Cartas

Francisco Martins Rodrigues


Cartas a MV


Carta 1
22/11/1984

Amigo M,

Estou admirado por não ter voltado a receber notícias tuas nem materiais. O último que cá chegou, há já talvez um mês, foi "Do 1º ao 2º congresso da IC" um livro grosso de Pierre Broué. £stá tudo bem por aí? Recebeste a minha carta de Outubro?

Eu não voltei a escrever porque, como dizia nessa carta, receei que estivesse aí o Amazonas(1) e o facto de receberes correspondência minha te causasse embaraços, assim como a nós todos.Agora isso já deve estar ultrapassado.

Saí ontem do PC(R) e já tenho liberdade de movimentos. A minha demissão foi o desfecho inevitável dos conflitos que te tenho relatado. Vário outros camaradas, entre eles o B e o E, que já tinham sido durante bastante tempo da direcção, demitiram-se ou foram afastados do partido nos últimos tempos. Ao todo, são 20 ou 30 camaradas que saem, pelo menos para já, identificados numa mesma atitude crítica face à política intermédia e vacilante do CC, à influência crescente no partido de elementos direitistas como o FC, CM, Q, etc, aos atropelos intoleráveis ao centralismo democrático, à evolução suspeita do PTA, do PC do Brasil, etc. A direcção, como de costume, tenta escamotear a natureza das divergências sob infindáveis intrigas em torno de actividades "fraccionistas", que atingem já a paranóia. Afastou três membros do CC por terem sido vistos juntos numa taberna e eles terem reconhecido que estavam a discutir assuntos da partido. Isto foi considerado "tentativa de formar um segundo centro". A minha "actividade fraccionista" consistiu em ter tido uma reunião com dois camaradas da minha célula e um deles ter ido contar que tínhamos debatido a crise do partido e a necessidade de elaborar propostas políticas por escrito para enviar à direcção. Por isso, foi posta à votação num encontro nacional de células de empresa, no domingo, a minha expulsão do partido, como cabecilha duma "fracção". O P disse aí que não tinha provas de que eu fizesse contactos para fora da minha célula mas que estava "convicto" de que eles existiam. Tanto bastou para votarem uma recomendação para que eu fosse expulso. De modo que resolvi adiantar-me e fui ontem entregar a minha carta de demissão. Juntamente, entreguei o estudo que tenho andado a fazer há mais dum ano sobre o 7º congresso da IC, Dimitrov, Staline, o maoísmo, etc. Deixo-lhes a batata quente nas mãos, a ver se eles se atrevem a vir à polémica. É isto a única coisa que interessa no meio desta trapalhada vergonhosa.

Assim que me deres sinal de vida, quero enviar-te uma cópia pelo correio, para tu apreciares e dares a tua opinião. O documento teve que ser acabado ã pressa e tem muitas insuficiências mas estou convencido de que abre uma perspectiva crítica nova, de esquerda, sobre o período dos anos 30-50 como dominado por uma linha centrista, que foi o embrião do revisionismo do 20º congresso. Poderia eventualmente, depois de melhorado, ser publicável. Espero a tua opinião, e sobretudo quero discutir contigo todos estes problemas, para ver se chegamos a acordo sobre um trabalho em comum nos moldes em que já antes te falei. Sempre vens cá no Natal? Avisa assim que puderes, para organizarmos uma discussão séria sobre estes problemas. Há aqui duas ou três dúzias de camaradas que não querem ir para casa e que estão dispostos a procurar caminhos para dar corpo a uma corrente marxista-leninista, viva, crítica, que desenvolva trabalho simultaneamente teórico e prático, virado para a classe operária. Vamos redigir alguns materiais que nos sirvam de plataforma quanto a questões de estratégia, política, centralismo democrático, situação internacional, etc.

O PC(R), naturalmente, vai continuar na sua via, mas extremamente enfraquecido, sobretudo no plano ideológico, porque recorre cada vez mais às proibições de pensar. A sua base operária está já quase no zero e vai reduzir-se mais ainda. Estou convencido de que precisamos de três a quatro anos para dar corpo a um partido comunista realmente novo, mas que é uma tendência inevitável. O mais difícil será o período imediato, de reagrupamento ideológico mas, se conseguirmos lançar um órgão, não tenho dúvida de que engrossaremos forças a pouco e pouco.

Tudo o que te falei antes, sobre recolha de materiais, elaboração de artigos, dinheiro, etc., passa agora para a actualidade como a questão decisiva. Já não se trata de projectos. Estás disposto e disponível? Quando me escreveres, enviarei o meu estudo e as citações de Lenine sobre centralismo democrático, que tu poderias prosseguir.

Podes contactar aí gente com simpatias de esquerda e tentar obter apoios? A minha saída, do B, do E, podem ser divulgadas. Para além dos livros que referias na tua lista, assinalarei nos catálogos que enviaste mais alguns, que são do máximo interesse. Se puderes obtê-los será uma ajuda preciosa.   

Sabes alguma coisa sobre um partido ML dos Estados Unidos que está a publicar estudos sobre o 7º congresso, Staline, etc? Publica o jornal "Worker's Advocate". Podes conseguir-me a morada deles? Já recebi alguns trabalhos interessantes do PC do Japão. Pelo menos nesses dois partidos a investigação sobre as origens do revisionismo vai num sentido semelhante ao nosso.

Recebeste o “”Bandeira Vermelha” que me tinhas pedido? Era para o Amazonas? E o que te disse ele? E a tua tese, sempre sai? Escreve sem falta, assim que possas. Abraços para a R e S e um grande abraço para ti

Chico

Carta 2
Jan de 1985

Camaradas:

Espero que continuem de saúde, com a vossa Sónia e com menos frio. Algumas notícias sobre o andamento dos nossos trabalhos:

Fizemos um 2º Encontro no dia 19 Janeiro, em que foram distribuídos alguns dos projectos de documentos e se decidiu convocar a Assembleia de constituição para 23/24 Fevereiro. Decidiu-se também avançar para o aluguer duma sede em Lisboa. Embora cara (40 contos por mês) tem óptimas condições para oficina e redacção e fica num sítio central. Esperamos que em breve esteja operacional e que se possa lá realizar a Assembleia.

Os projectos já distribuídos (Manifesto-programa, crise do PC(R), Estatutos) foram o que a Comissão Preparatória conseguiu fazer no pouco tempo que teve. Sobretudo os dois primeiros estão muito insuficientes. Seguem amanhã em correio à parte, juntamente com o projecto de Regulamento da Assembleia e o boletim de Informação nº 2. Contamos com as vossas críticas e propostas de emendas a tempo de serem consideradas pela Assembleia!

Devido a ter-se levantado certa controvérsia neste 2º Encontro acerca de quem deve ser ou não ser membro de pleno direito na Assembleia, a Comissão Preparatória decidiu realizar ainda um 3º Encontro no próximo sábado, 2 de Fevereiro, para se chegar a consenso sobre esta questão e se impulsionar o debate nos núcleos em torno dos projectos.

No 2º encontro foi ainda ratificada uma comissão de candidaturas, encarregada de elaborar uma proposta de direcção para o futuro grupo.

Eu tinha-vos dito que poderiam delegar o vosso voto, uma vez que não vão poder estar na Assembleia. Contudo, a Comissão Preparatória, depois de debater o assunto, concluiu que esta Assembleia não é a melhor oportunidade para ensaiarmos esse procedimento, novo entre nós. Estamos em fase de formação e poderiam surgir reparos pelo facto de alguns camaradas usarem o direito de voto de ausentes. De modo que vocês dois, assim como alguns camaradas do Porto (nem todos vão poder deslocar-se a Lisboa) e um ou outro disperso da província, ficarão sem direito a voto. Paciência.

Sobre o meu livro — Estão e circular folhas de subscrição para custear a edição em livro do meu trabalho (150 contos). Recolhemos até agora 60 contos, mas foi na pior altura do mês e espero que neste fim de mês, com os ordenados frescos, a recolha dê um salto em direcção à meta. Na encomenda separada que segue amanhã com os projectos, mando também algumas destas folhas de subscrição, para ver se vos será possível obter aí uns francos, Peço a vossa boa vontade para contactar sobretudo um ou outro amigo mais abonado de massas, no mais curto prazo e mandarem para aqui o dinheiro pela via que vos pareça melhor, junto com o talão que vai no canto inferior esquerdo de cada carta, para fins de controle e publicação da lista dos donativos.

Estou a tentar acelerar a redacção final do trabalho, para mandar para a tipografia. Temos o projecto de pôr o livro à venda em fins de Fevereiro. Fizemos no dia 6 uma reunião de debate sobre os temas do livro, a que compareceram 40 pessoas (alguns amigos convidados, operários) e que proporcionou uma discussão interessante, principalmente em torno da questão Staline, que é talvez a mais ambígua do que escrevi. Quais as vossas impressões da primeira leitura? Se quiserem mandar sugestões para modificações, convinha que o fizessem na volta do correio, para ainda ter tempo de as considerar na redacção final. Vamos pôr o livro à venda a 200$00, o que aqui é um preço baixo, e já temos praticamente assegurada a distribuição comercial duma parte da edição. Digam vocês quantos exemplares querem para vender aí.

Quanto à revista, as coisas vão muito mais lentamente do que desejaríamos. Só depois de constituída a OCP (Organização Comunista de Portugal, é o nome proposto, pomposo demais para o meu gosto) e eleita a direcção, poderá esta formar o comité de redacção e começarem-se a escrever artigos. Eu também não estarei disponível para escrever para a revista enquanto não me vir livre da edição do livro e dos trabalhos da Assembleia, absorventes como vocês bem calculam. Prevejo que não teremos o nº 1 na rua antes de Abril.

Para isso é decisivo também o problema das máquinas. Resolvida a questão da sede, trata-se agora de meter lá máquinas de composição e impressão, mesa de montagem, laboratório, etc. Demora tudo tempo e custa dinheiro. Neste ponto, a vossa contribuição vai ser decisiva, no que respeita à AB Dick (mais a outra velha para peças, mais os dois duplicadores). Conseguem recolher aí os 3.000 francos? Digam-nos como se apresentam as perspectivas a esse respeito. Estamos a contar que a vossa quota tenha que ser canalizada para perfazer a importância que aí é necessária, mas mesmo assim não sabemos se dará.

Seguem junto com esta carta as instruções sobre a carta que deve ser escrita daí pelo proprietário das máquina fazendo doação delas, para fins de isenção dos direitos de alfândega. Isto é indispensável, porque esses direitos são astronómicos. Esta será pois a questão mais urgente de todas, a fim de ver se temos a máquina metida na sede até meados de Março, o mais tardar, contando com as formalidades burocráticas, que são arrastadíssimas.

Também devem mandar dizer, pelo mesmo correio em que venha a carta de doação, as dimensões e peso de cada um dos caixotes em que virão as máquinas, e qual o número de caixotes, porque isso é necessário para as autorizações da alfândega.

O R deu-me o último número de "Pour le Parti" que lhe mandaste. Pareceu-me muito fraco quanto a política. Se se dedicam só ao sindicalismo, não vão fazer nada pelo partido. Ainda não recebemos a revista albanesa de relações internacionais de que me falaste ao telefone. Peço que me mandem sempre o boletim do Kessel e quaisquer outras publicações de interesse. Mando também, na encomenda que vai amanhã, recortes dos jornais daqui sobre o "Cunhal da extrema-esquerda" (sou eu). Ando muito falado nos jornais, o que vai ser bom para o lançamento do livro e da revista. Já tenho duas entrevistas prometidas ("O Jornal" e "Diário de Notícias").

Segue também aqui Junto uma lista de livros sobre o movimento de emancipação da mulher, para que pedimos a vossa atenção. Está aqui a esboçar-se um núcleo de camaradas interessadas na questão, com vistas a preparar artigos para a revista, fazer reuniões, etc. Tudo o que possam obter a respeito do movimento de mulheres será de interesse.

Bem, camaradas, por hoje é tudo. Tenho e impressão de que vos faço pedidos demais e o vosso tempo é limitado. Vocês verão o que podem fazer. Mas sem qualquer dúvida, o que é pare nós prioritário, de longe, é a questão das máquinas. Só daí nos pode vir a base para a impressão da revista por nossa conta.

Aceitem grandes abraços, com esperança de que não demorará outra vez anos a voltarmos a encontrar-nos. Até breve

Carta 3
5/5/1985

Camaradas M e R:

Esperamos que tenham recebido a carta e dois livros que enviámos em 26 de Março por um portador. Depois disso, já enviámos mais 10 livros pelo correio e por estes dias enviaremos outros 10, conforme pediram.

Passamos a dar algumas informações sobre as nossas actividades:

Revista — Decidimos adiar para princípios de Outubro a sua saída, por não dispormos ainda nem de artigos nem de meios técnicos. Entretanto, para nos ensaiarmos, decidimos redigir um nº experimental, que ficará pronto no próximo mês e que servirá para debate interno. Far-vos-emos chegar esse número para vossa apreciação.

