Cartas

Francisco Martins Rodrigues


Cartas a HN


Carta 1
19/3/1995

Caro Amigo:

A sua carta foi uma agradável surpresa. Não é todos os dias que nos chegam saudações tão amigas e calorosas como a sua. O nosso pequeno núcleo editor da P.O. conta com apoios e colaborações preciosas mas infelizmente escassas e, ao longo destes dez anos que já levamos de caminho, cada vez mais escassas. Vivem-se tempos em que o comunismo não está na moda e as pessoas arredam-se de nós, umas por preconceito, outras intimidadas com a campanha da comunicação social, todas achando-nos mais ou menos excêntricos ou antiquados, por teimarmos em dizer coisas óbvias. Mais saborosa por isso a sua carta, que espero não seja a última.

Pelo que me relata fico com uma ideia dos baldões que deve ter sofrido, aliás como quase todos os aderentes dos grupos ML. Foi uma corrente de ideias que não vingou, embora tenha dito muita coisa acertada e desempenhado um certo papel durante a agitação de 74/75; tendo sido um dos seus iniciadores no nosso país, custa- me reconhecê-lo mas não posso deixar de o fazer.

O mal de partida (em que tenho a minha pesada parte de responsabilidade) foi pensar-se que a crítica à degeneração evidente da URSS devia traduzir-se pelo apoio incondicional ao período anterior (Staline) e aos que mantinham essa bandeira: a China, primeiro, a Albânia, depois. Ora, isso continha um compromisso no qual se deixou ir por água abaixo a capacidade de crítica marxista radical com que tínhamos partido e nos fomos cegando aos poucos, até que a corrente ML se desagregou no meio duma confusão tremenda, que não teria sido inevitável, mesmo que houvesse um recuo temporário.

Houve, é claro, os estragos causados pelos oportunistas. Houve quem fizesse muita trampolinice com o marxismo-leninismo enquanto se julgou que era produto com saída assegurada no mercado, que permitia agrupar umas tantas pessoas, fazer uns comícios e ganhar o apoio de algum país "socialista". Isto aplica-se a quase todos os grupos, uns em maior, outros em menor grau. Quando veio a derrota do movimento e a desilusão, os que mais se tinham destacado em declarações inflamadas contra a burguesia e o imperialismo sentiram-se obrigados a renegar bem alto, para terem direito a sentar-se à mesa...

Mas misérias destas são inevitáveis em período de agitação, todo o processo revolucionário tem os seus parasitas. Pior foi a falta de lucidez marxista dos sinceros marxistas (e aqui contra mim falo). Tardámos muitíssimo em compreender as chamadas sociedades socialistas, em saber combinar a defesa intransigente das revoluções que lhes deram origem (russa, mas também chinesa, cubana, etc.) com uma crítica igualmente intransigente aos regimes que delas resultaram. Não percebemos que esses regimes eram transitórios, híbridos, e, como tal, iriam desaguar no grande rio do capitalismo. Tardámos em compreender que o fracasso dessas revoluções não foi culpa dos comunistas ou devido a traição deste ou daquele dirigente, mas porque as condições de atraso desses países não lhes permitiam dar o salto que os explorados e os comunistas desejavam. Marx já tinha dito que não se podia esperar a transformação comunista antes de se passar pela explosão produtiva que o capitalismo traz e o próprio Lenine fartou-se de fazer avisos sobre as limitações da revolução bolchevique, que foram depois considerados pessimistas.

Como não chegámos a uma visão de conjunto, coerente, do que eram essas sociedades, oscilámos entre posições igualmente erradas - uns desculpando tudo o que vinha da "pátria do socialismo", outros considerando-a como "o inimigo principal dos povos", outros ainda convencendo-se de que a China "boa" jamais seguiria as pisadas da URSS, etc. Foi preciso a derrocada do "campo socialista" para olharmos todo o processo com maior distanciamento e frieza. Agora que se fechou o parêntese, verifica-se que era Marx que tinha razão e que os marxistas não lhe deram ouvidos. Escrevo um pouco sobre tudo isto num artigo que Fiz para a próxima P.O. e que espero que leia. Temos muito orgulho na nossa P.O., em que andamos a batalhar desde 1984, mas não temos ilusões de que o nosso trabalho nestes dez anos no campo do marxismo-leninismo tenha sido alguma coisa do outro mundo. Temos progredido muito mais devagar do que seria necessário. E nestes períodos de refluxo da revolução que se pode aproveitar melhor o tempo para fazer balanços e traçar ideias gerais úteis num próximo ascenso, mas os nossos balanços e programas estão muito inacabados. Se daqui amanhã rebentasse uma nova grande comoção proletária e popular neste país (do que estamos bem livres pelos anos mais chegados...), os comunistas iam ver-se outra vez em palpos de aranha: como assegurar no partido comunista uma boa combinação de centralismo com democracia? como fugir à inevitável tendência de apodrecimento do movimento sindical? como explorar em nosso proveito a farsa das eleições burguesas? como evitar a hegemonia pequeno- burguesa sobre as massas proletárias? como conduzir o movimento revolucionário a fazer frente à repressão burguesa e a encaminhar-se para a conquista revolucionária do poder? como fazer vingar uma autêntica democracia proletária que não se deixe cair sob a pata da burocracia?

Já se sabe que estes problemas são para resolver na luta, não em gabinete, mas é preciso que os erros do passado estejam devidamente apontados e "catalogados", para evitar que o movimento os repita por falta de conhecimentos. Uma das manifestações mais duras que encontrei do atraso do marxismo no nosso país e na nossa extrema-esquerda foi ver a ingenuidade arrogante com que militantes nascidos no calor da luta achavam que o caminho se descobre espontaneamente e olhavam desconfiados para as minhas preocupações "teoricistas" e "livrescas". Enquanto o nosso movimento operário for dominado por esse culto da ignorância não poderá ir muito longe. Falta-nos ainda muito para chegar a algo que se possa chamar a "fusão do marxismo com o movimento operário".

É claro que é preciso acompanhar o sentir do movimento, manter laços com ele, aprender com as suas lutas e nesse aspecto o balanço do nosso grupo também é modesto. Como somos um grupo reduzido (mais reduzido agora do que quando começámos), temos dificuldade em estar presentes nas lutas que se travam e em fazer agitação nos meios operários. A esse propósito, não sei se tem alguma disponibilidade para recolher alguma entrevista ou depoimento de trabalhadores emigrados aí na Suíça, seria uma boa ajuda para nós. Temos aí em Genève um camarada que já nos tem obtido algumas colaborações interessantes mas há muito tempo que não dá sinal de vida.

