Ainda Não Estou Bem Desestalinizado

Francisco Martins Rodrigues

5 de Março de 1988


Primeira Edição: Diário Popular, 5 Março 1988
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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FRANCISCO MARTINS RODRIGUES, 60 anos. Em 1964, saiu do Partido Comunista para fundar o Comité Marxista-Leninista Português e a FAP, o que constituiu a primeira ruptura à esquerda com o PCP. Em 1974, foi um dos fundadores da UDP. Em 1975, foi um dos fundadores e a figura carismática do PC(R). Colocado, depois, em oposição, continuou como militante de base do PC(R)i donde saiu em 1984. Actualmente é o director da revista «Política Operária» e dirigente da Organização Comunista Política Operária. As nossas perguntas e as suas respostas:

1 — O Cunhal só agora soube dos erros (ou crimes) de Estáline. Tu soubeste deles quando?

— Em 1956, aquando do XX Congresso da URSS.

2 — Mas só criticaste o Estáline em meados dos anos 80...

— O facto de um regime matar milhares de pessoas não chega. As democráticas França e Inglaterra, nos anos 30, tam­bém mataram milhares de india­nos e de egípcios e ninguém fala nisso. A mim, para criticar Estáline foi-me preciso perce­ber que o poder operário na URSS já no tempo dele estava furado, não havia poder revolu­cionário nenhum. Só quando percebi isso me demarquei.

3 — Foste, portanto, estalinista até há pouco?

— Eu ainda não estou bem destalinizado, porque reabilitar as democracias burguesas à pala de criticar Estáline não me serve.

4 — Mas o que é que criticas no estalinismo?

— Critico o facto de Estáline ter pretendido manter na URSS um compromisso entre os interesses da classe operária e da pequena burguesia, através de um poder burocrático e ditatorial. Isto não significa nenhuma adesão às baboseiras que o pretendem equiparar a Hitler e a URSS dos anos 30 à Alemanha nazi.

5 — Não criticas a repressão sobre os camponeses e os processos de Moscovo?

— Geralmente, essas críticas esquecem que a URSS foi obrigada — com todos os custos que isso implicou — a defender-se dos ataques do nazismo e da política das democracias ocidentais, que favoreciam aquele ataque. Os julgamentos de Moscovo parecem-me ter sido uma reacção histórica, de pânico, de um poder afinal frágil que «descobria» espiões em toda a parte, devido a essa pressão de uma ameaça militar.

6 — Em conclusão: Estáline foi ou não um revolucionário?

— Foi um revolucionário até que o esgotamento da revolução proletária na URSS, ainda nos anos 20, o levou a bloquear o desenvolvimento da luta de classes, através de um poder pretensamente socialista.


Inclusão 10/06/2018