O pedido de colaboração vossa que vos fazíamos na nossa carta anterior continua a ser muito importante: artigos sobre a situação política em França, sobre a emigração, correspondências, etc.

Livro — Está praticamente todo vendido, estamos a pensar em reeditar. Já fizemos algumas reuniões de debate com grupos de amigos e vamos organizar outras, sobretudo junto de meios operários. Seguem junto mais dois recortes de imprensa. Ficamos à espera também da vossa opinião. Tem sido levantada a ideia de que teria interesse levar ao conhecimento dos partidos m-l as teses do "Anti-Dimitrov". Consideram vocês possível fazer aí uma condensação ou colectânea de extractos em francês que servisse de apresentação e que nós pudéssemos enviar a esses partidos?

Organização — Inaugurámos a nossa sede (que foi alugada como atelier de artes gráficas) no 1º de Maio, com uma confraternização e debate que reuniu cerca de 70 camaradas e amigos.

Formou-se um novo núcleo no Porto com camaradas operários de uma grande empresa e, embora não encaremos perspectivas de grande expansão organizativa a curto prazo, podemos dizer que a nossa actividade está-se a consolidar. Através de encontros e reuniões de debate, estamos a procurar e a conseguir ampliar os nossos contactos com alguns ex-militantes que entretanto têm andado perdidos. Temos programado para o próximo domingo um encontro aberto a amigos sobre a intervenção no movimento sindical (pretendemos actuar junto da corrente sindical de classe promovida pelo PC(R) e para 16 de Junho um debate sobre a experiência do PC(R) e da corrente m-l em Portugal. Mandamos junto o plano de estudos sobre este tema. Também vos faremos chegar os trabalhos que forem redigidos em resultado destes debates.

“Tribuna Comunista" — Estamos a editar um boletim interno de que já saíram dois números que seguem por correio separado. O nº 3 está previsto para fins de Maio e passa a chamar-se "Tribuna Comunista". Esperamos que seja já bastante melhor do que os anteriores e que traga bastantes colaborações em volta de todas as questões que são polémicas entre nós. Escusado será dizer que contamos também com a vossa colaboração para este boletim.

Partidos m-l — Enviámos a 25 partidos e grupos m-l, incluindo o PTA e o PC do B, uma carta em que expomos resumidamente a nossa plataforma política (segue cópia). Para França, foi endereçada para o PCOF e o Kessel. Vocês poderíam fazê-la chegar à "Avantgarde Communiste" e colher as opiniões deles acerca das nossas posições. Estamos a receber o jornal do Partido m-l do Japão e procuramos entrar em contacto com um partido americano que parece defender posições semelhantes às nossas e com um partido brasileiro que cindiu do PC do B (PRC — Partido Revolucionário Comunista).

Manifesto — Tirámos 1000 exemplares do manifesto inaugural da OC-PO e do estatuto editorial da revista, que estamos a usar para debates em torno das nossas posições e ganhar novas adesões. Vamos enviar-vos alguns exemplares para difundirem aí e verem a possibilidade de tradução em francês. Enviamos também a carta que temos estado a enviar a militantes do PC(R).

PC(R) — Depois de alguns artigos no BV a chamar-nos anarco-trotskistas, têm feito silêncio a nosso respeito. Sabemos que prometeram aos militantes uma resposta ao Anti-Dimitrov numa conferência que vão realizar em breve, mas temos fortes dúvidas de que se metam nisso. A táctica do PC(R) para "um candidato único das oposições" nas eleições presidenciais, ou seja, na prática o apoio à candidatura de Lurdes Pintasilgo, está a provocar descontentamento nas suas fileiras, ao mesmo tempo que reforça as tendências mais direitistas.

Manifestacões do 25 de Abril e 1º de Maio — Fizemos a nossa aparição em público nestas manifestações com faixas em nome de "Política Operária" e as nossas próprias palavras de ordem. A nossa participação, naturalmente modesta, (da ordem das dezenas) foi contudo bastante positiva por ter iniciado a nossa afirmação pública e confirmado a nossa decisão de estar presentes no movimento de massas. Vamos participar no próximo dia 9 numa acção de protesto contra a visita do Reagan.

Técnico — Apoiando-nos nos nossos recursos financeiros e num empréstimo, vamos comprar uma máquina de fotocomposição em 2ª mão, que nos servirá não só para fazer a revista, como trabalhos comerciais que a financiem. Esperamos ter a funcionar dentro dos próximos dois meses um atelier de composição, fotografia e montagem e constituída uma sociedade. Quanto à AB Dick, aguardamos notícias vossas e pensamos poder dispor de um local para a instalar, mas precisamos saber urzgentemente as medidas da máquina. Temos vários camaradas especializados nestes trabalhos e julgamos possível ter uma oficina a funcionar até ao fim do ano, trabalhando para fora. Isto é a base essencial para a sobrevivência financeira da revista. Como decerto compreendem, a questão financeira continua a ser premente, todos os donativos que possam aí recolher terão uma grande importância para a viabilidade deste projecto.

PA — Já recebeu o livro e está disposto a colaborar no nosso projecto, mas limitado pelas suas ocupações. Seria bom que vocês daí lhe escrevessem pedindo-lhe que envie para cá revistas, recortes de jornais ou artigos. O mesmo para outros contactos que vocês vejam possíveis na Europa.

Ainda vos queremos pedir que continuem a enviar-nos as fotocópias de materiais da IC, livros, recortes de imprensa, ou outros materiais que achem de interesse para a revista. Precisamos muito de documentação. Poderão fazer-nos aí uma assinatura da "Afrique-Asie" ou outra revista com informação internacional?

É tudo por hoje. Contamos muito com a continuação do vosso apoio e que possamos voltar a trocar impressões directamente o mais cedo possível.

Um grande abraço para os dois e para a S.

Carta 4
20/6/1985

Camaradas M e R:

Como vão? Cá estamos mais uma vez a pedir resposta às nossas cartas, mesmo que seja resumida, para termos a certeza de que não estão zangados connosco. Sabemos que o M fez um telefonema para o R, mas há várias coisas a concretizar. Por isso vos pedimos que nos escrevam antes de partirem para férias. (Por acaso não lhes calhava fazer férias em Portugal? O clima é excelente, como sabem, e era uma bela oportunidade para debatermos de viva voz os nossos problemas). Vamos aos factos.

Aparelho técnico — Estamos neste momento a legalizar uma sociedade e a montar um atelier de artes gráficas. Comprámos uma máquina de fotocomposição em segunda mão, a prestações, e vamos dedicar-nos a trabalhos de composição e montagem (asseguramos também a impressão, por acordo com uma tipografia). Esta vai ser a base económica e técnica para a sobrevivência da revista, mas exige que se obtenham clientes para rentabilizar a máquina, sustentar os funcionários, pagar a renda da casa, etc. Já temos alguns clientes e vamos empenhar-nos em singrar. Uma pergunta: não seria possivel canalizar para nós trabalhos de fotocomposição aí de Paris? A ideia pode parecer disparatada à primeira vista, mas justifica-se pela barateza da mão-de-obra portuga, o que nos permitiria competir com os preços aí praticados. A Grua(2) fazia uma pequena revista (de karate) que era redigida em Paris, impressa em Portugal e vendida em Paris. Nós poderíamos. fazer o mesmo quanto a parte da composição e montagem. Poderão vocês enviar-nos algum trabalho que aí obtenham? Garantimos preços vantajosos, cumprimento dos prazos, boa qualidade. Em breve vos enviaremos o cartão de apresentação da nossa sociedade. Vejam o que se pode fazer, tendo em conta que é neste momento uma das formas principais de criar base financeira para a edição da revista.

Atenção — O nosso atelier de artes gráficas está a funcionar na rua (…). Pedimos que nos digam como se encontra o plano para a compra e envio da PB Dick. Vai ser ume pedra essencial para a feitura da revista. Inicialmente imprimiremos fora, mas precisamos de dar andamento a essa questão, para nos tornarmos independentes e pouparmos dinheiro.

O título da revista está legalmente registado, temos apartados de correio em Lisboa e Porto, estamos a tratar do porte-pago e de outras questões burocráticas.

Revista — Como já tínhamos informado, estamos a trabalhar para a saída do nº 1 em fins de Setembro-princípios de Outubro. O projecto para um nº experimental, como ensaio e só para consumo interno, não passou além de alguns pequenos artigos; temos andado todos absorvidos nas actividades práticas e as capacidades de redacção estão pouco treinadas. Este é um dos aspectos mais sérios das dificuldades que vamos enfrentar.

Para o nº 1, estão em preparação alguns artigos de fundo, já em fase de redacção e discussão:

Para além destes artigos (como vêem, ambição não nos falta), completaremos o nº inaugural com um Editorial, diversos comentários curtos, crítica de livros e revistas, etc. Pergunta: podemos contar com uma carta de Paris, feita por vós, sobre tema à vossa escolha? Para ser actual, deveria ser redigida em Setembro e enviada para cá até 15 de Setembro o mais tardar. Decerto compreendem a importância que terá para este começo da revista o aparecimento da vossa colaboração. De acordo? Fizemos um pedido semelhante ao PA mas até agora não tivemos resposta. Se puderem, dêem-lhe um aperto.

Com vista ao nº 2, já temos um artigo feito sobre as medidas revolucionárias da libertação da mulher na revolução russa e o recuo posterior. Como sairá em Dezembro, 10º aniversário da fundação do PC(R), terá um artigo desenvolvido de balanço à experiência do PC(R) e da corrente ML em Portugal. Para o preparação desse trabalho, fizemos no dia 16 um encontro, aberto a diversos amigos, em que se discutiu o tema na base de teses redigidas previamente por um bom número de camaradas. O debate prossegue no dia 30 do corrente.

Como apoio para e estudo, tendo em vista futuros artigos, precisaríamos que nos mandassem mais fotocópias dos livros que nos indicaram poder obter. A ignorância é grande por estas bandas. Também estamos à espera que nos digam se podemos contar com uma assinatura feita por vós de uma revista de informação internacional, que poderia ser, supomos, a "Afrique-Asie".

Outra forma de apoiar o lançamento da revista será a subscrição dos boletins de assinatura antecipada, a preço muito baixo, de promoção. Enviamos junto alguns, pedindo a vossa atenção.

"Anti-Dimitrov" — Já leram? Qual a vossa opinião global? A reacção aqui, naturalmente, foi para considerar o trabalho esclarecedor na nossa área e para o considerar como uma manifestação de esquerdismo incurável, na área dos arrependidos da esquerda, que são a larga maioria. Em todo o caso, foi bastante falado na imprensa e a tiragem está quase toda vendida. A casa distribuidora ("Ulmeiro") só tem umas dezenas e nós outros tantos como reserva. Ao todo, .já cobrámos 250 contos, que foram uma ajuda importante para nos abalançarmos à compra da máquina de fotocomposição, somados às quotizações, donativos e empréstimos.

Esperamos que tenham recebido os 20 exemplares que vos enviámos em dois pacotes de 10 e que já tenham feito alguma massa com eles. Se tiverem possibilidades de colocar mais alguns aí nos meios da emigração, podemos arranjar-vos mais uns tantos. Se tiverem receitas da venda do livro, pedimos que mandem para cá tudo o que puderem, pois neste momento é vital para nós concentrar todo o dinheiro possível para fazer face às despesas de lançamento da empresa gráfica. Ainda temos cerca de cem contos a receber de livros.

Quanto à hipótese de reedição do livro, pusemo-la de parte, pois implicava una grande despesa. Agora o meu plano, já aprovado em debate, é começar a trabalhar numa espécie de balanço histórico sobre a evolução do PCP: fazer a tal crítica as origens do revisionismo que o PC(R) nunca se atreveu a fazer. Seria ideologicamente útil para o reforço da nossa corrente e comercialmente poderá ser uma boa ajuda para financiar a revista. O projecto é ter esse livro na rua no Outono do ano que vem, mas terei que me dedicar muito mais ao estudo e combater a dispersão das tarefas urgentes que agora puxam de todos os lados.

PC(R) — dois últimos acontecimentos espectaculacres desta banda são a estrondosa adesão de Frederico Carvalho (o pequeno Fred) ao PCP e a demissão colectiva de 37 membros da UDP do Porto, quase todos operários. O ex-membro do CC do PC(R) José Magalhães, aderiu à OC-PO e constituiu-se como núcleo de apoio à revista. Seguem junto recortes de imprensa sobre um e outro caso, assim como uma carta que dirigimos aos membros do PC(R) sobre o caso Fred, lembrando-lhes que ele foi o nosso principal inimigo no 4º Congresso. Afinal quem tinha razão? Prevemos um agravamento da crise interna do PC(P.) devido ao desenrolar dos acontecimentos, assim como a complicada situação eleitoral em que se está a meter. Vamos fazer trabalho de esclarecimento junto de todos os membros que pudermos contactar. Da Grua já saíram ou estão despedidos, prestes a sair, todos os que formavam a velha equipa, à excepção da mulher do EP.