Para além da revista, cuja distribuição é outra luta que enfrentamos a cada número, lançámo-nos no ano passado no campo da edição de livros. Junto um catálogo para lhe dar a conhecer o que já fizemos e o que temos em preparação. Fora disso, há intervenções no plano sindical, na luta contra o racismo (que vai crescendo a olhos vistos), mas tudo em escala muito incipiente.

Agradeço muito a oferta do livro "Fin del capitalismo", de que nunca tinha ouvido falar; vou lê-lo atentamente e passá-lo aos outros camaradas do comité de redacção para se analisar da vantagem e possibilidade duma edição portuguesa.

Não sei se esta carta, escrita a correr, lhe deixa alguma impressão de pessimismo, mas se for esse o caso, não se preocupe; é jeito meu ver mais os erros do que os acertos. No balanço final, sou firmemente optimista quanto à inevitabilidade de deitarmos para o lixo o capitalismo e passarmos a viver como seres humanos, em comunismo. E esse de facto o único assunto que me interessa, de há uns 50 anos para cá.

Aceite as minhas saudações calorosas.

Carta 2
8/6/1995

Caro Camarada:

Depois duma autêntica corrida de semanas para dar a P.O. como pronta, venho pôr a correspondência em dia e agradecer a forma como correspondeu ao pedido de colaboração que lhe tinha feito. A entrevista sai neste número, assim como algumas das suas opiniões e sugestões na secção de Cartas, embora não seja possível na íntegra. Julgo que este n° 50 não desiludirá os leitores e amigos da revista Agora interrompemos, como habitualmente, durante o Verão e cá estaremos de novo em Outubro. Pensamos nessa altura, como se completam os dez anos sobre a saída do n° 1 da revista, promover um convívio-debate com amigos sobre os temas que hoje preocupam os comunistas em toda a parte: que fazer? por onde recomeçar? como avançar? Estou a ler os livros de Arenas que me ofereceu e creia que não lhes diminuo o valor. Será um dos meus trabalhos de Verão.

Espero que tenha recebido em boas condições os livros da Dinossauro que tinha pedido. Vi que enviou 10.000$, quantia muito superior ao custo, pelo que o inscrevemos no Clube Dinossauro com o saldo daquela importância em crédito. Também procuraremos fazer sair mais algum título por altura das “festas” de Outubro, ainda não sei o quê.

Carta 3
7/7/1995

Caro Camarada:

Deu-me prazer a nossa conversa telefónica e a tua carta de 30/6, por ver que apreciaste a P.O. e que os livros da Dinossauro te levaram a pôr em paralelo as lições da Comuna de Paris e da nossa tímida "revolução" de 1974/75. Fizemos seguir para o teu endereço a primeira parte da encomenda feita telefonicamente pelo Z: 5 exemplares de cada. À medida que vos for necessário, enviaremos mais. Não achamos seguro mandar grandes encomendas duma só vez porque às vezes extraviam-se. Da P.O. 50 é que, de momento, não há mais exemplares - esgotou-se, mas ainda receberemos devoluções da distribuidora. Junto também a factura por este primeiro envio, que peço passes ao Z. Vocês irão saldando a despesa à medida que cobrarem dos compradores.

Quanto ao teatro, ainda não consegui falar com nenhuma das pessoas. Para já, aqui vão as moradas:

Se quiseres, podes dizer que te diriges a eles por sugestão minha. Acho que terão boa vontade. Entretanto, se conseguir contactar algum pelo telefone, falo-lhe já no caso.

Por agora, é tudo. Quando houver algo de concreto acerca de Outubro, escrevo.

Um abraço para ti, outro para o Z.

Carta 4
6/9/1995

Caro Camarada:

Soube do teu telefonema e apresso-me a escrever. O intervalo foi de facto grande mas temos estado em férias, ora uns, ora outros, e só recentemente assentámos na data para o encontro: 22 de Outubro. Acho que não choca com os vossos compromissos aí. Brevemente enviarei um documento para discussão no encontro. Também já começámos a preparar a P.O. 51, que sairá para a rua na primeira semana de Outubro.

Por aqui, a única coisa que ocupa a televisão, rádio e jornais é a campanha eleitoral, mas a maioria das pessoas estão cansadas destas guerras e tratam da sua vida. De qualquer maneira, é possível que o PS ganhe por pequena margem, e tudo vai continuar na mesma: o PS vai continuar a mesma política de direita que a Europa manda, mas acho que ninguém ficará muito admirado porque já não há ilusões em governos “socialistas”, como houve em tempos.

Recebemos um vale teu de mil escudos, que registámos como pagamento de livros. Espero que nos vejamos mesmo a 22 de Outubro e que haja tempo para conversarmos, na reunião e fora dela. A propósito: como pensam vocês hospedar-se enquanto cá estiverem? Deveremos procurar alojamento? Embora não seja fácil, pois todos têm casas pequenas, alguma coisa se descobrirá se necessário. Diz alguma coisa. Aceita um abraço.

Carta 5
10/12/1995

Caro Camarada:

Chegou aqui há 15 dias uma carta tua de 17 de Setembro. Crises dos Correios... Espero que tudo por aí esteja a correr bem. Aqui, apesar do golpe(1) que tivemos, as coisas não vão mal. Já conseguimos recuperar uma parte do dinheiro e esperamos que até ao fim do mês entre outra parte. Temos trabalho e vamos com a empresa por diante, que é o nosso ganha-pão para poder manter a P.O. Foi hoje para a tipografia o n° 52, que devem receber aí dentro de uma semana. Desta vez não tem colaboração do comité regional de Genève mas espero que no próximo número haverá alguma coisa. Põe-te em campo com o Z e arranjem-nos alguma coisa; por exemplo, mais uma entrevista com emigrantes; não é preciso ser pessoa com as nossas ideias, basta que conte coisas concretas e interessantes sobre a sua vida aqui em Portugal, porque emigrou, o que tem a dizer sobre o tratamento dado aos emigrantes pelas autoridades suíças, como está o desemprego aí, condições de trabalho, etc. Também pedimos recortes da imprensa daí que tenham coisas aproveitáveis para a P.O. Estamos a pensar dedicar o n° seguinte da P.O. à questão do desemprego e gostaríamos de ter elementos sobre a situação, sobretudo na Europa.

