A Herança de Cunhal

Francisco Martins Rodrigues

Março/Abril de 2007


Primeira Edição: Política Operária nº 109, Mar-Abril 2007

Fonte: Francisco Martins Rodrigues Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando Araújo.

Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.


capa

Obras escolhidas, vol. I (1935 1947), Álvaro Cunhal. Editonal Avante, Lisboa, 2007

Para assinalar a passagem do 86º aniversário da sua fundação, o PCP lançou o primeiro dos oito volumes que formarão as Obras escolhidas de Álvaro Cunhal. Na ocasião, Jerónimo de Sousa afirmou que “as ideias de Álvaro Cunhal permanecem actuais e irão formar novas gerações de comunistas”. Pela sua parte, Francisco Melo, director da Editorial Avante, considera, no prefácio, “estarmos perante o maior pensador político do século XX em Portugal”.

Este fervor, compreensivo da parte dos que se alimentam da herança de Cunhal, não tem qualquer suporte objectivo. Sem dúvida, as ideias de Álvaro Cunhal tiveram um papel muito importante na resistência do povo português ao fascismo; a sua obra escrita fornecerá material útil aos estudiosos da luta antifascista e da historia do PCP. Mas daí até considerar que lá se encontram respostas para a actualidade, capazes de “formar novas gerações de comunistas”, vai uma enorme distância. As ideias de Álvaro Cunhal, ao mesmo tempo que desacreditaram e minaram a ditadura fascista, contribuíram para aprisionar a resistência operária e popular no terreno da colaboração subalterna com a burguesia democrática. Recordem-se os efeitos práticos dos seus slogans sobre a “unidade de todos os portugueses honrados”, a “aliança Povo MFA”, a “Revolução democrática e nacional” e a “democracia avançada a caminho do socialismo”. Cunhal só pode ser considerado “o maior pensador político do século XX em Portugal pelos que continuam convictos de que o papel dos trabalhadores na actual etapa do capitalismo é fazer força por baixo, sem ambições de poder, sem outro programa que não seja o de pressionar um sector da burguesia a afrouxar um pouco as cadeias da escravidão assalariada.

O que a história registará — a história do campo dos oprimidos, entenda-se, não a oficial — é que as ideias e a acção política de Álvaro Cunhal estimularam, mesmo se involuntariamente, a modernização do atrasado capitalismo português, não o agrupamento do exército de classe chamado a derrubá-lo. Sob a influência das ideias de Cunhal, o proletariado português foi desviado dos horizontes da grande revolução social anticapitalista — que não será fácil nem estará próxima, mas que é a tarefa única que defronta os oprimidos pelo capital.


Inclusão 26/08/2019