Organização — fizemos a 12 de Maio um encontro para debater intervenção operária e sindical, frente de trabalho que estamos a tentar impulsionar em paralelo à edição da revista, porque oferece perspectivas e é uma peça essencial para a reconstrução; a 2 de Junho fizemos a nossa 2ª Assembleia, para tomar decisões sobre a cohstituição da empresa, dadas as grandes responsabilidades financeiras que envolve, e para debater o andamento geral do nosso trabalho; verifica-se que a vida dos núcleos e a participação de bastantes camaradas é irregular, recaindo o grosso dos esforços sobre um pequeno número; não se pode dizer que a nossa situação quanto a mobilização e militância seja satisfatória. Está espalhada urna certa falta de confiança quanto à realização do nosso objectivo, dado o ambiente desfavorável na classe operária. Vamos ter que avançar a pulso, porque o tempo não é de facilidades.

Segue junto o boletim interno nº 1, agora baptizado " Tribuna Comunista”. Continuamos a lutar por lhe elevar o nível como ponto de encontro de experiências e pontos de vista. Continua em aberto o pedido de críticas e colaborações vossas.

Movimento ML internacional — Embora não tendo ainda recebido nenhuma resposta è mensagem de Março aprovada pela 1ª Assembleia (deve haver uma atitude geral de retraimento, a ver em que param as modas), vamos enviar por estes dias uma segunda carta, informando sobre o caso do Fred. Segue junto cópia desta carta (que distribuímos em inglês para todos os partidos). Se puderem pô-la em francês e fazê-la chegar à "Avant-garde communiste”, ao PCOF, Kessel, etc., será uma boa ajuda.

Recebemos regularmente as publicações eu inglês do PC do Japão (Esquerda).

Carta 5
18/10/1985

Como vão de saúde? Esperamos que não vos tenha desiludido o nº 1 da PO, de que enviámos 13 exemplares. Para a venda aí vocês verão o preço a fixar, tendo em conta despesas de correio. Se houver aí pessoas a quem vos pareça que vale a pena fazer uma oferta, propondo que se tornem assinantes, não hesitem em fazê-lo. Oferecemos aqui umas dezenas, até para levar a revista ao conhecimento de pessoas que nos interessa tocar. Seguem junto alguns exemplares da carta de oferta e boletins de assinatura. Se precisarem de mais exemplares, apressem-se a fazer a vossa encomenda porque a tiragem está quase esgotada. Temos feito uma boa venda militante em Lisboa e Perto, em empresas e locais de passagem. A saída nas livrarias também tem sido boa, graças às notícias que saíram na imprensa (junto fotocópia).

Seguiu para todos os partidos e grupos M-L, com proposta de permuta, mas até agora sem reposta, à excepção do grupo americano ("Workers’ Advocate").

A opinião geral dos camaradas e amigos foi bastante favorável. Fizemos no passado dia 12 um encontro a que comparecem, além de membros da OCPO, 15 amigos, sobretudo operários. Discutimos a orientação da revista, as eleições legislativas e problemas do movimento operário. Agora falta vocês também darem as vossas críticas, sugestões e colaborações.

Estamos a preparar o nº 2, a sair em fim de Novembro. Inclui artigos sobre a crise e reconstituição da família na União Soviética, papel dos comités de fábrica e dos sovietes na revolução russa, lutas internas no PCP, crítica à política do PC do Brasil, a restauração do capitalismo na China, actualidade política, entrevista com operários dos STCP, etc. Traz também o segundo artigo sobre a imigração em França, adaptado pelo MC a partir do que mandaste. Parece-nos muito interessante incluir uma carta de Paris, comentando questões da actualidade política em França. Pode ser? Seria necessário que cá estivesse até 7-10 Novembro, o mais tardar. Pedimos também ao PA uma carta de Londres mas até agora não temos resposta.

Vamos iniciar neste nº 2 uma secção de cartas, aberta a opiniões polémicas, críticas, sugestões. Se nos puderem enviar as vossas ideias sobre o nº 1 em carta, seria óptimo para publicar. Outro pedido urgente: consta aqui, segundo várias fontes bem informadas, que o M é bom caricaturista: será possível contarmos para o nº 2 com alguma caricatura ou desenho teu? Caso seja possível para já, também nos interessaria se nos enviasses bonecos recolhidos na imprensa aí. Queremos muito melhorar o aspecto gráfico e a qualidade das fotografias.

Outros materiais — Recebemos os jornais e revistas do PC do B, que estamos a aproveitar para um artigo. Tudo o que nos possam enviar da imprensa ML é do máximo interesse, para nossa informação e para alimentar a secção do Debate internacional. Lembramos a necessidade de reatarem o envio dos cadernos de Kessel. Quanto à "Afrique-Asie”, não nos parece que justifique a despesa, porque tem uma informação limitada e uma orientação estreita. Se nos puderem mandar alguma coisa com documentação para artigos internacionais, nem que seja o “Monde Diplomatique”, valeria mais a pena.

Quanto a livros, pedimos que o M retome logo que possa o envio das fotocópias de textos da IC, como vinha fazendo. Mando junto uma lista do que recebemos, até agora, para evitar repetições. Além disso, dois títulos em que estamos interessados, se não for muita despesa:

Finanças — O RO entregou 2 contos vossos. A nossa empresa gráfica está a andar e temos algumas boas encomendas em perspectiva. Mas para tirarmos todo o rendimento da máquina de composição temos de lhe adaptar um disco especial, que permite gravar todo o texto, fazer emendas, etc., antes de passar ao papel. São mais 500 contos que vamos ter de gastar e estamos a apelar ao apoio de todos os camaradas. Contamos com a vossa boa vontade, na medida das vossas possibilidades. Como a compra do offset parece não se concretizar, pedimos que nos canalizem para cá as vossas quotas ou outras contribuições sempre que possível. As assinaturas da revista são outra forma importante de ajuda e tem que ser feito um grande esforço porque ainda só vamos em 50 assinaturas, o que é ridículo.

OCPO- em reunião recente da direcção verificou-se que a absorção das tarefas de redacção e técnicas-comerciais, embora fosse inevitável, tem provocado um certo esvaziamento da frente da actividade política, sindical, etc., que não têm ganho corpo. Só com tarefas ideológicas e técnicas não se motivam muitos camaradas para uma actividade militante. Decidimos dar maior apoio político aos núcleos e tomar iniciativas para furar no terreno sindical, sem deixar de manter o centro dos esforços na saída e melhoria da revista.

Acerca das eleições legislativas,contamos enviar-vos uma apreciação em breve, assim como perspectivas quanto às presidenciais.

Um abraço

 LIVROS EM FOTOCÔPIA (já recebidos)

Carta 6
18/12/1985

Caros camaradas,

Cá estou finalmente a dar notícias mais detalhadas, depois de termos acabado com o carroussel da PO2. Aguardamos as vossas opiniões, sugestões e críticas implacáveis.

Foi geralmente considerada melhor que a PO nº 1, pela variedade de temas e realização gráfica mais cuidada, mas estamos conscientes de que ainda temos muito que melhorar. A nossa preocupação maior é evitar cair na superficialidade dos artigos feitos em cima do joelho, estilo “Bandeira Vermelha”, É preciso tempo para discutir, escrever e amadurecer ideias, mas o tempo falta-nos em absoluto porque somos poucos. O comité de redacção vai aprovar um programa de artigos de fundo, para preparar a longo prazo e destacar alguns camaradas para os irem trabalhando. Mandar-vos-emos esse programa e pedimos que vejam se, além das cartas de Paris, podem responsabilizar-se por algum artigo, dossier ou outra coisa de sumo. Há muito para dizer, falta-nos o fôlego.

A distribuição está a melhorar. Este nº já foi para umas 30 em Lisboa, 2 no Porto e outros 30 na província. A venda militante anda pelos 600 exemplares. Do nº 1 ficámos praticamente sem sobras. As vendas a operários são cerca de 30% da venda militante total — número a melhorar. As assinaturas é que vão subindo muito lentamente (até agora cerca de 70), são o nosso ponto mais fraco de difusão. (…)

Quanto aos bonecos, parecem-nos bons e têm sal. O problema é que ficámos com uma escolha limitada, por ser quase tudo sobre emigração ou então temas desactualizados.

Carta 7
14/2/1986

Camaradas M e R,

Temos recebido encomendas vossas, com revistas, jornais e livros, mas nada de notícias. Naturalmente os afazeres são muitos mas pedimos que nos escrevam nem que sejam umas linhas para sabermos que tudo vai bem por aí. Enviámos anteontem 15 exemplares da PO3 que acaba de sair, juntamente com um manifesto que editámos sobre as eleições. Passamos aos assuntos principais.

Revista — Interessa-nos muito receber as vossas (e outras) críticas, tanto sobre este nº como sobre o nº 2. Apesar das opiniões que nos chegam serem em geral favoráveis, temos consciência de que nos falta bastante para correspondermos ao nosso objectivo. Vai ser preciso um grande esforço sobretudo para atacamos as questões de fundo em aberto na corrente ML, como a degeneração da União Soviética e da China, relações entre imperialismo e social-imperialismo, construção do Partido, perspectivas actuais da revolução, etc.

Nesse sentido, programámos a preparação a médio prazo de alguns artigos de maior fôlego, que tentaremos fazer sair nos próximos números: os processos de Moscovo 1936-38, a revolução cultural na China, a classe operária em Portugal, a guerra civil de Espanha, os 10 anos de democracia burguesa em Portugal... Se nos puderem dar quaisquer sugestões ou enviar materiais para estes temas, seria grande ajuda porque vamos ter grandes dificuldades.

Gostaríamos de saber se podemos contar com colaboração do M. para a PO 4, que já está na forja. Como sairá para a rua em fins de Março, seria interessante que trouxesse um comentário sobre a campanha eleitoral francesa. Mesmo sem poder analisar os resultados (fechamos a redacção a 14 de Março), poderia fazer uma resenha das posições defendidas pelas diversas forças, orientação do PCF, ambiente na classe operária, ponto de vista dos emigrantes, etc. Pode ser? Pedimos resposta urgente.

Há além disso o artigo sobre associativismo dos emigrantes, que gostaríamos de publicar neste nº 4, com as modificações já sugeridas pela redacção e que o MC expôs em carta anterior. a ideia geral era tornar o artigo mais interessante para o leitor de cá, pouco familiarizado com a questão. Digam-nos urgentemente se poderemos contar com ele. Continuamos muito interessados em bonecos do M. Metemos mais um no nº 3 (com uma pequena adaptação) e gostaríamos de ter outros que focassem aspectos da situação política nacional ou internacional.       

Situação política — Editámos um manifesto sobre as eleições presidenciais, que segue junto. Não foi fácil chegar a conclusões sobre a atitude a assumir, porque a situação actual reflecte a perda de espaço político a que chegou a esquerda neste país. A direita apresenta-se com o seu candidato de direita e a esquerda tem que se contentar em apoiar o outro candidato de direita...

As tentativas para apresentar uma candidatura contra o regime não deram nada porque se basearam apenas em reuniões de troskistas, otelistas e alguns independentes. De modo que realizámos uma assembleia em 5 de Janeiro, na qual aprovámos este manifesto por larga maioria, embora houvesse também opiniões favoráveis ao apoio à Pintasilgo, outras pela abstenção em todos os casos e outras no sentido de ignorarmos pura e simplesmente o processo eleitoral. Distribuímos o manifesto nos empresas e nas ruas. A imprensa ignorou-o, como já fizera com o nosso outro manifesto, quando das legislativas. Agora vamos fazer o balanço aos resultados eleitorais (impossível prever qual dos dois vai ganhar). O ambiente operário é de grande desmoralização por terem falhado todos os planos do PCP, desde há 6 anos, para criar um aliado nos eanistas. O partido eanista parece sem consistência e tudo continuará a jogar—se entre a direita e a social-democracia. A deslocação geral à direita, com um grande entusiasmo da juventude pelo Freitas (!) parece ser o primeiro presente que nos chega da CEE. Vamos continuar no refluxo "peculiar”, como dizia o Arruda.

Trabalho operário — Estamos neste momento a fazer esforços para lançar outra publicação! Pode parecer-vos loucura, mas temos verificado que o trabalho de propaganda feito pela revista precisa de ser completado por uma folha mais fácil, mais noticiosa, mais virada para a luta económica, as denúncias locais, etc. Como não concordamos com os camaradas e amigos que gostariam de reduzir a PO a essa função (o que nos levaria a abdicar do projecto inicial de elaboração programática), resolvemos lançar esta folha ou pequeno jornal, para começar mensal. Não terá vinculação pública à OCPO, a fim de poder funcionar como animador da corrente sindical de esquerda que é, com a revista, a nossa grande tarefa.

Quem pode assegurar esta folha? Temos verificado que vários dos nossos camaradas operários estão desaproveitados, assim como outros que andam na nossa orla, e vamos tentar ganhá-los para o projecto. A elaboração e venda da folha poderia servir-nos de veículo para dar corpo a um começo de estrutura nas empresas.