Neste n° carregámos sobretudo na questão das tropas para a Bósnia e nas eleições. Em qualquer destes assuntos, a nossa posição é mal aceite pela maioria das pessoas da área da esquerda, acham-nos “sectários”, “esquerdistas”, etc. É por isso que não conseguimos romper o isolamento, mas que lhe havemos de fazer? Temos que dizer aquilo que achamos mais justo, do ponto de vista dos interesses a longo prazo do proletariado. Esperemos que algum dia mais pessoas reconheçam isso. Sobre estes dois pontos em concreto: Não às tropas para a Bósnia e abstenção eleitoral, gostaríamos de conhecer as vossas opiniões.

Foi pena que o nosso conhecimento tenha sido em condições tão desagradáveis, devido ao golpe que nos foi dado e que quase fez abortar a festa de aniversário que pretendíamos ter. Haja confiança que no 20° aniversário será melhor... Abraços.

Carta 6
13/2/1996

Caro Camarada:

Respondo às tuas duas cartas de 25/12 e 31/1, que nos deram bastante satisfação. A entrevista já não veio a tempo da PO 53, que já está na rua. Talvez a esta hora já a tenhas recebido. Fica para o próximo número. Já a meti em diskete e tive que lhe fazer alguma adaptação, para a reduzir um pouco e sobretudo para dar um tom mais de conversa. Quando as perguntas e respostas são por escrito, nota-se sempre no estilo que fica muito literário, abstracto. Para as próximas, terás que arranjar um gravador (serve desses baratinhos como nós temos) e pôres-te a conversar com o entrevistado, sem qualquer preocupação. A conversa vai-se desenvolvendo normalmente e as perguntas vão-te ocorrendo à medida que o interlocutor falar, há interrupções, esclarecimentos. Não te preocupas com o tamanho, interessa é sacar-lhe histórias, casos pessoais, experiências. É isso que dá vida à entrevista. Depois mandas para cá a fita gravada e nós desgravamos e ajeitamos. Que dizes?

As nossas felicitações pelo vosso trabalho teatral e votos de boa continuação. Lemos os sketches e, se bem que o tipo de público emigrante não permita, ao que julgo, grandes atrevimentos políticos, está aí bem marcada uma pedagogia democrática que deixará as suas marcas na cabeça das pessoas. O MV tem estado finalmente a dar toda a força no seu boletim de notícias, que vai ser expedido amanhã pelo correio. Já conseguimos interessar alguns camaradas que lhe têm dado uma boa ajuda e, embora limitado no plano financeiro, o projecto é para continuar. Ele passou-nos os jornais que vocês mandaram. Por último, tomo nota das colaborações PO que o “comité regional” tem em preparação e fico à espera. Já sabes, para entrar no n° 54, terá que estar na nossa mão até dia 22 de Abril, o mais tardar.

Por agora é tudo, caro camarada. Abraços para ti e para o Z e desejos de bom trabalho.

Carta 7
17/7/1996

Caro Camarada:

A entrevista vai sair no próximo número. Arranjei e encurtei, porque a linguagem escrita nunca é igual à falada, e acho que ficou interessante, sobretudo por ser uma experiência de mulher. Se puderes continuar a mandar “retratos da emigração” de vez em quando, serão bem-vindos. O António Castela relatou-nos os contactos convosco e veio contente por ter sido tão bem recebido.

Por aqui, tudo dorme... mas nós esforçamo-nos por não ir na onda. Já estamos a preparar a P.O. para depois de férias. Penso iniciar uma série de artigos sobre episódios da história do PC, tudo depende do tempo disponível. Quanto à Dinossauro temos em perspectiva um livro de ficção sobre a guerra colonial, escrito por um oficial do exército, um texto dum marxista do Senegal sobre a destruição de África pelo imperialismo. O resto é surpresa... O MV está a preparar o Contraponto n° 3, talvez saia lá para Setembro. Ele é forçado a regressar a Paris em fim de Agosto, para não perder o emprego.

Quanto a outro tipo de actividades mais organizativas, não deixamos de sondar as pessoas à nossa volta mas o estado de espírito geral é de esperar para ver... A empresa vai andando e a dívida tem continuado a ser paga, de modo que vemos o nosso futuro económico mais desanuviado. E por aí, como vão os teatros, as vossas actividades? Sempre que apanhes jornais ou revistas de esquerda, em francês (alemão não vale a pena) manda, para nós estarmos informados. Abraço de todos nós.

Carta 8
21/10/1996

Caro Camarada:

Estou a responder às tuas cartas de 3 e 6 de Setembro, desejando que te encontres de saúde e com a energia do costume. A P.O. 56 está na tipografia, esperamos poder fazer a distribuição amanhã. Como verás quando a receberes, houve desta vez acumulação de textos grandes, que nos obrigaram a retirar várias colaborações, entre elas o depoimento que enviaste. Fica para a próxima, tal como um artigo meu que tenho vindo a trabalhar, sobre o tema do Imperialismo. O Bitot é muito interessante e esclarecedor, mas no segundo livro dele, “Le Communisme n’a pas encore commencé” (que só existe em francês), apresenta, quanto a mim, uma forte incompreensão do fenómeno do imperialismo. O AN, embora lhe faça algumas críticas acertadas, na troca de cartas que publicamos nesta P.O., também acaba por lhe fazer algumas concessões e desvaloriza o trabalho de Lenine a este respeito. Espero por isso poder publicar na próxima P.O. um artigo claro sobre este assunto. Se se percebe a mecânica da concentração do capital mas se omite a espoliação e opressão dos países ricos sobre os países pobres, vamos por mau caminho. E muito fácil a quem vive na Europa esquecer-se que o avanço capitalista repousa sobre biliões de miseráveis do Terceiro Mundo.

Quanto ao depoimento-proposta que assinas em conjunto com o JM, ele retoma uma preocupação que já exprimiste anteriormente numa outra colaboração saída na P.O.: tomar medidas práticas para sair do impasse a que chegámos, atrevermo-nos a criar um núcleo orgânico, mesmo pequeno como seria esse Centro Marxista Popular, para tentar crescer a partir daí. Só posso apoiar a ideia e espero que a publicação do artigo desperte algumas vontades adormecidas. Tencionamos fazer até ao fim do ano um encontro com alguns camaradas e aí tentaremos ver a receptividade à ideia. Mais não te posso dizer, pois como deves ter constatado quando da vossa visita a Portugal, o problema actual do grupo P.O. é estar reduzido a tão poucas pessoas activas que fica esmagado só pelas tarefas da edição da revista, de um ou outro livro e da gestão da gráfica. Fizemos em Junho uma pequena reunião e os resultados não foram nada animadores, pois amigos que outrora já foram activos e agora estão desmobilizados só abrem a boca para pôr defeitos à P.O. e quando solicitados a colaborar no melhoramento, respondem que a sua vida não permite...

