Lubrificação

Francisco Martins Rodrigues

Janeiro/Fevereiro de 1994


Primeira Edição: Política Operária nº 43, Jan-Fev 1994

Fonte: Francisco Martins Rodrigues — Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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A saga de Mário Conde, o superbanqueiro burlão, não tem merecido grande desenvolvimento na nossa imprensa, a não ser na parte que nos toca, a fatídica metade do banco Totta. É pena, porque a história, desfiada pela comunicação social de Espanha, é uma aula prática de economia de mercado livre, na qual todos os cidadãos podem colher salutares lições de ousadia e triunfo.

Após seis anos de uma carreira estonteante como presidente do Banesto, Mário Conde teve que se retirar quando uma inspecção fiscal descobriu que meio bilião de pesetas (talvez mesmo um bilião, segundo alguns peritos) se tinham sumido por um poço sem fundo. Para evitar uma derrocada financeira em cadeia, o Banco de Espanha acudiu com o dinheiro dos contribuintes. Está tudo sob controlo.

O curioso é que já em 92 uma outra inspecção detectara um buraco de 100 mil milhões no Banesto mas nada acontecera. A verdade é que todos sabiam. Homem da moda, modelo dos empresários de sucesso, aficionado por iates e latifúndios, obras de arte e empresas, Conde tinha manifesta dificuldade em separar as suas contas pessoais das do banco. A fraude era transparente.

Não adivinham porque não lhe foram antes à mão? O segredo é elementar: pagava sem regatear, para ter uma opinião favorável na imprensa, na rádio, na televisão. Inclusive tinha por sua conta o diário El Mundo, ao qual forneceu milhares de milhões por intermédio de um grupo italiano. E como geriu atiladamente o negocio pôde durar seis anos.

★★★

É bem sabido que a corrupção é o lubrificante necessário das nossas sociedades “democráticas avançadas”. O capital não admite entraves à sua soberana liberdade de movimentos. Japão, Itália, França, Alemanha, Estados Unidos, Espanha, Suíça... a lista dos escândalos de corrupção cobre o mapa mundo. Cá na terra, graças a deus, também já podemos apresentar os emaudios e melancias, os manos beleza e o costa freire, os gangs de Aveiro e de Setúbal, as facturas falsas, os cursos de formação, as dívidas à previdência...

A acumulação do capital conhece hoje um tal dinamismo que não lhe basta a extorsão de mais-valia no dia-a-dia da fábrica. Precisa de altos esquemas, combinatas, aluguer de ministros, compra de leis, luvas, comissões, chantagens.

Porquê então todos exibem em público uma sagrada repugnância pela corrupção e pelos corruptos e manifestam uma santa esperança de que tudo vai entrar no são? Por uma questão de boas maneiras, claro. Se um político fosse reconhecer que roubos e crimes são parte integrante do sistema, como é que arranjava votos nas eleições?


Observação: Tiro ao Alvo - Coluna de FMR no jornal Em Marcha e no jornal Política Operária

Inclusão 03/02/2019