Assembleia anual — Tendo em conta que a OCPO completa um ano de existência em Março, a assembleia de 5 de Janeiro decidiu convocar para fins de Maio uma assembleia com plenos poderes para dar o balanço ao trabalho realizado neste ano, aprovar documentos políticos e eleger nova direcção. Já está a funcionar uma comissão organizadora desta assembleia, com representantes da direcção e dos núcleos, e será editado o boletim interno de discussão durante o período preparatório. Na impossibilidade de uma participação directa vossa, pedimos que vejam com atenção e dêm opiniões sobre os temas que vão ser tratados no boletim interno e nos projectos, que vos enviaremos à medida que sairem. É importante juntarmos a opinião e experiência de todos nós para reflectirmos sobre este ano de actividade e caminhos para a frente.

Situação financeira — A nossa empresa vai singrando, embora não tão depressa como desejaríamos. Sobrevivemos mas não estamos a crescer. Falta-nos dinheiro para trocar esta máquina por outra mais rentável; enquanto assim for, o volume de trabalho comercial que conseguimos fazer é limitado. Lançámos no fim do ano uma campanha de contribuições extra para e compra de novo equipamento, que rendeu até agora 100 contos. É muito pouco. Quanto ao sector de impressão, deixámo-lo de parte porque não vemos perspectivas de nos ocuparmos dele num futuro próximo.

Gostaríamos de saber com o que poderemos contar de contribuições vossas e como e quando poderemos recebê-las, uma vez que já não se põe a ideia inicial de comprarem aí o tal pequeno offset. (…)

Contactos — estabelecemos relações regulares por correspondência com o Marxist-Leninist Party USA, que nos parece um grupo sério, em crítica aberta ao centrismo do 7º congresso da IC, PC do Brasil, PTA. Publicam um jornal mensal, "Worker's Advocate", no qual se propõem transcrever artigos nossos. Concordam no essencial com o "Anti-Dimitrov". Estamos em processo de discussão com eles acerca de vários temas: social-imperialismo, centralismo democrático, frente única, apreciação do PTA, etc. Esperamos através deste grupo estabelecer também relações com o MAP da Nicarágua e com um PC do Irão que, segundo parece, não é o mesmo que está aí em ligação com o FCOF.

Do resto da corrente ML não nos chegou até agora mais nenhuma reacção. Continuamos a enviar—lhes a revista. Recentemente, tomámos conhecimento através dum camarada na Suíça da existência dum grupo suíço chamado "La cause du communisme". Sabem alguma coisa a seu respeito?

PC(R) — Temos enviado a revista (nº 2 e 3) em oferta a umas dezenas de militantes de vários pontos do país. Não há reacções aparentes mas sabemos que se atravessa um período de confusão e de certa crise nas suas fileiras por causa das tácticas eleitorais. Depois de ter feito uma campanha abnegada e totalmente bajuladora da candidatura Pintasilgo, agora está a fazer campanha activa pelo Mário Soares. Pensamos que se está a dar uma gradual reconversão do lugar do PC(R) e da UDP, com os direitistas no comando, e que isso poderá eventualmente fazer saltar um ou outro militante com mais instinto de esquerda. Não prevemos contudo rupturas espectaculares, porque sabemos por experiência que o oportunismo é uma questão de hábito: começando a escorregar na ladeira, tudo vai parecendo normal e admissível…

Publicações — Temos recebido jornais e revistas e 2 livros: L’Etat du monde e "Les metamorphoses de ia crise" de Fougeyrollas.

Propomos que concentrem os vossos envios em: boletim do Kessel, Afrique-Asie, Monde Diplomatique, Teoria y Practica, Partisans e Cause du Communisme.(…). O Canard e o Libération, só se virem que há algum tema de interesse para cá: do que temos visto, parece-nos que não justifica a despesa.

Poderiam obter-nos e enviar 2 livros de Bebel: A mulher e o socialismo e Situação da mulher? Não sabemos se estão esgotados, mas aqui não se encontra.

Por agora, é tudo. Têm algumas notícias do PA? Manda uma revista de vez em quando mas há muito que não escreve. (…)

Ficamos a aguardar notícias vossas. Aceitem os abraços de todos nós.

Carta 8
28/5/1986

Caros camaradas:

Ainda não recebemos resposta à nossa carta de 14 de Fevereiro e estamos muito preocupados com o vosso silêncio tio prolongado. Esperamos que não seja motivado por quaisquer problemas pessoais graves nem por desinteresse em relação ao nosso projecto. Escrevam mesmo só umas linhas para sabermos que estão bem. Temos recebido os vossos jornais e revistas e enviámos há dias para a vossa morada o último nº 2 da ”PO". Algumas notícias:

Solidariedade contra a repressão — organizámos, em colaboração com elementos independentes, FUP e trotskistas e também com a UDP, uma associação que lançou um abaixo-assinado e um boletim, de que enviamos exemplares. Desfilámos no 25 de Abril com faixas da "Política Operária" e juntos com as famílias dos presos da FUP. Estivemos na vigília de Caxias, na véspera do 25 de Abril e lemos lá uma saudação da OCPO. Parece-nos que a luta contra a repressão se torna importante, dado o avanço do regime na criação de estruturas de polícia secreta. Poderão vocês aí em Paris fazer alguma agitação em torno do problema, criar algum comité de apoio, etc.?

Almoço-debate de 5 de Maio — também em colaboração com independentes, FUP e trotskistas (mas neste caso sem a participação da UDP), lançámos um manifesto conjunto sobre o centenário do 1º de Maio, organizámos a participação conjunta na manifestação da CGTP e vamos fazer um almoço-debate comemorativo, que se espera que tenha de 150 a 200 pessoas. Esperamos com estes contactos "sair da casca" e conhecer gente desorganizada de esquerda com quem possamos trabalhar.

Jornal sindical — já vos falámos deste projecto na nossa carta anterior. Fizemos uma reunião em Setúbal com alguns elementos interessados e estamos a procurar criar uma base de ligações que permita a sua edição. Seria uma espécie de Tribuna das empresas, com denúncias, coisa que aqui não existe e faz uma falta tremenda. Estamos a preparar um nº 0, experimental, para ganhar mais apoios.

Assembleia — Está marcada definitivamente para 7-8 de Junho a nossa 2ª Assembleia anual, que discutirá o relatório de actividade da direcção, questões de linha política e elegerá a nova direcção. Enviamos por correio separado a "Tribuna Comunista" nº 5 com os primeiros materiais para discussão. Pedimos que leiam estes documentos e nos façam chegar as vossas opiniões, a tempo de serem tomadas em consideração na Assembleia.

Internacional -- temos mantido contactos estreitos com o Marxist-Leninist Party dos EUA e vamos receber no dia 16 de Maio um dirigente deste partido. Preparamos os pontos para debate neste encontro. Informaremos depois do resultado. Começámos também a corresponder-nos com o PC do irão, que nos enviou grande quantidade de publicações que estamos a estudar. Como podereis ver pelo relatório, pensamos que começam a surgir perspectivas para um reagrupamento de uma nova corrente comunista internacional independente dos oportunismos do PTA, PC do Brasil ,etc.

Situação financeira — estamos prestes a assinar um contrato para fazer diversos livros até ao fim do ano, o que nos exigirá e permitirá trocarmos a máquina de composição actual por outra melhor. O negócio envolve mais 2.000 contos, mas é a única maneira de ficarmos equipados a sério e podermos aceitar todas as encomendas de trabalhos comerciais. Como calculam, isto é vital para garantirmos a continuidade e independência do nosso projecto. No relatório da direcção à Assembleia, poderão ver os números principais das nossas contas neste ano de existência.

Neste momento, estamos a apelar à elevação das contribuições e à actualização das que estão em atraso, para podermos fazer face a este novo desafio (…)

E é tudo. O ZB está a trabalhar na Suíça, esperamos que possa regressar brevemente, logo que faça unas massas. Está lá também o ZM quo nos escreveu e apoia a revista. Pedimos que não se ocupem a mandar o "Parti san" (passámos a receber directamente) e a “Teoria y practica" (vamos fazer assinatura). Escrevam depressa. E mais bonecos? Um abraço

Carta 9
26/6/1986

Camaradas:

Temos recebido livros, revistas e bonecos do M, mas só uns pequenos bilhetes a acompanhá-los e não a carta detalhada que postaríamos de ter da vossa parte, para nos apercebermos melhor dos vossos problemas e perspectivas de actividade. Soubemos pelo R que pensam vir aqui em fins de Julho e esperamos nessa altura ter um dia para uma discussão a sério de todos os nossos problemas. Seria bom que nos avisassem com antecedência do dia que terão disponível para estar em Lisboa connosco.

A seguir damos as notícias mais importantes sobre o que estamos a fazer.

PO nº 5 — Enviamos pelo R apenas 3 exemplares porque sabemos que têm bastante dificuldade em colocá-la aí. Se estiverem de acordo, será esta quantidade que pastaremos a enviar. Este número saiu com algumas semanas de atraso por dificuldades de toda a ordem, mas parece-nos que mantém o nível dos anteriores; ainda não é desta que entramos nos grandes problemas de fundo, mas a pressão dos acontecimentos e o quadro reduzido dos nossos redactores não nos deixou fazer melhor. Como verão, temos um novo colaborador, MC, de quem vocês se devem lembrar. Está disposto a fazer uma série de artigos e a sua perspectiva parece-nos correcta. E colaborações do M? Não compreendemos por que não mandas nada, nem que seja a Carta de Paris. Só se é por não gostar de nós.

Decidimos adiar o nº que calhava no período de férias porque a venda seria muito difícil. O nº 6 sairá em fins de Setembro-princípios de Outubro e tentaremos aproveitar este intervalo maior para trabalhar alguns artigos mais de fundo e, se possível, fazer um nº melhorado para comemorar este primeiro aniversário. Discutiremos convosco o sumário e a v/colaboração.

Pensamos também fazer na altura uma campanha de publicidade para tornar a revista mais conhecida. As vendas têm tido uma certa quebra, que aliás esperávamos: houve um movimento inicial de curiosidade que levou a esgotar o nº 1. Mas à medida que um certo número de pessoas de tendência social-democrata se aperceberam da orientação da revista, deixaram de a comprar. Estamos a colocá-la numas 25 livrarias de Lisboa, mais umas 20 na província, mas a venda principal é a venda militante. Temos umas 100 a 150 de sobras, que se vão vendendo depois lentamente. Aproveitamos manifestações, Feira do livro, etc., para mostrar a revista a público. O desafio que temos pela frente é descobrir os leitores de esquerda que ainda ignoram a nossa existência e isso depende sobretudo da acção militante.

Assembleia — depois de vários adiamentos, realiza-se em definitivo nos próximos dias 5 e 6 de Julho. Já conhecem o relatório de actividade da direcção que vai ser discutido. Seguem junto as Tribunas nº 6 e 7 e, se possível, ainda vos enviaremos antes daquela data outras duas que devem sair com materiais para discussão. A Assembleia está a ser preparada por uma comissão organizadora com dois elementos da direcção e três dos núcleos para assegurar completa democracia. Temos feito diversas reuniões preparatórias envolvendo a maioria dos camaradas. Principais problemas em debate, para além dos que estão no relatório;

Quanto àfutura direcção, procede-se a consultas e a comissão organizadora apresentará uma lista de candidatos à Assembleia. O G saiu da direcção há já meses por razões que todos consideraram injustificadas; na realidade, segundo pensamos, porque nunca se sentiu bem com essa responsabilidade; o ZB teve que emigrar para a Suíça à procura de trabalho por se encontrar em situação aflitiva; está agora connosco (partiu um pé e veio-se tratar cá) mas voltará para lá mais 3 meses, a cumprir um contrato. Está moralizado e garante-nos que estará aqui de vez em Outubro. Os restantes continuam a funcionar, mas muito assoberbados com trabalho, sobretudo desde que nos começámos a meter mais na intervenção política.

A vossa participação na Assembleia poderá fazer-se, de acordo com os estatutos, através do voto por correspondência, com quaisquer declarações que entendam úteis e que serão levadas ao conhecimento da Assembleia. Achamos de bastante interesse que o façam, tanto sobre o relatório da direcção como sobre outros assuntos. Se ainda nos for possível, enviar-vos-emos os projectos de moções que vão ser postos à votação, para que se pronunciem por carta. Achamos que o vosso afastamento não deverá impedir a vossa participação no essencial dos trabalhos.

Internacional — como tínhamos informado, estiveram entre nós dois dirigentes do MLP dos EUA, com quem tivemos uma semana de discussões bastante frutuosas; quando nos encontrarmos em Julho poderemos informar detalhadamente do que se tratou. Para já, resumidamente, podemos dizer que há um acordo no essencial; o entendimento do marxismo-leninismo como a demarcação nítida dos interesses do proletariado e portanto, a crítica às correntes burguesas democráticas, nacionais, etc., a crítica à linha do 7º congresso da IC, a crítica ao rumo da União Soviética desde os anos 30, a crítica ao PTA, a crítica às revoluções tipo sandinistas, etc. Alguns pontos em que fazemos apreciações diferentes: a corrente ML é ML com erros (tese deles) ou é apenas centrista? centralismo democrático significa monolitismo (tese deles) ou esse conceito deve ser rejeitado? Os últimos 50 anos tiveram grandes vitórias (tese deles) ou devem considerar-se 50 anos de derrotas? não interessa destrinçar qual dos dois blocos é mais perigoso (tese deles) ou deve-se dizer que o imperialismo EUA é o principal inimigo?

