Para uma sociologia dos partidos políticos

Francisco Martins Rodrigues

Setembro/Outubro de 2001


Primeira Edição: Política Operária nº 81, Set-Out 2001

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


capa

Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna, Robert Michels. Ed. Antígona, Lisboa, 2001,554 págs., 5.960$.

Estão de parabéns os adeptos do anarquismo no nosso país, por esta edição da obra clássica de Robert Michels, publicada pela primeira vez em 1911 mas ainda praticamente desconhecida em Portugal. De facto, o autor dedica-se a demonstrar, nesta sua “investigação sobre as tendências oligárquicas da vida dos agrupamentos políticos”, a tese de que todas as organizações operárias seriam desviadas do seu objectivo pela impossibilidade de fazer funcionar uma democracia autêntica nas suas fileiras.

Baseado na sua experiência directa no seio do partido social-democrata alemão e do partido socialista italiano, Michels amontoa os exemplos para provar uma conclusão taxativa, que formula como lei científica: as massas, uma vez que se organizem para defender os seus direitos, não podem fugir à “lei de bronze da oligarquia” que as leva a servir os seus novos senhores. Pela própria natureza da organização, estes têm à sua disposição uma variedade infinita de estratagemas que utilizam abundantemente: o prestígio conseguido graças aos sacrifícios feitos pela causa, a representação parlamentar, a imprensa partidária, o poder financeiro, a distribuição de prebendas, as manobras demagógicas... Quaisquer críticas são caladas pela intimidação, pela calúnia ou pelo aburguesamento dos críticos, a quem é oferecida uma carreira partidária ou sindical. Todos os pretensos remédios à burocratização e à centralização do poder são inoperantes, já que o direito de crítica, os referendos, as eleições ou quaisquer outras garantias de democratização da vida partidária são subvertidas pelo jogo do poder. Jogo tão universal, na opinião de Michels, que nem os anarquistas a ele escapam: logo que se associam para conseguir objectivos comuns, caem sob a mesma “lei do autoritarismo”, e o “natural desejo de poder” dos mais destacados leva-os a procurar a dominação pelo espírito.

Hoje, à distância de um século, já não é possível levar muito a sério as pretensas “leis da sociopsicologia” formuladas por Michels. Não que os fenómenos por ele descritos não sejam reais (e bem actuais). Mas é viciada a generalização a que se entrega. A Michels escapa o essencial: a luta de classes. Incapaz de divisar a disputa permanente entre proletariado e burguesia no seio dos próprios partidos operários, ele tende a atribuir as manobras, os golpes e as corrupções à “natureza humana” e não relaciona o espectáculo de baixezas que descreve com o apodrecimento pequeno-burguês, reformista e chauvinista da social-democracia. Não por acaso, esta cegueira levou Michels ao arrependimento, à capitulação e à traição, acabando como membro do partido fascista e professor na Itália de Mussolini, até à sua morte, em 1936.

O livro cumpriu assim uma função que terá escapado ao próprio autor: quando as burguesias europeias se preparavam para a primeira grande carnificina mundial e para a emergência do fascismo, fazia-lhes falta uma teoria da inviabilidade da organização operária para a luta de classe. Michels correspondeu à chamada, deduzindo da podridão da II Internacional a inutilidade dos esforços para criar uma organização operária de combate. Pela mesma altura, como se sabe, Lenine tirava da falência da social-democracia conclusões diametralmente opostas e formulava os princípios de um partido revolucionário de novo tipo.

Dito isto, poderá pensar-se que o livro não tenha interesse. Pelo contrário, estamos perante um documento histórico valioso, pelo levantamento riquíssimo que contém das taras e do apodrecimento dos partidos operários no princípio do século. Julgando estar a demonstrar a inviabilidade da democracia nos partidos operários e nos sindicatos, Michels deixou-nos uma das mais completas autópsias da social- -democracia do seu tempo. Um alerta que se mantém plenamente actual, já que, na luta pela organização proletária de combate ao capital, continuamos a debater-nos com obstáculos maiores ainda que os de há cem anos.


Inclusão 21/08/2019