Enfim, creio que a atitude destas pessoas só se modificará quando algum acontecimento da luta de classes, nacional ou internacional, as sacuda do torpor e desânimo em que caíram. Há que confiar que gente nova também aparecerá, por força. Mas voltando ao teu artigo: proponho-me portanto incluí-lo na próxima P.O., fazendo alguns melhoramentos de redacção, desde que me dês autorização para isso. Para além das emendas que indicas na tua carta, eu aconselhar-te-ia, em futuros escritos, a usares mais a frase curta, porque as ideias encadeadas umas nas outras em frases muito extensas obrigam o leitor a muito maior atenção e daí até ao cansaço e ao pôr a leitura de lado vai só um passo...

A entrevista com a MM vem já neste número. Peço que lhe dês as minhas saudações e o pedido de que nos prepare um artigo sobre a condição da mulher trabalhadora na Suíça, como ela diz no fim da entrevista. Factos concretos, sem preocupações de teorizar muito. Pode ser bem interessante.

Assinatura P.O. — a tua assinatura está válida até ao nº 59, não precisas de te preocupar. Quando estiver prestes a caducar receberás um postal de renovação. Espero que nessa altura decidas assinar, caso contrário vou aí ajustar contas contigo.

Livro soviético sobre a religião — não sei do que se trata, lamento não te poder ser útil.

História do PC — já vem neste número um primeiro artigo, agora quero ver se mantenho a passada; material não me falta, com base na minha experiência. Vamos a ver se os artigos não ficam muito chatos, os leitores de hoje já pouco se interessam por essas histórias de outros tempos.

Dinossauro — o monstro sai da toca na próxima quinta-feira, para apresentar mais um trabalho: a novela “Kianda - O Rio da Sede”, do capitão Álvaro Fernandes, que foi pessoa muito em destaque na altura do Verão Quente de 75 pelo seu apoio à corrente da extrema-esquerda. São episódios da guerra colonial contados por quem lá esteve; a piada é ele dar alternadamente a luta vista do lado dos portugueses e do lado dos guerrilheiros. Pode ser que mais algumas cabeças deste país comecem a perceber que aquilo foi um crime colectivo em que não só o Salazar teve culpas. Agora que o ambiente por aqui é todo de regresso a África, creio que o livro é oportuno. Mando-te para já 3 exemplares, para tu e o Z angariarem por aí alguns compradores. As próximas edições Dinossauro ainda não se sabe quais são e quando são, tudo depende das massas, que estão curtas...

Jornais suíços — recebemos a batelada e vi que o Quotidien é progressista, mas para a próxima agradeço que mandes só os recortes do que te parecer mais útil para nós. Recebemos vários números do Solidarité mas só o que tu nos mandaste, não temos nenhuma assinatura.

Contraponto — Combinámos com o MV Vaz ele continuar em Paris a coligir os materiais, fazer e expedir pelo correio (o que ele diz que pode conseguir sem grande despesa), dando-nos a conhecer previamente o conteúdo de cada número. Aguardo agora notícias dele a este respeito, vou-lhe escrever.

Máquina de escrever eléctrica — Esse artigo está muito desclassificado nesta era dos computadores. Ainda não me informei mas vou saber e digo-te.

Marx e Engels em português — Conhecermos o seguinte, além do Capital. -------------------. Queres algum   deles?

Por agora é tudo. Aceita um abraço

Carta 9
14/2/1997

Caro Camarada:

Respondo à tua carta de 28 de Janeiro. A PO 58 está na tipografia, desta vez atrasámo-nos mesmo, mas tenho tido complicacões familiares (somos uma casa de velhos doentes —excepto eu, claro, que não sou doente e muito menos velho). Como a equipa já é pequena, isto foi o bastante para termos um atraso duns quinze dias. Mesmo assim, este número tem mais colaboradores do que tem acontecido ultimamente. A vossa proposta do Centro Marxista suscitou uma carta de um colaborador, desfavorável. Não vejo razão para contrapor, como ele faz, o estudo do marxismo para um lado e a intervenção política para outro. Mas é um ponto de vista, aguardemos que mais leitores se sintam motivados para intervir sobre o assunto.

Já comecei a ler o material que me mandaste da revista Dialéctica. O Adam Schaff levanta de facto muitos problemas interessantes mas tem a pecha de conceber sempre o socialismo de forma a não desagradar à burguesia. Já aqui há anos criticámos na P.O. um artigo dele numa revista que por aí apareceu, “O Socialismo do Futuro”, com grande reclame, mas que teve um futuro muito curto. Em todo o caso, é sempre muito instrutivo ler pontos de vista diferentes e, se for capaz, farei uma nota sobre o assunto para a próxima PO. Quanto à sugestão que dás de eu colaborar nessa revista, é que me parece pouco realista:

1º) eu já mal consigo manter a PO/Neograf/Dinossauro a flutuar; tinha que dedicar bastantes horas a preparar esses tais artigos, que teriam que ser diferentes dos da PO; 2º) a Dialéctica parece-me uma revista de gente “séria”, universitária (oportunista), e pontos de vista como os meus são aí considerados “sectários” e impublicáveis. Tenho sido criticado por vários camaradas, já por mais de uma vez, por não fazer mais esforços para fazer publicar artigos meus na grande imprensa, fora do círculo restritíssimo da PO, mas confesso-te que isso hoje me aparece como um desperdício de tempo. Tenho que poupar bem os meus esforços porque as capacidades já não são muitas e não me sinto com pachorra para andar em luta com as redacções para conseguir que me aceitem artigos. A experiência que tive com o Público aqui há meia dúzia de anos e a censura descarada que me fizeram quando foi da guerra do Golfo serviram-me de lição: para ser publicado, eu teria que me autocensurar, evitar certas expressões mais agressivas, dizer certas coisas só por meias palavras... enfim, não dá. Ao menos, na PO, posso fazer fogo à vontade e chamar os bois pelos nomes. Faz bem à saúde.

Bem, caro camarada, por agora é tudo. Agradeço a atenção em me mandares recortes e espero que continues e que arranjes alguma colaboração para a próxima PO: Espero que a tua saúde e da família vá bem. Abraços do pessoal para ti e para o Z.