Vamos continuar a debater mas ficámos com uma impressão geral bastante boa. Eles publicaram recentemente um longo artigo no jornal deles a nosso respeito. Infelizmente não temos cópia feita para vos enviar, mostrar-vos-emos quando cá vierem.

Quanto ao PC do Irão, como já dissemos antes, entrou em contacto connosco e mandou-nos muito material que estamos a estudar. Parece-nos ter algumas fraquezas teóricas, como poderão ver pelos extractos do programa que publicamos na PO 5 mas é um partido com real base de massas e que se bate de arrumas na mão contra o Khomeiny. Do PC da Nicarágua (ex-MAPML) é que ainda não obtivemos nada mas, pelo que temos lido, parece-nos ser um partido sério, que conjuga uma posição anti-imperialista inequívoca com uma crítica aberta aos sandinistas e às suas incoerências.

Tribuna Operária — seguem junto 3 exemplares do nº O, que temos estado a fazer circular entre sectores operários que tocamos, para ver se ganhamos base de apoio para a sua edição definitiva. Só por nós não podemos fazer um jornal destes: precisamos de recolher notícias e informações de muitas empresas e ter uma rede de difusores. Vamos usar estes meses do Verão para tentar criar uma equipa de redacção e difusão, com vistas a iniciar publicação regular em Outubro. Está em preparação um encontro sindical com activistas de vários pontos do país (alguns deles ex-UDPs) para Setembro. A dificuldade aqui resulta do facto de a iniciativa ser disputada por outros agrupamentos e nós não queremos fazer um consórcio de grupos, que acaba sempre em guerras.

O almoço comemorativo do centenário do 1º de Maio, de que já tínhamos falado, fez-se com 130 pessoas, na maioria operários, e intervenções dos representantes dos vários grupos promotores. Teve um efeito positivo na ideia de que se pode começar a reagrupar a esquerda.

Técnico/finanças — acabamos de dar um novo “grande salto em frente” com a troca da máquina da composição por outra mais evoluída que nos permitirá agarrar encomendas de livros e trabalhos de mais vulto. Evidentemente, empenhámo-nos até a raiz dos cabelos (mais uma vez) mas pensamos não estar a ser aventureiros. SÓ o futuro o dirá, e o nosso esforço, evidentemente; discutiremos também este assunto convosco quando cá estiverem. Recebemos os dois vales que mandaram (…) que saldaram as vosas dívidas em publicações. Vocês dir-nos-ão em Julho se têm possibilidade de manter uma quotização regular.

Bonecos Zav — receamos que Zav esteja desgostoso com o pouco aproveitamento que temos dado aos bonecos. Isto não resulta de desinteresse da nossa parte. Pelo contrário, temo-los apreciado atentamente porque sentimos muito a necessidade de comentários gráficos; os reparos que têm sido feitos aos bonecos são os seguintes; o humor amargo e por vezes brutal (o que  é um defeito) torna-se em muitos casos difícil de apreender pelo leitor comum; as críticas a acontecimentos nacionais surgem com muito atraso, perdendo actualidade; há um certo número de piadas relativas à emigração que só se justificariam como ilustração a um artigo sobre o assunto (ex: a excelente venda de emigrantes às postas) mas a dificuldade é que não temos cartas de Paris.

Propomos pois que o Zav se procure inspirar em temas (nacionais ou internacionais) tratados na revista, que não sejam de mera conjuntura eleitoral, para não sofrerem com a perda de actualidade. Sugestões: o povo espera pacientemente na bicha da sopa dos pobres que Cavaco, Soares, Eanes, etc. decidam nos seus congressos se vão aliar-se ou guerrear; parabéns ao general Pedro Cardoso, super-comandante da nova PIDE; 183 novos desempregados em cada dia — avançamos aceleradamente para níveis europeus; Cunhal nega terminantemente que existam divergências no PCP, enquanto atrás da cortina se esmurram eurocomunistas e "ortodoxos"; etc, etc. Também as questões internacionais poderiam ser tema para bonecos: como o massacre dos presos políticos no Peru pelo social-democrata Alan Garcia, na presença da social-democracia internacional; os massacres de negros na Africa do Sul, etc, etc.

Por agora é tudo. Acabamos esta carta para a entregar ao R, que vai partir. Até breve, abraços para vocês de todos nós.

Carta 10
28/8/1986

Caros camaradas:

Recebemos ultimamente, além do "Monde" e da "Afrique-Asie", cinco números da revista ’’Cause du Communisme" e as outras publicações.

A questão principal que gostaríamos de ver em andamento são os contactos directos com o OCML-VP e com os representantes do PCI, conforme debatemos no nosso encontro.

Em relação aos primeiros, estamos a estudar a revista e poderemos depois pôr algumas questões por escrito. Para já, gostaríamos de conhecer a razão por que não se referem ao movimento ML e ao PTA e se têm alguma posição definida a esse respeito. Não sabemos se esse silêncio, da parte de um grupo já estabilizado e com vários anos de existência, significa desinteresse ou vacilações no corte. Mandamos junto um resumo da nossa opinião sobre o movimento ML, que poderias pôr em francês e que serviria também para o teu contacto com os apoiantes do PCI. Seria bom se conseguisses, a partir desse resumo, ter uma discussão com alguém responsável da OCML.

Vemos também que a OCML faz ura apreciação muito positiva da revolução cultural chinesa. Gostaríamos de ler algum trabalho que tenham sobre o assunto. Outra sugestão: estariam eles interessados em publicar no "Partisan” ou na "Cause du Communisme" algum artigo da PO que tu ou a R lhes traduzissem? Nós encaramos a hipótese de publicar alguma coisa deles.

O objectivo essencial seria, através de um debate com alguém responsável da OCML e falando tu como representante da OCPO, ficarmos com uma ideia mais precisa do que são e abrirmos caminho a um encontro formal de delegações, que se poderia fazer aqui ou em Paris. Seria bom também que averiguasses se têm conhecimento e o que pensam dos posições do MLP, EUA.

Quanto ao grupo de apoio ao PCI, deverias dizer-lhes que recebemos a carta deles, que estamos a receber os materiais do comité exterior em Estocolmo ("Bolshevik Messsge" e "Report"), dar-lhes o mesmo resumo das nossas opiniões sobre a corrente MI. (fizeram-nos perguntas a esse respeito) e procurar travar debate com eles.

A preparação da PO 6 está atrasada. Cá estamos à espera da certa de Paris (urgente!) e de bonecos do Zav. Enviaremos 10 ex. como pediste. Da lista de livros que te entregámos, destacamos o Castoriadis, que valeria a pena comprar (usado?).

E é tudo. Abraços para os três. Vemo-nos em Dezembro?

Sobre a corrente ML

Desde a nossa constituição como grupo independente, há cerca de 18 meses, informámos os partidos ML das razões da nossa ruptura com o PC(R) e propusemos a troca de publicações e o debate. Apenas com uma excepção, não nos responderam.

Verificamos que o conjunto dos partidos ML não admitem qualquer investigação crítica ao processo de degeneração da União Soviética, a Staline, ao 7º- congresso da IC, à teoria das "democracias populares”, à política do PTA, etc. Temos conhecimento de que numa reunião de 10 partidos ML realizada em Outubro de 1935 em Quito (Equador), o MLP/EUA e a OCPO foram denunciados como forças "provocatórias" por terem abordado publicamente estas questões.

Nestas condições, parece-nos irrealista esperar que os partidos da chamada corrente  ML possam evoluir para posições revolucionárias consequentes. Em nossa opinião, trata-se de uma corrente centrista decadente que de marxista-leninista só tem o nome e que se mantém à sombra do PTA, como sua força dc apoio externo.

A chamada corrente ML constitui-se herdeira de todos os desvios do movimento comunista internacional que nos anos 30-50 estiveram na origem do revisionismo moderno. Defende em palavras a política leninista de hegemonia do proletariado mas aplica na prática a política stalinista-dimitrovista de "frente popular" e de "democracia popular", visando a formação dum bloco operário-pequeno-burguês. Denuncia o maoísmo mas adopta a política  maoísta de apoio às burguesias nacionais dependentes. Proclama o marxismo-leninismo como "doutrina sempre jovem e científica" mas mantém uma atitude dogmático-praticista face à evolução da luta de classes. Declara-se fiel ao centralismo democrático mas suprime a democracia interna no Partido para defender o seu oportunismo.

Apesar do esforço para ocultar as divergências crescentes, a corrente ML está a ficar dividida em duas alas: uma, mais acentuadamente oportunista, constituída pelos "incondicionais" do PTA: PC do Brasil, PC(R) de Portugal, PC da Dinamarca, etc. Destaca-se nesta corrente o PC do Brasil, pela força com que exporta as suas próprias posições extremamente oportunistas de aliança com a burguesia liberal. O PC do Brasil teve um papel preponderante na degeneração oportunista do PC(R) e na nossa expulsão desse partido. Possuímos documentação, de que podemos ceder fotocópias, sobre a política do PC do Brasil.

A outra, ala, que agrupa actualmente a maioria dos partidos (PCs de Espanha, França, Suécia, Equador, México, Japão, Colômbia, etc.) faz algumas demarcações indirectas e cautelosas em relação ao nacionalismo da política albanesa, mas nenhuma crítica de princípios ao oportunismo, como se constata pela revista internacional que editam, "Teoria e Prática". Nesta ala, o PC de Espanha (m-l) tem sido o mais agressivo no esforço para isolar as posições de esquerda.

O PC da Nicarágua (ex-MAP-ML), que tem aparecido associado a esta corrente, mantém ao mesmo tempo relações com o MLP/EUA e, no terreno de política interna, faz uma crítica à pequena burguesia sandinista que nos parece correcta. O PC do Japão (Esquerda), também associado a esta corrente, parece ter desistido por completo das análises críticas que há anos iniciara ao passado do movimento comunista internacional.

Concluímos que a actual corrente ML não pode dar origem a uma nova corrente comunista. Só a afirmação e a ampla divulgação de posições narxistas-leninistas consequentes pode tornar-se um pólo de atracção das forças revolucionárias, cortar caminho à proliferação do oportunismo e precipitar a crise do centrismo pseudo-ML.

Por isso atribuímos a maior importância ao debate e à troca de documentos entre os partidos e grupos que iniciaram a crítica às origens do revisionismo moderno. No que se refere aos artigos até agora publicados na nossa revista "Política Operária", não nos é possível de momento traduzi-los mas procuraremos, na medida do possível, fornecer-vos resumos do que nos parece mais importante.

Propomos pois à vossa organização a troca de documentos e o início dum debate sobre as grandes questões do Movimento ML, como a tarefa mais urgente para a elaboração de uma plataforma comunista internacional, sem a qual é impossível a reorganização do movimento comunista.

 Carta 11
28/10/1986

Temos recebido as vossas encomendas com a "Afrique-Asie" e o "Flash". Esperamos que a esta hora já tenham recebido a PO nº 6, de que enviámos 10 exemplares. A segunda carta de Paris, sobre os atentados, teve que sair na secção de comentários porque o material já estava paginado. Fizemos alguns cortes na outra carta, que esperemos não aches mal. E saíram finalmente os emigrantes às postas (bastante elogiados por alguns leitores, criticados por outros). Esperamos mais cartas de Paris e mais bonecos.

Aguardamos opiniões críticas sobre a PO 6. Não estamos muito satisfeitos com o conteúdo, porque continuamos a adiar uma série de problemas de fundo, por falta de tempo para estudar, discutir, elaborar.

De toda a maneira, não parece mau. Chamamos a vossa atenção para o artigo de MR, bastante polémico. A capa também se tornou polémica, devido à ideia original do rectângulo branco. O autor (MR) assegura que se vê logo que aquilo representa Portugal mas muitos pensaram que era defeito de impressão... Mandem impressões críticas e sugestões. Tencionamos dar mais qualidade à secção de comentários (nacionais e internacionais), mas as dificuldades são grandes. Venha colaboração!

Estou a trabalhar num artigo sobre os processos de Moscovo e as repressões de Staline, para o nº 7. Calculam como são grandes as minhas dores de cabeça. Se conseguir aprontá-lo a tempo, enviarei cópia para aí, para darem a vossa opinião antes de ser publicado.

A "Tribuna Operária" sai dentro de dias, enviaremos alguns exemplares. Continua em preparação activa o Encontro sindical, marcado para 22 de Novembro. Elaborámos teses que serão publicadas dentro de duas semanas.

Já mudámos para a nova sede (um assombro!) e vamos fazer no dia 8 de Novembro um lanche-convívio com camaradas e amigos. A nova máquina é excelente e cá vamos pagando as prestações ao banco, com grandes apertos mas sem nos deixarmos ir ao fundo (por enquanto). No fim do ano será nossa, embora ainda fiquemos a pagar diversos empréstimos. Consegues arranjar-nos trabalhos?

