O Nosso Fascismo Caseiro

Francisco Martins Rodrigues

Março/Abril de 2006


Primeira Edição: Política Operária nº 104, Março-Abril 2006
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Na passagem do 32° aniversário da queda do fascismo salazarista, como vamos quanto às “sagradas liberdades”? Só gente muito distraída não nota que, sob o aparente mar morto da vida pública, vão abrindo caminho forças ameaçadoras. Eu podia aqui falar dos “nossos rapazes” no Afeganistão, da banalizaçào das escutas telefónicas, das manifestações fascistas do 10 de Junho sob protecção policial, da autêntica comoção nacional racista criada em torno do “arrastão de Carcavelos”... Mais grave ainda, parece-me, é o à-vontade com que vão sendo proferidas declarações fascistas nesta terra do “Abril sempre”.

Luis Salgado Matos, que dispõe de uma coluna cativa no Público, não sei se como porta-voz dos “católicos progressistas”, defendeu, na edição de 13 de Fevereiro, a urgência de um ataque militar ao Irão. Condenando o “espírito contemporizador dos europeus”, Salgado de Matos argumenta que “a vantagem de uma intervenção preventiva rápida” será “evitar mais negociações, que têm permitido o rearmamento persa”. E propõe, ou uma “intervenção cirúrgica sobre os centros nucleares”, ou “um golpe de Estado democrático" que derrube o actual governo.

Aplaudindo a doutrina, o director do jornal, José Manuel Fernandes, reforça, em editorial na mesma edição: “Por brutal que tal pareça, não basta dizer que se consideram soluções militares: é preciso começar a prepará-las”. E isso, observa, exige firmeza contra o perigo "que vem de dentro”, os “cegos voluntários”, as vozes dos derrotistas. Como ele próprio escreveu noutro editorial, há meses, o principal é “detectar o ovo da serpente por baixo do soalho das nossas casas": a insidiosa propaganda do islão, da violência, do fanatismo...

No mesmo espírito, denunciava também Manuel Lucena, há algum tempo, no DN, os “entendimentos” entre “fundamentalistas islâmicos e elementos de extracção comunista, esquerdista ou ecologista”, que “tenderão a servir-se uns aos outros”. E António Ribeiro Ferreira avisava que “a guerra contra o terrorismo é também a guerra contra esses idiotas úteis que apoiam e justificam os bárbaros”, que “berram contra a limitação de direitos e garantiase “contra Guantánamo.

Há quem olhe estas tiradas como mero fervor pró-americano, gratuito ou pago à linha, à não merecer outra reacção senão a nossa proverbial “serenidade democrática”. Há quem reaja com a mesma “serenidade” às actividades do PNR (Partido Nacional Renovador) e do seu “braço armado”, a Frente Nacional”, sem entender que a tecla do racismo não é uma mera mania de fanáticos, mas uma opção deliberada para ir ganhando espaço junto dos sectores mais atrasados da sociedade e crescer eleitoralmente.

A preparação dos espíritos para aceitar como normal uma “democracia musculada” é tarefa indispensável da burguesia quando se perfila um dia-a-dia de desemprego, trabalho precário, ataque aos direitos mínimos dos assalariados, exclusão dos guetos e aventuras guerreiras. Esta campanha pela fascização do regime, é urgente que a enfrentemos. Talvez esteja na hora de as forças de esquerda se entenderem quanto a uma plataforma de acção contra a guerra, o racismo e o fascismo.


Inclusão 07/05/2018