Carta 10
16/6/1997

Caro Camarada:

A P.O. está na tipografia e, como de costume, meto-me a pôr em dia a correspondência, escandalosamente atrasada. Nos últimos meses, para complicar as coisas, os meus problemas familiares (mãe com 91 anos e três irmãos doentes, todos velhos e solteiros) têm-se embrulhado de tal maneira que a minha produção tem sido muito dificultada. Mesmo assim, nesta P.O. enfiei dois artigos grandes, um de história do PC e outro de resposta ao AN, acerca do tema do imperialismo. Acho que ele está influenciado por certa teorias que minimizam o papel do imperialismo, julgam ver o centro da revolução mundial na Europa e encaram com superioridade os países atrasados do “terceiro mundo”. É uma perspectiva perigosa porque abre a porta ao reformismo, como se viu com os velhos Pcs. Enfim, vocês verão o que acham.

Na parte da vossa colaboração, vão ter razões para ficar zangados comigo, pois guardei tão bem os dois textos que enviaste que lhes perdi o esconderijo e não puderam ser incluídos. Só agora, depois da P.O. pronta e quando fiz uma limpeza geral à papelada consegui descobri-los. Irão entrar na próxima P.O., um como carta (resposta a C. Nunes) e o outro como artigo (resposta a Af. Gonçalves). Desculpem o mau jeito mas foi resultado da acumulação de trabalho. Entretanto, podem mandar mais colaboração para o próximo número, que só sai no começo de Outubro (fecho da redacção = 20 de Setembro), visto que fazemos as habituais férias de Verão. Seria conveniente, em minha opinião, que as vossas colaborações localizem melhor o tema central e procurem aprofundar a argumentação em tomo dele, evitando as demasiadas generalizações que alongam o texto tirando força à argumentação. Claro que vocês me deixam sempre à vontade para fazer cortes e adaptações mas eu gostaria de evitá-lo, pode-se deturpar sem querer aquilo que o autor queria transmitir.

O 1º de Maio correu normalmente, entrámos na manifestação da CGTP com a nossa faixa e o nosso manifesto, que despertou interesse. Em seguida fizemos o lanche de confraternização, com 30 pessoas, e que deu para vender livros e recolher alguns fundos. Uma semana depois, fizemos um colóquio no teatro da Comuna (só apareceram 20), que decorreu com interesse, vários participantes pedem continuação. Talvez marquemos outro debate antes de começarem as férias.

A troca de cartas que houve entre a redacção e um grupo de camaradas foi um pouco agreste no tom mas não me parece que tivesse gravidade de maior. O núcleo redactorial não gostou das críticas feitas por alguns camaradas que muito pouco têm colaborado e que apareceram de repente a dizer que “devia ser assim e devia ser assado”. Mas depois de algumas explicações o diferendo aplanou-se e continuamos a trabalhar em conjunto porque os pontos de vista políticos são semelhantes. O lº de Maio foi uma oportunidade para desfazer quaisquer ressentimentos. O MV prometeu fazer o Contraponto nº 3 antes de voltar para Paris (volta para lá definitivamente em Setembro), mas está a andar devagarinho. Não o deixo ir embora sem dar o trabalho como pronto.

O Zé Morais passou por aqui como um foguete, só deu para irmos beber um copo juntos. E que tal de planos de férias? Manda notícias vossas, que nos dão sempre muito prazer. E mais publicações, recortes, etc. Um grande abraço.

Carta 11
29/12/1997

Caro Camarada:

A resma das tuas cartas por responder já começa a ser assustadora, pelo que não sei como justificar a falta de resposta atempada. Mas no fundo considero-me ilibado, porque os últimos dois meses tiveram, além dos trabalhos habituais, a sobrecarga da mudança, com transporte de montanhas de papelada, classificação, arquivo, destruição Tudo isto a descer dum quarto andar e a subir para um quinto. De tal maneira que apanhei uma das minhas crises reumáticas, mas felizmente já passou. Quem tem feito força, é claro, tem sido o Bntónio Barata, que é rapaz novo e possante. Agora, com a mudança a chegar ao fim, a PO 62 expedida (recebeste?) e dois livros novos na tipografia, posso preparar-me para entrar no novo ano com espírito tranquilo.

Teus materiais - Aproveitei passagens duma carta tua sobre as actividades dos portugueses em Genève, mas, na dúvida sobre se te causaria problemas ter o teu nome por baixo, visto que agora és vice-presidente federativo (parabéns!), resolvi assinar com um pseudónimo. Fiz mal? Do artigo teu e do Z “Os caminhos difíceis do marxismo-leninismo” que já cá está desde Setembro, por não ter cabido no nº anterior, preparei agora uma condensação que sairá no próximo número. Creio que respeita a ideia central da vossa crítica. Esse problema da distância entre o que a OCPO se propôs fazer no início e o que é actualmente a PO preocupa-nos a todos, evidentemente, mas ainda não vejo meios de sair do impasse. Procurei tocar o assunto nesta última PO (“Acção comunista em tempo de maré baixa”) e penso continuar na próxima, para tentar clarificar um problema que muito tem contribuído para a paralisia dos antigos militantes saídos do PC(R): o que estava certo e o que estava errado na nossa prática anterior, nomeadamente na intervenção sindical, alianças, combate ao PC, táctica eleitoral, e sobretudo métodos de edificação do partido? Há quem pense, e ou sou um deles, que as ideias antigas sobre táctica comunista têm que ser passadas a pente fino, porque se infiltrou muito contrabando oportunista nos partidos comunistas, desde os anos 30, a coberto da Internacional Comunista. Por onde passa o esquerdismo e onde começa o oportunismo? Esta questão esteve sempre em aberto no PC(R) e aeho que nunca ficou esclarecida. Continuem a mandar as vossas colaborações, com muitas críticas, que isso faz faliu à evolução colectiva.