Quanto à vida organizativa, continua assim, assim... O ZB já regressou e vai dar um empurrão ao trabalho sindical, que é bastante prometedor.

Isto quanto às nossas actividades. Quanto aos contactos que propusemos que fizesses aí, temos estranhado não haver nenhuma referência tua nos bilhetes que tens mandado. Admitindo a hipótese de um extravio, mandamos junto fotocópia da nossa carta de 28 de Agosto.

O teu contacto com o amigo dos iranianos (…) parece-nos agora mais urgente porque vimos no último nº da "Bolshevik Message" (Setembro) que o PCI prepara um encontro de debate preparatório internacional entre grupos da ala esquerda ML. Admitindo a hipótese de sermos convidados para esse encontro (citam a OCPO entre as organizações com quem estão em contacto), interessa-nos ter mais ideias acerca das posições políticas deles. Por isso uma entrevista tua aí poderá ajudar a orientar-nos. Naturalmente, não deverias referir que estamos à espera de ser convidados para o encontro.

Na carta de 28 de Agosto que segue junto verás como pensamos que deverias orientar os contactos, tanto com esse amigo como com a "Voie Frolétarienne". Diz-nos logo que possível alguma coisa a este respeito.

Da parte do MLP/USA temos continuado a receber os jornais: publicaram com destaque a mensagem que lhes foi enviada em nome da nossa 2ª Assembleia e iniciaram uma crítica bem argumentada e dura à política do PC Espanha (Raul Marco).

E é tudo. Ficamos a aguardar notícias e artigos e bonecos. Abraços para a R e S. Um grande abraço para ti.

 Mais livros que poderão ter interesse (tu é que podes dizer, são só sugestões):

Carta 12
12/12/1986

Caríssimos:

Respondemos à vossa carta de 15 Novembro (…).

A PO nº 7 sai amanhã. Vamos enviar-vos 10 exemplares, conforme combinado. Seguem também os 5 exemplares que faltavam da PO nº 5 e 25 da PO nº 1. O artigo de fundo desta PO é sobre Staline e os processos de Moscovo. Por ter sido acabado à última hora, já não foi possível enviar-vos o projecto para darem opinião. Mas queremos muito que digam o que vos parece. Julgo que, de qualquer maneira, alguma coisa avança quanto à posição ML sobre Staline. Pôs-se aqui a hipótese de se seria possível vocês passarem para francês o artigo ou extractos, a fim de poder ser distribuído a MLs de diversos países. Tu dirás o que te parece.

Com vistas à PO n° 8 (Janeiro-Fevereiro), pedimos que prepares uma "Carta de Paris" — a crise estudantil e as dificuldades do governo Chirac parecem coisas importantes que mereceriam um bom comentário. Ao teu cuidado. Com fotos boas, se possível. Pedimos também que nos envies logo que possível o artigo teórico que saiu na "Pravda" sobre a actualização do marxismo e o perigo das guerras de libertação nacional. Foi aqui referido na imprensa mas muito brevemente. Gostaríamos de ter o texto para comentar e supomos que terá saído aí no "Monde" ou noutros jornais. Nesta PO 8 vamos tratar com certo desenvolvimento o 9º congresso do PTA e o 5º congresso do PC(R), que acaba de ter lugar. Seria um número um pouco centrado na crítica à corrente ML. Para o nº 9, estamos a iniciar o estudo colectivo da revolução cultural chinesa. Como sempre, pedimos que colabores com tudo o que queiras e possas, inclusive em polémica com artigos que têm saído.

Contactos europeus — chegaste a encontrar-te com dirigentes da OCML-VP em 28 de Novembro? Há alguma reacção à circular em francês que lhes enviaste? E do MM, há alguma resposta? A hipótese de eu ir aí em Janeiro por enquanto é muito hipótese, seria preciso que se confirmasse o projecto dos iranianos sobre o seminário internacional, o que até agora não é o caso porque não soubemos mais nada. Não sabemos se andam nas diligências "diplomáticas” junto dos diversos grupos ou se desistem da ideia por agora. Aguardamos notícias.

Encontro sindical — Foi bastante positivo e deu uma polémica esclarecedora, como poderás ver por um longo artigo que vem nesta PO 7. A polémica polarizou-se entre nós, à esquerda, e o PSR à direita. Estamos a preparar a Tribuna Operária nº 2, que publicará uma versão final das nossas teses sobre a corrente sindical de esquerda. Está-se a formar em volta da "TO” uma rede de amigos e correspondentes espalhada por diversos pontos do país, muitos deles ex-UDPs que andavam à deriva. Só não avançamos mais depressa por escassez de forças mas estamos animados.

Presos — deves ter visto que foi pedida uma pena de 20 anos para o Otelo. Continuamos a participar na comissão de solidariedade e em breve enviaremos o boletim "Denúncia" nº 3, para fazeres aí a circulação que te for possível. Tem havido mais prisões e as perspectivas das FP-25/ORA parecem sombrias. Embora critiquemos a ideologia da "acção directa" como uma variante "explosiva" do oportunismo (deves ter visto na PO), continuamos a desmascarar a campanha antiterrorista e a solidarizarmo-nos com os presos.

Infraestruturas — continuamos a lutar desesperadamente para pagar as dívidas da máquina e obter o máximo de trabalho para a rentabilizar. Só nos falta pagar uma letra mas temo-nos endividado junto de vários amigos porque a carga é pesadíssima. Esperamos lá para Março-Abril estarmos donos definitivos da máquina e com a situação financeira mais desafogada. De toda a maneira, estamos a fazer o que julgávamos impossível: pagar a máquina no prazo de poucos meses. O FM veio-nos pedir orçamento para a revista mas quando lho demos desistiu logo, porque julgava que nós fazíamos um "preço de amigos" — quase de borla. A expansão da PO não tem progredido e tivemos que adiar o plano que tínhamos de uma campanha de publicidade na imprensa por ocasião do 1º aniversário — os preços são exorbitantes. Fizemos cartazes e tarjas de propaganda que temos colado nas paredes. Vimos a tua boa iniciativa do dossier de propaganda.

O resto do trabalho vai andando. Não alargamos mas mantemos. A Tribuna Coumnista não tem saído por absoluta falta de forças. Fazias-nos jeito cá. Mais dois pedidos: da colecção de Documentação sobre o Leste, um volume sobre a escala salarial na URSS. E a defesa da srª Chiang Ching em tribunal, que. nos seria útil para o artigo sobre a revolução cultural. Vi a revista que mandaste "Archimède et Leonard" mas é complexa demais para o meu entendimento. Também vi a tua poesia vicentina mas está num português dificílimo.

Um último pedido: podem enviar-nos alguma contribuição financeira nesta altura de fim de ano, subsídios de Natal, etc.? Precisamos de todo o apoio possível.

Abraços de todos nós

Carta 13
6/3/1987

Respondemos à tua carta. Esperamos que a esta hora já tenhas recebido a encomenda com a PO nº 8, a Tribuna Comunista nº 11, a Denúncia nº 3, assim como recortes de imprensa acerca do 1º aniversário da nossa revista.

A nossa última iniciativa foi a realização de dois debates sobre a questão Staline, em Lisboa e no Porto. O de Lisboa, sobretudo, com 30 pessoas, foi bastante participado e deu lugar a um debate animado. Manifestaram-se com certa força tendências anarquizantes que partem da crítica a Staline para pôr em causa o partido, a revolução, etc. Este confronto de opiniões foi muito esclarecedor para a maioria das pessoas presentes, que aprenderam mais assim do que se tivéssemos feito uma palestra "monolítica" à porta fechada. Pretendemos continuar com estes debates, que estabelecem uma ligação mais viva com os amigos da revista.

Neste momento, as nossas capacidades de elaboração de temas estão seriamente reduzidas por termos que nos concentrar no problema financeiro. Como disse antes, o pagamento em poucos meses da máquina de composição obrigou-nos a contrair uma série de empréstimos que ameaça afogar-nos. Felizmente estamos a conseguir bastante trabalho e vamos dar luta para pôr a empresa a flutuar. Mas esta concentração nas actividades técnicas e comerciais vai afectar provavelmente o nível da revista por algum tempo.

Lamentavelmente, a tua carta com as notas sobre os estudantes, o artigo sobre o “Carrefour du Développement" e as revistas com bonecos, chegou tudo tarde demais, quando já tínhamos a revista na tipografia. Sei que a tua vida é atarefadíssima mas peço que tenhas em conta as datas-limite para podermos meter a tua colaboração. Se nos puderes mandar alguma coisa para o próximo nº, deve cá estar no próximo dia 19 de Março. Vamos ainda meter o comentário sobre o escândalo do "Carrefour"; embora um pouco atrasado é interessante porque foi aqui pouco conhecido.

Recebi uma carta do JC, antigo companheiro de prisão, que tomou contacto com a PO por teu intermédio. Parece-me sinceramente desejoso de fazer qualquer coisa e já lhe escrevi. Seria bom que discutisses com ele e visses em que nos pode ajudar. Que opinião tens sobre ele? Estará ele disposto a vir cá brevemente para conversarmos? Peço que me escrevas sobre este caso, que pode ser de muito interesse.

Também escreveu o PA, em resposta a uma carta que lhe enviei, com a oferta da PO nº 7. Mostra-se preocupado com o sentido das nossas críticas (Staline, Albânia) e continua a não assinar a revista. Seria bom se lhe escrevesses, para lhe agitar um pouco as ideias e tirar o medo à crítica.

Quanto ao "Albatroz”: temos sabido pelo R do andamento dos trabalhos. Vou entregar-lhe o pequeno texto que pediste sobre o Zeca Afonso, não sei se servirá. Mas, pelo que entendi, o vosso "Albatroz" não dará trabalho de composição para a nossa empresa.

Tomámos nota dos contactos que fizeste com a OCML e o M. Soube há dias, por um comunicado da OCML que já rebentou lá a cisão e que mudam de endereço. Veremos como se desenvolve o caso mas receio que o grupo esteja em crise geral, talvez pela dificuldade em implantar-se, ao fim destes anos de existência. Um perigo que também nós corremos, diga-se. Por enquanto, ainda não conseguimos consolidar as pontas sindicais que nos apareceram. Estamos a iniciar um debate sobre a questão sindical, como poderás ver pela ”Tribuna Comunista” nº 11. Diz o que te parece sobre o assunto.

Do Irão, nunca mais recebemos notícias acerca do seu projecto de um encontro internacional. Continuo à espera de melhor oportunidade para me deslocar aí.

Por agora termino. Estamos assoberbados de trabalho. Até breve, um grande abraço para ti e para a R. Beijos para os pequenos.

Carta 14
16/9/1987

Caro M:

Respondo à tua carta de 9/9, que recebi hoje, pedindo também desculpas por este silêncio tão prolongado que te terá causado estranheza. A causa única é a grande sobrecarga de trabalho que caiu sobre mim e sobre todos os camaradas mais activos, devido à situação financeira difícil da empresa gráfica. Como já te tinha dito na última carta, a acumulação das dívidas estava a tomar-se ameaçadora, pelo que decidimos, em fins de Junho, concentrar todas as forças disponíveis na produção. Neste momento, felizmente, já pagámos cerca de metade da dívida e, continuando assim neste ritmo por mais uns meses, ficaremos com a situação normalizada.

É claro que isto cria uma situação preocupante quanto ao nível da revista e quanto à nossa actividade organizada, porque as pessoas menos activas são precisamente as que ficam sem assistência política e em risco de fazer a sua crise geral ideológica, que é coisa agora muito em moda. Mas não vemos alternativa porque, sem base gráfica própria, a revista ficaria tão cara que teríamos que a suspender. Para já, interrompemos a publicação da folha sindical "Tribuna Operária" e reduzimos os nossos contactos ao mínimo (o que também se proporcionou, naturalmente, pelo período das férias).Até ao fim do ano, teremos que fazer o ponto da situação e tomar novas medidas, até porque a assembleia que deveria ter sido realizada em Junho ficou adiada.

Com tudo isto, não pretendo fazer-te crer que não tivesse uma hora para me sentar a máquina e escrever-te (até tive tempo para uma semana na praia...), mas o facto é que a mudança de ocupações levou-me a deixar de lado toda a correspondência que habitualmente mantinha. Estou neste momento a ver se ponho as coisas em ordem.

Acerca do “Albatroz” — Foi especialmente chato da minha parte não te ter dito uma palavra sobre o trabalho em que puseste tanto empenho. Mas confesso que, além das razões acima mencionadas, fiquei desnorteado pelo tipo da revista e sem saber muito bem que apreciação fazer. Esperava uma coisa mais empenhada na crítica política e social, mais séria, o que não quer dizer que não fosse mordaz. Sou muito pouco competente para fazer apreciações a textos literários, mas a impressão que me ficou foi duma certa exibição de irreverência e agressividade que se pretende demolidora, mas que na realidade fica muito pela superfície, é muito mais uma atitude do que um ataque. Depois, pergunto-me: que espécie de público esperam vocês atingir com a vossa literatura de aguarrás? Não será precisamente o tipo de público que neste momento já renunciou a troçar do sistema e que redescobre os encantos da ordem estabelecida? É claro que não tenho ilusões de que fosse possível uma revista para a massa dos emigrantes. Esses, na melhor das hipóteses, papam as “Peregrinações”.

