Vasco Gonçalves e os Esquerdistas

Francisco Martins Rodrigues

Setembro/Outubro de 1990


Primeira Edição: Política Operária nº 26, Set-Out 1990

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Entrevistado pela revista Sábado, (10 de Agosto), o retirado general Vasco Gonçalves, ainda hoje acusado de “ter tentado instalar o comunismo em Portugal”, não pediu desculpa pelo passado, valha-nos isso. Voltou a defender a sua política no “Verão quente” de 1975, disse que tinha sido o tempo mais feliz da sua vida e fustigou o reaccionarismo reles do actual regime democrático-tachista.

Até aqui, tudo bem. Só que o “extremismo” de Vasco Gonçalves continua igual a si próprio — é um reformismo piegas que só nesta terra de lorpas poderia fazer figura de papão da burguesia. Mostrando não ter aproveitado os anos para meditar nas lições da vida, o general ainda hoje acha que as suas reformas nos poderiam ter conduzido pacificamente ao socialismo; está convencido de que o sector empresarial do Estado só falhou por nunca ter sido devidamente estruturado; e não consegue formular melhores votos para a política nacional do que repisar o apelo já rançoso à “convergência das forças democráticas”. Em matéria de política internacional, defende intrepidamente que a perestroika é um passo em frente do socialismo...

Mas o mais típico do pensamento gonçalvista são os seus engulhos anti-esquerdistas. Ele recusa-se a falar sobre o golpe de direita que o derrubou porque não quer “lavar roupa suja”, mas não tem dúvida em falar contra o “esquerdismo”. Os esquerdistas, explica, eram no melhor dos casos ingénuos exaltados que, “por falta de preparação política", julgavam possível “obter tudo dum dia para o outro” e com a “desordem” criada pelas ocupações selvagens deram argumentos à reacção.

Isto é dum analfabetismo político confrangedor. O general Gonçalves ainda não percebeu que, se não fossem as greves e manifestações anti-coloniais “esquerdistas” de Junho de 74, nunca Spínola o teria convidado para formar governo; se não tivessem começado as ocupações e saneamentos “selvagens” nas empresas nunca teria sido possível a lei das nacionalizações; e que a brilhante ideia de assinar a lei da Reforma Agrária só lhe surgiu na cabeça no Verão de 75 porque desde uns meses atrás estavam a dar-se ocupações descontroladas de terras...

Com a miopia típica do reformista, deita as culpas da derrota para cima do movimento que ele próprio ajudou a sufocar. Não percebe que o papel da chamado “esquerdismo” foi exprimir a insatisfação muito real dos trabalhadores. E que o papel dos seus governos revolucionaríssimos foi desgastar, ganhar tempo, absorver a energia popular para impedir o assalto ao poder pelas massas. E como sempre acontece nestes casos, uma vez cumprida a missão, foi posto posto na rua pela direita a pontapé.

De que se queixa?


Inclusão 21/08/2019