Anti-Dimitrov — A ideia de o traduzir foi posta de parte há muito, embora já houvesse uma tradução francesa bastante avançada(2). A causa fundamental é as limitações que eu e todos nós aqui reconhecemos hoje ao trabalho. Foi importante sobretudo para o colectivo que rompeu com o PC(R) mas a visão que eu tinha na altura sobre as lutas internas na URSS e na Internacional Comunista era ainda muito superficial, não tínhamos compreendido a impossibilidade do socialismo na URSS e o carácter de capitalismo de Estado do regime, toda a nossa crítica girava à volta de "erros" dos dirigentes, "burocratizaçâo do partido", quando isso eram apenas manifestações de uma estrutura burguesa. Por isso, hoje, o Anti-Dimitrov, embora não me envergonhe, porque tem muitas críticas justas, já não satisfaz. Tenho estado sempre à espera de poder redigir uma nova síntese mais avançada, mas não tem sido possível. Ainda agora pensámos editar em livro o conjunto dos artigos que publiquei na PO sobre a revolução russa mas acabei por desistir porque teriam que ser trabalhados, melhorados e o tempo não dá. No fim de contas, a minha produção tem que ser de artigos e não de livros, mas se os artigos forem fazendo alguns avanços úteis para a reconstrução de um partido comunista, tudo bem, dou-me por satisfeito.

Debates — Estava de facto previsto um para Outubro mas a acumulação de trabalho relacionada com a mudança levou-nos a adiar para data mais oportuna. Também é verdade que não vimos muita motivação do círculo de pessoas mais próximas, toda a gente anda envolvida nos seus problemas pessoais, profissionais, etc., e não sobeja muita disponibilidade. Pode ser que algum acontecimento político nacional ou internacional desperte as pessoas para a necessidade de debater ideias.

Livros Dinossauro - Temos na tipografia dois volumes novos, anunciados na última PO. Sobretudo o do Thomas é importante, embora nada fácil, porque é tudo tratado em termos filosóficos. Ele tem estudado Marx a fundo e faz uma desmontagem das loas que por aí se vendem acerca das liberdades e dos direitos humanos. Quando estiverem prontos, envio-vos uma encomenda de 5 exemplares de cada, para possíveis vendas aí. Os que não venderem, podem devolver. De acordo? Morada do ZB - Ele está a trabalhar na Beira, na Junta Autónoma das Estradas, lá para o lado de Penacova. mas vem aos fins de semana a casa. Temo-nos visto de longe em longe e ele continua rijo. A morada: (…)

Entrevista com o Alberto Pereira — Cem porcento de acordo, se puder vir já para este número melhor. Até 20 de Janeiro!

Revistas — Perguntas-me a opinião sobre duas revistas que vocês assinaram, Revue Internationale e Révolution Internationale, mas eu não conheço nem uma nem outra. Importas-te de me mandar os números já lidos para eu dar uma vista?

Vossa contribuição — Chegou em boa ordem , a dificuldade é trocar os francos suíços, no banco cobram uma taxa exorbitante, é um roubo, por isso vou-os conservando à espera de alguém conhecido que vá à Suíça e queira comprar francos à taxa de câmbio.

E por agora é tudo. Sempre vens cá em Janeiro como tinhas previsto? Não deixes de nos procurar. Envio-te a ti e ao Z um forte abraço e para ti em particular parabéns pelos progressos acelerados que tens feito com o computador. Ninguém te agarra. Abraços de todos nós.

Carta 12
7/5/1998

Caro Camarada:

Respondo à tua carta de 27 de Abril e, o que é grave, também às de 6 de Fevereiro e 12 de Janeiro, que ficaram por responder. Resultados da sobrecarga de trabalho que tu certamente compreenderás. Agora com a PO nº 64 despachada e o 1º de Maio passado, dedico-me a pôr a correspondência em dia. No 1º de Maio desfilámos (poucos, como sempre) com uma faixa dizendo “Já só falta pedir desculpa aos pides pelo 25 de Abril”. Foi bastante aplaudida porque as pessoas estão motivadas com o escândalo do pide Rosa Casaco, fugido há anos e que veio a Lisboa dar uma entrevista à imprensa, deves ter sabido. Também distribuímos um manifesto intitulado "sinais de perigo" (vem na próxima PO) e um outro sobre “Cem vítimas da PIDE” que fez sucesso Em seguida, fizemos o lanche de confraternização com 40 pessoas e... até para o ano! Vou agora dedicar algum tempo para preparar artigos para a PO, é essa a minha vida. E quanto à preparação de algum material de fundo, com vista a um livro, como tu sugeres, vai ficando eternamente adiado.

Recebi o vale postal de 4.000S00 (além dos 50 francos anteriores). Tenho recebido os diversos materiais que tens mandado, nomeadamente a “Rcvue Internationale” e o livro sobre “La révolution manquée”, de que fiz uma recensão na PO, deves ter visto. A encomenda com os livros que pediste segue dentro de dias, porque o Brecht está atrasado na tipografia. Só segue um exemplar do Thomas porque de momento não dispomos de mais, estão todos distribuídos; fica registado e logo que houver mais mandamos-te, certo? E fico à espera do livro de Lafargue de que falas, será que dava para uma edição em português? A Dinossauro está a postos, embora quase falida...

Espero que a tua actividade associativa te dê boas possibilidades de contactos, pelo que contas parece que sim. Calculo que o meio da emigração seja em geral muito pouco politizado, de resto aqui é o mesmo. Tomei parte recentemente em três debates (dois deles de estudantes) e pude constatar como os defensores das teses reaccionárias se movem à vontade e os defensores de ideias marxistas são incompreendidos ou mal vistos pela assistência. Faz dó ver os jovens, sem audácia nenhuma, a repetir as baboseiras capitalistas que lhes ensinam, como se fossem verdades incontroversas. Mas vai-se à luta e são obrigados a ouvir umas tantas verdades. Será que podemos programar um encontro lá mais para o fim do ano? Bem gostaria mas vejo as tropas muito desmobilizadas. pouco a pouco vão-se todos retirando para a sua vida pessoal.

Bem, mas não quero acabar em tom de lamentação. A disposição de prosseguir é firme cá pelo lado da PO. Estou a preparar um artigo para a próxima, que se chamará possivelmente "Partido: cuidado com os partos prematuros", que vai ao encontro da vossa ideia do Centro Marxista. Estamos numa fase de germinação e não compensa querer queimar etapas. Temos é que saber cumprir as tarefas próprias desta etapa: jornais, debates, núcleos, etc. Só daí poderá surgir uma corrente de ideias suficientemente forte para dar base ao partido. Esforçamo-nos por que a PO cumpra a sua parte nesse trabalho preparatório, mas são precisas muitas mais iniciativas. Foi essa ideia que procurei transmitir na curta alocução que fiz no lanche do 1º de Maio.

