Doença incurável

Francisco Martins Rodrigues

Novembro/Dezembro de 1999


Primeira Edição: Política Operária, nº 72, Nov-Dez 1999

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

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Reunida em sessão solene com o presidente da República, a Assembleia registou um inabitual consenso em torno de uma questão por todos os partidos sentida como vital perante o avanço da abstenção: reformar o sistema político para lhe devolver credibilidade.

É quase comovente a convicção com que os partidos anunciam a decisão de limpar a casa e dar “transparência” ao regime. Mas não dá para acreditar.

Eleitos que não prestam contas aos eleitores, leis que ficam na gaveta. clientelas partidárias a parasitar o aparelho de Estado, prosmicuidade entre funções públicas e cargos privados, abusos fraudulentos como o das viagens fantasma, financiamento dos partidos pelos capitalistas, abafamento de casos graúdos de corrupção, ocultação dos rendimentos dos políticos — são frutos necessários do próprio sistema. Veja-se a Alemanha. a América, a França... Não é preciso ser profeta para prever que, no fim da anunciada “campanha de moralização”, a corrupção será, não menor, mas maior.

Assistimos à putrefacção do sistema político por efeito da ditadura totalitária do Capital sobre a sociedade. Falar de “moralização da política” quando Champalimauds, Jardim Gonçalves, Mellos & Cia. trocam negócios de centenas milhões de contos: prometer “transparência” quando o poder de decisão está entregue aos grandes interesses económicos continentais; reivindicar autoridade para o parlamento quando o direito de opção dos cidadãos se torna virtual — é propriamente anedótico.

Não há reformas que devolvam ao parlamentarismo um mínimo de credibilidade. Ele há-de arrastar uma decadência indigna até que se imponha a evidência inelutável de que a única cura está na expropriação do capital — e isso requer forças que estão fora do parlamento. Eis o que gostaríamos de ter ouvido e não ouvimos ao deputado Francisco Louçã.

Duas medidas podemos no entanto assegurar que serão levadas à prática: os retoques no sistema eleitoral de modo a reforçar o controlo do poder pelos dois partidos centrais e a “valorização dos salários dos políticos para que não se afastem da vida pública tantos portugueses de grande valia”, como reclama denodadamente o Dr. Almeida Santos.


Inclusão 18/08/2019