Mas não será que, ao rebelares-te contra a estreiteza mental da "Peregrinação", foste para um tipo de divertimento gratuito que faz pouca mossa?

Estas são, com toda a franqueza, as minhas reservas, sobre o vosso trabalho. Gostaria que vocês fizessem denúncias concretas, certeiras, com vistas a construir uma corrente de crítica ao que existe. É possível que esteja inteiramente desfasado das vossas preocupações, nas, já sabes, sou de ideias fixas.

Sobre a colaboração que me pedes, e à parte as minhas tremendas dificuldades de tempo, não tenho nenhuma objecção e pelo contrário tenho muito gosto em colaborar nessa questão dos salários em atraso. Tentarei escrever alguma coisa mas terás que me avisar com antecedência do prazo.

E já agora, troca por troca, porque não nos mandas tu uma carta de Paris para o próximo nº da PO? O prazo é até ao fim de Setembro, impreterivelmente.

Tenho recebido o Monde e outros materiais teus com certa regularidade. Estou a ler o livro que me mandaste em fotocópia, mas não faço ideia de quem é aquele homem (era do Libération?) e acho-o muito declamatório e moralista. Os outros até se riem dele. Quanto à PO 9, de que só recebeste um exemplar, vou dizer para te mandarem, mas julgo que tenha havido extravio dos correios porque os nossos serviços de expedição são (quase) infalíveis. Os ditos serviços pedem para te perguntar se queres que continuem a enviar a PO para (…).

Quanto à próxima PO, a sair até meados de Outubro, terá um dossier relativo ao 70º aniversário da revolução russa, com artigos do PC do Irão, do PCR do Brasil e de um grupo italiano, que me parecem interessantes. Além disso, comentários às últimas eleições portuguesas e a situação nacional e internacional. Infelizmente não vai haver bagagem para nenhum estudo ou artigo mais profundo e assim teremos que continuar até ao fim do ano. Temos trocado ideias entre nós sobre uma possível mudança de figurino da PO, tornando-a mais política e acessível, para tentar captar um público operário que até agora se manifesta pouco receptivo às nossas elaborações ideológicas. De qualquer modo, o assunto terá que ser maduramente discutido.

Tive encontros, com pequeno intervalo, com dois franceses que por aqui passaram de férias: um, muito jovem, do Partisan "dissidente" (…); e outro, que não deu o nome, do Partisan maioritário. Conversei com eles, sobretudo com o último, mas não fiquei muito esclarecido sobre as causas da cisão e o que lhes vai acontecer, quer um quer outro mostraram-se interessados em contactar-te, tu verás o que podes dizer-lhes. Fora disso, os nossos contactos internacionais estão todos congelados, à excepção da Suécia, donde nos escreveram, quase simultaneamente, dois partidos ML a propor contactos. Como dizia o Enver Hoxha, "o movimento cresce e fortalece-se..."

Há mais notícias e pontos a discutir mas ficará para a próxima, que espero seja em breve. Um grande abraço para ti e para todos aí em casa

Carta 15
22/3/1988

Caro M:

Tenho recebido os teus bilhetes. Quanto à publicação da carta aberta aos ex-presos políticos, tudo bem. Por mim, alivia-me muito essa solução, pois estou tão sobrecarregado de tarefas que não poderia cumprir a promessa do artigo sobre salários em atraso. Estamos a preparar o nº 14 da P.O., para sair em meados de Abril e desta vez queremos dar maior cobertura às questões do trabalho, o que exige mexermo-nos mais. Deves ter lido na imprensa que por aqui há uma certa agitação contra o pacote laboral do governo e está tudo em marcha para uma greve geral no dia 28, convocada pelas duas centrais, pela primeira vez unidas. Vai ser provavelmente bastante seguida mas sem combatividade, uma espécie de protesto simbólico para pressionar o Mário Soares a não assinar a lei. a situação do movimento operário continua difícil, muita desmoralização e falta de confiança nas próprias forças. O PCP parece ainda mais paralisado devido às divergências internas, e assim deve continuar até ao congresso, em Dezembro. O Cunhal mais uma vez faz papel de "esquerdista” contra os renovadores e o sentimento da base operária é de acreditar nele. Uma miséria portuguesa.

O nosso trabalho continua a romper contra ventos e marés, mas sempre os mesmos. Equilibrámos a situação financeira, que se estava a tornar uma preocupação absorvente, e estamos a tentar abrir-nos um pouco mais. Apesar do ambiente de derrotismo, há algumas pontas a explorar. É preciso porque a expansão da revista continua bloqueada e a nossa influência não sai dum círculo muito restrito de amigos.

Recebeste a P.O. 10 que te faltava? Quanto às contas que pediste, a situação é a seguinte: (…). Agora, desta importância deverias deduzir as revistas não vendidas, assim como despesas que tens feito com o envio do "Monde", etc. Conclusão: tu verás se podes mandar mais alguma massa. (…).

Quanto a encomendas: poderias obter-nos "L’état du Monde" 1987? Envia sempre o "Monde", tem interesse. O ZM telefonou-me a dizer que vai aí no fim deste mês, será uma oportunidade de fazerem o ponto da situação na emigração. Um abraço

Carta 16
4/7/1988

Só umas linhas para saber se vai tudo bem e para te dizer que penso estar em Paris em meados de Agosto, de passagem. Poderemos ver-nos e poderás arranjar alojamento por dois dias pare dois (eu e Ana)?

Recebi há pouco tempo um bilhete teu, depois de falares com o ZM, e em que dizes que pensas vir brevemente a Lisboa. Quando será isso? Vamos ver-nos?

Fico à espera de notícias tuas. Um abraço

Carta 17
4/9/1988

Só para te dizer que a minha deslocação aí teve que ser adiada, por motivos alheios à minha vontade. Não sei quando se concretizará. Estive com o ZM, conversámos e foi com vontade de fazer o possível ai fora. Tu discutirás com ele a forma de poderem colaborar nalguma coisa. Sobretudo a tradução dos artigos principais da P.O. para francês teria para nós muito interesse, porque vão surgindo pessoas interessadas em conhecê-los. Temos acompanhado a iniciativa do ’Albatroz' em torno dos presos políticos portugueses e tentaremos dar-lhe apoio através da S.C.R.

Neste momento estamos a preparar a PO 16, para sair em meados de Outubro, com um novo visual (maior formato, menos págs, mais barata, com mais comentários curtos), segundo uma ofensiva que decidimos lançar para ganhar leitores operários. Tu dirás o que te parece. E o Albatroz? Quando vens a Lisboa? Um abraço.

Carta 18
20/11/1988

Caro M:

Recebi ontem os "Monde Diplom" e a revista socialista-trotskista, que desconhecia por completo. Só algumas notícias: a festa do 3º aniversário da PO na Voz do Operário teve 200 pessoas, o Zé Mário Branco a cantar e também uma parte política (com discurso meu e intervenções de operários) que foi muito bem aceite. Verificámos que continua a existir um espaço (pequeno) de simpatia pelas nossas posições.

A PO 16 (novo estilo) teve uma saída mais fácil e já está toda distribuída, o que nunca acontecera. Presta-se mais a vendas militantes à porta das empresas, e também a colocar em quiosques. Consegues aí a distribuidora de que me tinhas falado?

Esteve aí o ZM? Como correu? E o Albatroz como vai? A iniciativa dos anúncios de página inteira sobre os presos tornou o nome do Albatroz conhecido a muita gente. Não sei se viste no "Jornal” de 10/11 uma referência ao meu nome, junto com o Eanes, Vasco Lourenço, etc., como apoiantes da saída de Otelo e adversários da violência. Mandei para lá um desmentido que publicarem anteontem, mas está a tornar-se evidente uma campanha de manipulação pata transformar a campanha pela amnistia a todos os presos políticos numa campanha só pela libertação de Otelo, mais um ou outro "não-terrorista". Houve declarações nesse sentido do Mário Soares, do Eanes e um pedido de indulto só para Otelo por parte do PCP também o PC(R) vem no último "Bandeira Vermelha" a defender abertamente a libertação só para Otelo e a chamar nomes aos outros presos. Tudo se encaminha para largarem lastro soltando o Otelo (não para já, mas talvez dentro de seis meses ou um ano) e firmarem-se melhor na condenação que deram aos restantes. Será de teres isto em conta na campanha que aí fazes, de acordo?

De resto, os nossos trabalhos por cá continuam, com poucos militantes a fazer muita militância. Não há outro remédio...

Manda-nos notícias tuas e das tuas actividades. Brevemente receberás mais uma folha "Denúncia" da SCR, onde há referências à campanha do Albatroz. Até breve, um abraço.

Carta 19
12/1/1989

Camarada:

Respondo ao teu cartão (duplo) de 3 de Janeiro, com desejos de que tenhas entrado no ano novo com o pé direito. Por aqui, não entrámos mal nem bem, as águas continuam mornas e paradas, apesar de agora os chefes das duas centrais falarem todos os dias na hipótese de nova greve geral. A recuperação económica cavaquista começa a fazer estragos e o exemplo da greve geral (a sério) em Espanha obriga a dizer alguma coisa. Mas o ambiente na base e a organização pela base continuam miseráveis e, nestas condições, a greve geral, mesmo que se faça, não aleijará muito o poder. Continua o tal refluxo "peculiar" de que falava o velho Arruda, muito mais "peculiar" do que ele podia imaginar. Ao que me consta, a situação, por essa Europa fora, é semelhante. E em Junho, eleições para o Parlamento Europeu. Temos estado a discutir as possibilidades de, em associação com os outros grupos de esquerda (à esquerda de UDP e do PC(R)) lançarmos uma candidatura, para dizer algumas verdades na televisão. Talvez seja possível. O caso está em estudo, não convém por enquanto falar em nada. Vamos fazer no próximo dia 29 a nossa Assembleia anual, para, entre outras questões, discutir esta e decidir. Queres vir cá? Suponho que não poderás, mas seria uma óptima ocasião para nos reencontrarmos.

A nova PO teve uma saída razoável (pela primeira vez desde o nº 1 foi toda distribuída) e neste momento estamos a lutar para que o nº 17, que acaba de sair não baixe a venda. Para teres uma noção de como as coisas aqui vão envio-te a informação que serviu de base à discussão que sobre o assunto tivemos em 25 de Novembro (não foi para comemorar a data!). Pelo teu cartão, deduzo que não recebeste o 16, pelo que meti no correio uma remessa de 10 exemplares, assim como 10 ex. do nº 17. Espero que desta voz recebas tudo. Precisamos muito da tua opinião crítica sobre este novo modelo. Estamos neste momento a negociar com uma distribuidora e vamos elevar a tiragem para uns 2.500, mas é uma aposta arriscada, se não conseguirmos tornar o nosso produto atraente! O que se pode melhorar, sem concessão nos princípios? Dá-nos uns palpites!

Consegues alguma coisa quanto a distribuição aí? Vi algures que existe uma Librairie Lusophone, em 22 rue du Sommerard, 75005 Paris. Será que se pode lá colocar a revista? Vê se podes fazer aí algo para furar a emigração.

Quanto aos teus envios: é muito importante para a nossa cultura geral que nos continues a mandar o Monde diplomatique, aprende-se lá umas coisas. Quanto aos livros que referes, ainda não apareceram, o que me faz recear extravio. As revistas "Sous le drapeau du socialisme" e do “Courant Communiste Alternatif" nao vale a pena mandares mais, já estamos elucidados do género. Em vez dessas, gostaria de conhecer, se te for possível, estas, por exemplo:

— ainda o seguinte livro:

Moshe Lewin, La formation du Système Soviétique, Gallimard, 1987

O ZM já entrou em contacto connosco e vamos encontrar-nos um dia destes para ele entregar os 300 F para a SCR. Foi uma óptima iniciativa. Não sabia que houvesse aí ambiente para juntar 200 pessoas em torno deste assunto. Recebeste o "Denúncia” nº 9? As actividades de solidariedade prosseguem em lume brando, estamos agora a preparar uma sessão na Amadora, onde existe urna comissão local. Pelo menos, os presos e famílias parece que se estão a convencer de que a saída não é para breve. Veremos como aguentam a desilusão. Sempre se fez a entrega das assinaturas na embaixada? Conta o que houver de interesse (sessão, assinaturas, para publicarmos no próximo "Denúncia".

Confirma-se a seriedade da crise do Albatroz? E nesse caso, qual vai ser a tua alternativa? Tenho uma óptima sugestão: vires para o pátrio lar, dar o teu esforço à recuperação económica cavaquista.