Por agora é tudo. Desejo êxitos no vosso trabalho. Aceitem abraços de todos

Carta 13
29/12/1998

Caro Camarada:

Respondo à tua carta de 2 de Dezembro, esperando que as festas de Fim de Ano te estejam a correr bem. Por aqui tudo na forma do costume, nem bem nem mal, antes pelo contrário. Seguiu a P.O. 67 que já deves ter recebido a esta hora, como verás faço uma crítica ao Samir Amin porque as novas perspectivas dele vão dar a velhas receitas do reformismo. Espero que o homem não leve a mal e que possamos continuar a contar com colaborações dele. A Ana está a traduzir um livro dele, “O Eurocentrismo”, que é uma crítica ao imperialismo europeu, será o próximo lançamento Dinossauro. A respeito do Lafargue, trocámos ideias sobre o assunto e achamos melhor não avançar, pelo menos por agora. Receamos que não tenha saída e já sofremos alguns duros reveses que nos deixam de tanga. Estou a mandar-te em correio separado 3 exemplares da “Breve história do Indivíduo” (por agora não há mais disponíveis) e um exemplar do livro de Galeano, que é esse que leste em tempos. Aos preços especiais para assinantes da P.O. fica tudo por 7.400$00. (…)

 Por agora é tudo. Espero que entres bem no ano 1999. Um abraço

Carta 14
9/3/1999

Caro Camarada:

Espero que estejas de saúde, especialmente a tua mão. Algumas linhas, para pôr a escrita em dia. O teu artigo sairá na próxima P.O. Aproveitarei a tua autorização para fazer algumas condensações e pôr em destaque no título o concreto da tua proposta: um encontro de debate ideológico. Pode ser que, à força de insistir, se consiga motivar umas dezenas de camaradas para a ideia. Temos tido agora umas reuniões bastante concorridas (40 a 50 participantes) para tratar da comemoração do movimento popular do 25 de Abril. A ideia é pôr a falar numa sessão, para os jovens, sobretudo, alguns dos activistas das ocupações e manifestações daquela época. Será na tarde de 24, sábado. Vamos a ver o que se consegue. Peço que me devolvas o Apelo com as assinaturas que tiveres (mesmo que sejam só a tua e a do Z) até ao fim do mês. Tencionamos publicar e apresentá-lo numa conferência de imprensa, para incomodar os comemoradores oficiais, que preparam festas de espavento.

E quanto à Carta da Suíça, vamos ter alguma coisa? Se tiveres, manda até dia 20 o mais tardar. Ou recortes, se não tiveres artigo redigido. Para já, é tudo. Um abraço.

Carta 15
17/10/2000

Caro Camarada:

Tive pena de não nos termos encontrado quando por aqui passaste. A situação quanto à sessão é a seguinte: no seguimento de uma série de contactos, concluímos que a sessão-debate a propósito dos 15 anos de publicação da PO tem que ser desdobrada em duas: a primeira é no dia 4 de Novembro, na Biblioteca-Museu República e Resistência (Estrada de Benfica. 419) com a participação de João Bernardo (anarco-comunista) e de João Ricardo, um trotskista brasileiro. Não se pode dizer que não somos pluralistas! Espero que dê um debate animado. Em 2 (ou 9) de Dezembro faremos outra sessão, para que convidámos o Samir Amin e o Tom Thomas. Será completada com um espectáculo à noite: Zé Mário Branco, etc. Claro que contamos contigo, só não sei se podes vir já a esta primeira sessão ou só à segunda. Se puder vir daí mais alguém, como se tinha falado, tanto melhor.

A nossa situação financeira continua na mesma, temos em vista uma hipótese de vender a empresa gráfica para pagar algumas dívidas e continuar a fazer a PO e os livros em bases (ainda) mais modestas. Mas parar está fora de questão. Escrevi à livraria que me indicaste, estou à espera de resposta. A PO, atrasada como de costume, sai para a semana. O artigo que mandaste ficou de fora desta vez, não te chateies mas houve bastantes colaborações e algumas grandes que tiveram que ser cortadas ao meio por não caberem. Recebeste os livros que tinhas pedido? Intelizmente ainda não tive ocasião de pegar no livro de Osborne que mandaste. Estão para sair mais dois títulos da Dinossauro, que depois te enviarei, um do Samir Amin e outro do Thomas. E o teu programa de rádio, como vai?

Tenho uma dúvida que peço esclareças: as POs atrasadas que pediste há meses, cheguei a enviá-las ou não?

Para já. é tudo. Vamos amanhã a uma manifestação anti-sionista por causa dos massacres na Palestina. O MV diz-me que participou em duas em Paris. E aí, houve algo de jeito? Um abraço

Carta 16
25/9/2001

Caro Camarada:

Os acontecimentos estrondosos de 11 de Setembro puseram tudo em polvorosa, aí como aqui, certamente. E a P.O. também foi fortemente abalada, porque tivemos que nos pôr a escrever à pressa sobre as lições a tirar do que se passou e de que modo vai afectar a nossa actividade futura. Estamos a esforçar-nos por não deixar atrasar a saída da revista, que espero seja em meados de Outubro. Resulta daqui que uma boa parte dos materiais que estavam para entrar tiveram que ser metidos em carteira, entre eles o teu artigo.

De resto, eu estava para te escrever acerca do artigo, porque nos pareceu (não só a mim) que precisa de alguma reformulação. Estou inteiramente de acordo com a tese central que defendes - a urgência de uma educação política e filosófica do proletariado para que este tome consciência do poço em que está metido e se lance numa luta não só estreitamente económica mas sobretudo política e organizada em Partido - mas isto está dito de uma forma pesada, abstracta, demasiado alongada, que não convida o leitor a chegar até ao fim. Numa palavra, os poucos argumentos que desenvolves não correspondem à extensão do texto. Por isso te propomos que trabalhes o artigo um pouco mais, para publicação futura, ou, se isso não te for possível de imediato, que abordes outro tema. De uma maneira geral, acho que deverias escolher exemplos, casos concretos como ponto de partida para a tese que queres defender. É isso que desperta o interesse do leitor e lhe permite captar a mensagem que queres transmitir.

Sei que não levarás a mal esta crítica, já nos conhecemos o suficiente para trocar ideias em perfeita franqueza. Pelas razões já atrás expostas, o capítulo do Tom Thomas que te deste ao trabalho de traduzir também não será publicado, ao menos por agora. Falas na possibilidade de uma entrevista a uma camarada: manda a cassete quando quiseres. Quanto à “Voz do Trabalho”, está a dar os primeiros passos e, por agora, a preocupação principal é conseguir que a criança não morra à nascença. Todo o apoio ou divulgação que possas dar será bom, pois o núcleo redactorial luta com grandes dificuldades.

