Atentados Empurram Reformistas para a Direita

Francisco Martins Rodrigues

25 de Julho de 2005


Primeira Edição: Política Operária nº 101
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: Licença Creative Commons licenciado sob uma Licença Creative Commons.

Alguns dias depois dos atentados de Londres, Política Operária fez circular um comunicado, no qual se diz, nomeadamente, que

“a barbárie dos métodos de luta usados em Londres ou em Madrid é um pálido reflexo da bárbara guerra colonial conduzida desde há anos pelo imperialismo EUA, com o apoio de Blair e de outros governantes europeus, contra os povos do Médio Oriente. Se na Europa as vítimas inocentes se contam por centenas, no Iraque, na Palestina, no Afeganistão sobem já às centenas de milhares”.

E mais à frente:

“As populações ocidentais sentem-se naturalmente abaladas por ocorrerem atentados nos seus países. Mas a maioria assiste de modo passivo às políticas criminosas dos seus governos. É nesta passividade que governos e meios de comunicação se apoiam para fazerem a máxima exploração dos atentados, procurando novos argumentos para limitar liberdades, cortar direitos e prosseguir a agressão externa. Essa passividade permite que continuem no poder os responsáveis por violações dos direitos humanos e das leis internacionais – e esse é que é o verdadeiro perigo”.

O comunicado termina propondo a todas as forças de esquerda um entendimento urgente em torno das seguintes reivindicações:

“Exigir que o governo retire o apoio dado à agressão e à ocupação do Iraque; exigir a anulação do acordo com os EUA sobre a base das Lajes; exigir o regresso das tropas enviadas para o Afeganistão; e não permitir a montagem de um sistema pidesco de vigilância dos cidadãos a pretexto da segurança”.

Não obtivemos qualquer resposta.

O Bloco apela à polícia

Os atentados terroristas nas metrópoles do “Ocidente” estão a provocar na nossa esquerda reformista, receosa de perder votos e ser posta à margem dos partidos “responsáveis”, uma cómica dança sobre brasas, na ânsia de demonstrar que o seu anti-imperialismo não a impede de ser exemplarmente antiterrorista.

Logo após os atentados de Londres, o Bloco de Esquerda saiu a público a pedir que “sejam descobertos e punidos os criminosos”. A UDP condenou “os atentados bárbaros que instalam o medo e propagandeiam o fascismo” (A Comuna, Julho) e declarou: “Somos contra o terrorismo islâmico, que se insere no recrudescimento do campo fascista, e contra ele defendemos a democracia e que sejam usados todos os meios necessários para o prevenir e combater, no respeito da liberdade e dos direitos democráticos…” (Resolução do congresso de Abril).

Naturalmente, o Bloco de Esquerda também condena a guerra de Bush e exige a paz. Mas a sua formulação equivale a dizer: “Para nós não sermos atingidos pelos atentados terroristas, temos que exigir a paz”. E isto é muito diferente de dizer: “Os povos do Médio Oriente são vítimas de uma agressão bárbara e nós estamos a sofrer apenas o ricochete do terror praticado pelos nossos governos”. O Bloco inverte os termos da questão. Por isso mesmo condena o “terrorismo fundamentalista islâmico” e não fala no terrorismo democrático-imperialista. Por isso chama aos autores dos atentados “criminosos”, “bárbaros”, “fascistas”, e aos nossos próprios governantes imperialistas, apenas “mentirosos”.

“Onde está o inimigo?”

A 25 de Julho, num comício de Nós-UP em Compostela, na Galiza, Francisco Martins Rodrigues comentou esta tendência dos partidos da área da esquerda para se associarem ao campo “antiterrorista”.

“Isto é uma estupidez – afirmou –, por duas razões. Primeiro, porque é absurdo pensar que os nossos países podem fazer a guerra a outros e não sofrer as consequências. Na realidade, só pela esmagadora superioridade militar do Ocidente é que as baixas do nosso lado não são maiores; se a guerra actual fosse em condições de igualdade, teríamos mísseis do campo contrário a cair sobre Londres ou Roma, tal como os “nossos” mísseis arrasaram Faluja e Bagdad; sofreríamos então, não centenas mas dezenas de milhares de vítimas inocentes, como eles sofrem”.

“É uma estupidez, em segundo lugar, porque as novas leis antiterroristas, a vigilância global, a coordenação das polícias, não visam só os autores dos atentados; visam a própria esquerda. Pedir o reforço das polícias e da vigilância é pedir a repressão que amanhã cairá sobre nós próprios”.

A esquerda, disse a concluir, tem uma resposta clara a dar ao pânico das populações, temerosas de novos actos de terror: “Querem acabar com o terrorismo? Reclamem agora a retirada de todas as tropas de ocupação, a demissão dos governantes criminosos que nos envolveram nesta guerra, o pagamento de indemnizações às populações vítimas da invasão, sanções a sério contra os fascistas sionistas, punição exemplar para os racistas e xenófobos…” Porque “os culpados pelos atentados estão à nossa frente, são os nossos governos; o inimigo está no nosso próprio campo, é a nossa burguesia.”


Inclusão 10/11/2016