencível na Guatemala, Salvador, Colômbia, Peru… A profecia de Guevara parece em vias de se realizar. Não voltará a haver ordem e segurança no quintal dos Estados Unidos.

Quando assassinou Guevara, há 20 anos, nas montanhas da Bolívia, a CIA acreditou, aliviada, que dera uma lição definitiva aos visionários que sonhavam com uma América Latina incendiada pelas guerrilhas esquerdistas. A ameaça de cercar o imperialismo americano com ‘‘um, dois, três Vietnames” não passava de bravata. A surpresa de Cuba não iria repetir-se.

… Só que o próprio Guevara ficaria surpreendido se pudesse assistir aos desenvolvimentos políticos produzidos pelos seus focos guerrilheiros. Na Nicarágua como em Cuba, o ascenso indomável da insurreição popular cristalizou em regimes nacional-democráticos vacilantes, comunistas só nos slogans, incapazes de liquidar a economia capitalista e de avançar para o socialismo. A tentativa de equilibrar harmoniosamente os interesses dos camponeses, dos operários, da pequena burguesia e da burguesia “nacional” asfixia lentamente o impulso revolucionário e abre campo à contra-ofensiva burguesa. O imperialismo americano perdeu terreno mas está longe de ter perdido a cartada. A luta revolucionária na América Latina não pode ser sufocada mas o seu futuro é incerto.

Guevara enganava-se quando supôs que os focos guerrilheiros apoiados nos camponeses sem terra teriam força para anular a podridão reformista dos democratas, dos socialistas e dos partidos comunistas tradicionais. A luta armada acelerou de facto a revolução anti-imperialista, mas não resolveu nem podia resolver a questão decisiva — arredar a burguesia da direcção das massas, chamar a classe operária ao posto de comando.

Não compreendendo que a chave para o triunfo da revolução socialista na América Latina era social, política, ideológica, muito mais que militar, o guevarismo apenas empurrou a pequena burguesia, à força, para a cabeça de uma revolução que ela é incapaz de dirigir. Esta a derrota histórica de Che Guevara.

Com tudo isto, a crítica às ideias políticas de Guevara não pode, para nós, ser desligada da homenagem à sua figura de revolucionário. O que só parecerá contraditório aos que cultivam um marxismo académico, pedante e ossificado.

Porque, se Guevara não apreendeu a chave da política revolucionária da nossa época — a luta pela hegemonia do proletariado — ele deixou um exemplo de ódio ao imperialismo, de bravura, de confiança na vitória que dificilmente tem sido igualado.

Hoje, quando, no nosso país e por toda; a Europa, os ex-guevaristas palradores de há 20 anos enrolaram o cartaz do guerrilheiro sorridente e se acomodam acobardados perante a ditadura do grande capital, inventando teorias de capitulação, é bom recordar o Che. Faltou-lhe certamente muita coisa como líder revolucionário. Mas não lhe faltou o ódio e o desprezo pelo inimigo de classe. E esse é o começo de toda a sabedoria.


Inclusão 30/05/2018