Trabalhos práticos:

1) Dirigimos uma carta ao Bloco, UDP, PSR, FER, MRPP e outros grupos da esquerda propondo um encontro urgente para se formar um comité unitário capaz de fazer agitação contra o assalto americano em preparação contra os árabes; não estamos optimistas quanto a respostas porque andam todos empenhados na porcaria das eleições autárquicas e não lhes sobeja tempo para se ocuparem de casos “menores” como este; além disso, receiam queimar-se como “extremistas” e perder votos nas eleições. A esta miséria chegou a esquerda.

2) Estamos a convocar uma reunião de pessoas mais próximas de nós para ver se lançamos esse tal comité, mesmo que não envolva partidos. Será a 13 de Outubro.

3) Dia 28 de Setembro vamos a uma concentração promovida pelo Conselho da Paz (revisa) frente à embaixada de Israel. Vamos a ver se aparecer gente. Os revisas, pelo mesmo motivo dos outros, estão encolhidos. Além disso, a sua crise interna tem-se agravado e estão com dificuldades de mobilização. Há em Lisboa uma luta acirrada entre os cunhalistas e o sector intelectual.

4) Projectamos fazer em Novembro um encontro pelo aniversário da P.O., que gostaríamos de transformar num encontro anual de debate da nossa corrente. Já começámos a fazer convites mas por enquanto não sabemos o que se vai conseguir. O tema central, claro, teria que ser este do “antiterrorismo” dos maiores terroristas que já houve à face da terra, os americanos.

De tudo te darei mais notícias à medida que as coisas se confirmarem. Caro camarada, um abraço e votos de saúde  

Carta 17
9/2/2002

Velho H

Tenho aqui duas cartas tuas recentes e vou tentar responder às questões que colocas e dar-te algumas notícias.

Teu artigo - Parece-me extenso mas ainda não tive oportunidade de o estudar. Vou ler e dir-te-ei depois o que penso.

Curso de marxismo em Bruxelas — O MV já me falou com interesse desse curso onde esteve há dois anos, julgo. Leio aqui o jornal desse partido, que é de facto radical, dentro da área dos “revisas duros”, muito mais consistente por exemplo do que o Avante do meu amigo Cunhal. De qualquer modo, sendo claramente anti-imperialistas, não temos dúvidas de que são reformistas e que têm uma ideia muito sinistra do que seja o socialismo. Isso basta para sabermos que não são do nosso campo. Terá interesse o curso? Eu, se tivesse disponibilidade, ia assistir, pela curiosidade de ver como expõem as questões centrais do marxismo e até para activar as objecções e críticas do nosso lado. Nesta época de deserto quase total no campo do marxismo, tudo o que proporcione debate e luta de ideias pode ser frutuoso. Era bem bom se tu ou o Manuel, ou os dois, redigirem um comentário sobre o que viram, o que vos pareceu aceitável e o que acham errado, etc. Era uma boa malha para a PO. Agora tu é que verás se compensa a deslocação, a despesa e o tempo gasto.

Voz do Trabalho — São naturais as tuas preocupações com o andamento do projecto. De facto, as coisas têm patinado um bocado, houve uma doença e ausência do M (já voltou), afastamento (temporário?) dos elementos ligados ao Bloco de Esquerda e que se meteram a fundo na campanha eleitoral deles (e agora já estão metidos noutra) e uma certa indefinição sobre o carácter da folha, com discussões sobre se devia ser mais política ou mais dedicada às lutas económicas.

Por tudo isto a correspondência, os envios do jornal, etc., têm andado um bocado ao deus-dará. Saiu em Dezembro o n° 4 (que pelos vistos não recebeste) e está a sair o n° 5. Vou fal ar com eles para transmitir as tuas preocupações e pedir que te enviem exemplares do 4 e do 5.

Af, Leo — Numa reunião de redacção da PO, em Novembro, foram feitas algumas criticas a artigos que eles tinham escrito: o do Leo sobre o 11 de Setembro, e o do Af sobre um subsídio de Natal igual para todos. Os camaradas reagiram mal às críticas e não quiseram alterar os artigos. Depois disso não vieram a mais reuniões. Lamentamos e esperamos que reconsiderem. São poucos os que participam no colectivo e não gostamos de ver camaradas afastarem-se mas não podemos prescindir de discutir abertamente as colaborações de cada um.

 Entrevista Argentina — É pena que não se consiga. Como verás na PO 83, que aí chegará dentro de uma semana, juntámos um comentário vindo do Brasil com um artigo que a Ana fez a partir de textos que nos chegaram pela Internet. O assunto ainda talvez mereça mais análise na próxima PO.

(…)

Leituras — Não conheço nenhum dos dois livros que estás a ler sobre a I Internacional e o movimento operário francês. Também não prevejo tão cedo disponibilidade para me dedicar ao assunto. São tantos os livros, artigos, etc. que vão ficando para trás que às vezes desespero, mas sou obrigado a fazer opções todos os dias entre o que gostaria e o que posso fazer.

PO — Vais recebê-la por estes dias. Tem uma declaração do colectivo sobre as eleições, justificando por que não votamos, a política que vai ser seguida já está feita pelas “instâncias superiores”    e os partidos  são  os comissários políticos ás ordens de Bruxelas. A possibilidade de mudança não está no voto, está na intervenção directa dos trabalhadores, e essa é que tem faltado de há bastantes anos para cá, etc.

Galiza — Nos dias 13-15 Fevereiro reúne-se na Galiza uma Cimeira dos ministros da Justiça e do Interior da UE para tratar da “segurança”. Os camaradas galegos do NÓS Unidade Popular (que vieram ao nosso encontro de Dezembro) organizam uma contracimeira nos mesmos dias, com debates e manifestações. Vão estar presentes 2 ou 3 camaradas nossos para intervir no terceiro dia, sobre questões laborais. Mando-te aqui o último número que recebemos do jornal do partido ML deles, para teres uma ideia. São pelo menos bastante activos.

Por agora é tudo. Um abraço e até breve.


Notas de rodapé:

(1) Desfalque financeiro na empresa gráfica que sustentava a “Política Operária”. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(2) Existe a versão em francês, corrigida por FMR. Haja quem a edite. (Nota de AB) (retornar ao texto)

Inclusão 12/05/2019