Fora de brincadeiras, não admites a hipótese de te fixares aqui? Arranjava-se com certeza algo em que te ocupasses. Pensa nisso e diz algo.

O ZM tem feito uns telefonemas de vez em quando, sempre alvoroçado com iniciativas entre mãos, desta vez umas reuniões alargadas de emigrantes para debater reivindicações. Adiou a ida a Paris e não sei se tem hipótese de ir aí proximamente. Vou-lhe escrever de seguida.

Até breve e um grande abraço deste teu camarada.

Carta 20
30/3/1989

Caro Camarada:

Julgo que tenhas recebido a minha carta de 16/2, assim como as 1C' 16, 17 e 16. Recebi o Albatroz (pouco político!!), Monde e outros jornais que tens mandado, tão vale a pena gastares dinheiro com o "Courant Alternatif”, o "Communisme" c a "Critique Communiste", já sei o que são.

A última novidade 6 que nos metemos numa frente com os trotskistas mais esquerdistas para concorrer às eleições do Parlamento Europeu. Seguem recortes, caso ainda não tenhas lido. Estamos a organizar a lista de candidatos, programa, um comício na Voz do Operário para 24 de Abril, etc. queres vir até cá por três meses fazer campanha? Seria bem bom, acho que se te arranjava ocupação e rendimento para sobreviveres. O objectivo desta candidatura, é claro, é exclusivamente de denúncia das instituições europeias e portuguesas, ataque ao governo, etc. Ainda não temos cabeça de lista. Escreve e manda novidades. Um abraço.

Carta 21
8/5/1989

Caro M:

Respondo às tuas cartas de 30/3 e 16/4. Estranho muito não teres mais uma vez recebido a P.O. Será que não está ninguém em casa da R durante o dia e o correio deita a encomenda fora? Enviei-te mais 4 ex. da PO 18 e 10 ex. da PO 19, espero que já tenhas recebido, assim como a minha carta de 30/3 e alguns papéis da PER.

A candidatura está a andar. Compreendo que seria difícil a tua deslocação. Se pudesses enviar-nos imagens (vídeo) da vida dos imigrantes aí para incluirmos no tempo de antena da TV seria bem bom. Quaisquer sugestões ou tópicos para metemos nos programas rádio e TV serão de grande valor, mas seria precise mandares com urgência.

Tenho recebido livros e jornais teus. O ZM telefonou há dias, está tudo bem mas dificuldades financeiras impedem-no de ir a Paris.

A tradução francesa do Anti-Dimitrov está pronta, vou fazer uma revisão e depois edita-se. Tudo tão lento! Quando isto acalmar escrevo uma carta mais detalhada. Tivemos aqui um encontro com camaradas da Voie Prolétarienne. Confusos, pareceu-me.

Carta 22
15/5/1989

Camarada:

Um acrescento à minha carta de dia 8. Peço-te que nos informes rapidamente se tiveste conhecimento de que tenha estado alguma banca em nome da FER na festa da "Lutte Ouvrière" que se realizou em 15, 14 e 15 (acaba hoje). Isto porque nós aqui afirmámos não querer participar mas não temos a certeza de que os grupos trotskistas com que estamos a colaborar na FER não nos preguem a partida de ir usar o nome da FER. Diz alguma coisa rapidamente se puderes. E se puderes mandar algum vídeo sobre situação dos imigrantes em França mete-o no correio sem demora, para ver se ainda incluímos no programa que estamos a preparar para a campanha eleitoral.

Vamos fazer aqui um almoço anti-Salazar no dia 28 de Maio, está a haver uma recuperação descarada do fascismo. O Varela Gomes discursa, eu se calhar também. Queres cá vir?

Um abraço.

Carta 23
14/6/1989

Caro Camarada:

Só uma carta breve para te informar da nosso saída da frente da Esquerda Revolucionária que disputa as eleições ao Parlamento Europeu. Foi uma decisão difícil porque sabemos o descrédito que arrasta em torno da esquerda, mas não tivemos outra alternativa porque os nossos sócios trotskistas são desleais em extremo e estavam a violar todos os acordos assinados, procurando servir-se de nós como muleta para a propaganda do seu "partido" em formação e para apresentar uma oposição moderada, reformista, que não correspondia nada ao que pretendíamos desta campanha. Como não tínhamos força para os meter na ordem (a Frente é legalmente propriedade deles), tivemos que sair. Envio comunicados e em breve poderás ver na PO 20 a análise que fazemos do incidente.

De resto, a nossa "guerra" continua. E tu? Não tens mandado jornais nem livros. Não te esqueças de nós. Um abraço

Carta 24
8/8/1989

Caríssimo M.:

Tenho recebido ultimamente um rio de encomendas da tua parte, o que é muito agradável. Só fico doente quando tu insistes em escrever para te mandar a P.O. quando nós a expedimos pontualmente cada vez que sai. Que número não recebeste? O 18? O 19? O 20? Será que o carteiro, não encontrando ninguém em casa, deita fora a encomenda? Queres que seja expedida para outra morada? Agora o próximo nº só vai sair em fins de Setembro, princípio de Outubro. Diz se queres que vá para outro lado. O que te parece a revista?

Temos consciência de que tem evoluído pouco, tem dito poucas coisas novas e vamos fazer um esforço maior nesse sentido, O nosso carácter é de revista de propaganda e não ganhamos nada em ser uma espécie de revista-jornal. Tencionamos manter o figurino actual, mais ligeiro que o anterior, mas procurar dar mais conteúdo às secções, fugir ao estilo informativo que não nos compete. Fizemos recentemente um debate inconclusivo sobre problemas da revolução russa e estou a preparar um artigo nessa base, talvez para o próximo nº. A nossa vida continua dentro de parâmetros estreitos, numa área de influência reduzida, a participação na FER com os trotskistas foi uma tentativa para nos tornarmos mais conhecidos e alargarmos a influência mas estava de facto “acima das nossas posses" e fomos forçados a desistir.

charge

Quanto à questão que colocas sobre a homenagem no próximo Albatroz ao militante kanaka que matou Tjibou(3), só sei o que li na imprensa e no recorte que me mandaste. Parece-me fora de dúvida a justeza disso, para trazer ao de cima toda a podridão do processo dos acordos neocoloniais. Mas só tu aí no terreno francês podes medir os reflexos e a maneira de tratar o problema. Receias que produza um isolamento em relação aos meios de esquerda dai? As tuas impressões sobre a jornada de 8 de Julho na Bastilha estão interessantes e pensamos publicar na próxima P.O., embora saia com atraso. Escreve mais. O boneco também irá sair, só estamos a matar a cabeça em como traduzir a tua piada "A bas la dette! A bas la disette!".

Escreveu-me um moço francês, PK, a pedir contacto para ti. Dei-lhe a morada da R, não sei se fiz mal. Queres escrever-lhe? Era do Partisan. Um grande abraço e continua a mandar papel

 

 

Carta 25
20/10/1989

Caro Camarada

Respondo aos teus últimos cartões, esperando que já tenhas recebido a PO 21, onde vem uma importante Carta de Paris e uma caricatura muito interessante. Esperamos que haja continuação.

Seguem em carta separada, para a morada da R, três suplementos em francês, com os quais poderás começar uma grande ofensiva nos meios de esquerda parisiense. Dentro de um mês ou dois haverá mais.

Quanto à proposta que fazes de reproduzir o meu texto de há uma dúzia de anos sobre a tortura do sono, com toda a franqueza, não me agrada nem acho aconselhável. Como já vimos na altura, o texto conduz, queira-se ou não, a uma certa justificação das declarações na polícia sob o efeito da privação do sono. E não penso que um posfácio pudesse alterar essa conclusão. Se vires utilidade em transcrever alguma parte do texto no corpo de um artigo, para dar uma ideia mais concreta sobre a tortura do sono, evidentemente que não tenho objecções. Mas a publicação na íntegra é que me parece inconveniente, pelas razões que já indiquei.

Em todo o caso, para dar uma ajuda ao próximo Albatroz, mandamos algumas revistas sobre a repressão em Espanha que talvez te interessem.

Já enviámos novamente a PO 16, como pediste. Confirma a recepção.

Continua a enviar Mondes Diplo e outros materiais, que nos são muito úteis, e mais uma vez pedimos colaboração tua para a PO. O próximo número será fechado em 15 de Novembro.

Um abraço

Carta 26
7/10/1990

Caro M:

Tens razão, não é normal eu estar tanto tempo sem te escrever. Como desculpa só posso invocar a minha velhice... Espero que com um argumento destes me desculpes tudo. O que acontece nestas situações em que não temos mãos a medir é que periodicamente escolhemos uma frente principal de combate e tudo o resto vai por água abaixo. É o que tem acontecido. Deixei praticamente de tratar da correspondência, não porque isso fosse de todo impossível mas porque me pus a tentar fazer um documento sobre a revolução russa (ainda outro !) e fiquei bloqueado no meio de livros a reler, dúvidas, sentimento de ignorância, escrever e deitar fora... A ideia era de publicar na PO 26 (acaba de sair) uma longa "Resposta aos comunistas americanos" fazendo polémica com a posição do Marxist-Leninist Party com quem estamos em contacto e aproveitando para uma perspectiva global sobre o ciclo das revoluções do século XX. Tarefa atrevida e que ameaça dar cabo de mim. Tínhamos previsto uma reunião de debate geral sobre o tema durante as férias de Verão, mas só se discutiu o esboço inicial a que eu consegui chegar e já não pôde ser acabado para este nº da PO. Está agora previsto para o próximo, havendo uma discussão geral prévia em fins de Outubro ou começo de Novembro. Assim que tiver o projecto pronto envio-to. Se tu pudesses cá estar para participar no debate era óptimo. Se não, pelo menos manda críticas por escrito. De maneira geral posso-te dizer que à medida que vou deitando fora as roupagens stalinistas tradicionais vou descobrindo que havia muitos argumentos justos no que diziam os "anarco-comunistas", embora a sua posição final fosse sempre de cair para o lado da social-democracia. Refiro-me ao poder dos sovietes, relação entre partido e classe, etc. Enfim, tu verás! Se entretanto não te chegar o texto é porque eu fui internado no manicómio...

A PO 26 saiu, não tem nada de muito especial, mas iniciámos uma polémica com uns camaradas brasileiros, que são o resto da extrema esquerda do PRC, mas, para o nosso gosto, pendem muito para o reformismo.

Na crise do Golfo, é claro, estamos isolados e em luta contra todos. A onda de chauvinismo imperialista é espectacular, não me lembro de ver neste desgraçado país do Terceiro Mundo uma unanimidade tão geral quanto àvantagem de "dar uma lição ao Saddam Hussein". É verdade que nas fábricas encontras operários a simpatizar com o Iraque e até a exaltar o bandido do Saddam como um herói, nas o que sai a público, para a rua, é só prõ-americanismo. A imprensa então ê repugnante. O PS atacou severamente o governo... acusando-o de falta de clareza no apoio aos EUA! O PC critica suavemente os americanos mas sem fazer ondas. Estamos a servir de porta-aviões aos americanos numa agressão anti-árabe mas toda a gente acha natural. Depois de uma discussão com jornalistas de esquerda que apoiavam o Bush fiquei tão irritado que mandei um artigo para o Diário de Lisboa. Segue fotocópia. Seguem também dois outros artigos que publiquei recentemente. Nós gostaríamos de convocar uma acção qualquer de rua contra o envolvimento de Portugal como criado dos EUA mas faltam-nos pernas para isso. Aí em França deve ser pior ainda, calculo. Li um recorte de imprensa daí com uma declaração do Garaudy e Ben Bella que me pareceu correcta. Até o Garaudy já é esquerdista?!

Por que é que tu não nos mandas um comentário para a próxima PO sobre a crise do Golfo vista de Paris pelo nosso correspondente? Gosto muito de receber os teus jornais e bilhetes mas gostava muito mais de receber artigos.

Estive recentemente com o CF e o V que por aqui passaram e se encostam um pouco a nós, já que nas áreas anarquistas está tudo de rastos. O V é um tipo esperto, publicamos uma carta dele acerca da revolução russa, prometeu emprestar-me alguns livros sobre o assunto.

Como vai o Albatroz? Confirma-se a crise ou conseguem dar a volta? Agora que já tens carta minha, é a tua vez de escreveres a contar coisas daí. Está atento porque brevemente seguirá o meu projecto de artigo para discussão. As opiniões que tiveres tens que transmitir rapidamente visto que a ideia é publicar já na próxima PO.

De contactos internacionais, continuamos na mesma, só com uma baixa dum grupo sueco que começou a estudar e aderiu ao trotskismo e agora resolveu integrar-se num grupo social-democrata. É fatal!         

M, um grande abraço.

Se vieres a Portugal não te esqueças de te encontrar connosco ! Abraços para a R e miúdos

Carta 24
30/10/1990

M…íssimo:

Recebi hoje a tua carta de 22 e agora mesmo respondo. Vou aproveitar as tuas notas para uma crónica de Paris, incluindo-lhe alguns comentários sobre os panfletos que envias da manifestação; para dar mais cor local, de acordo?

Segue aqui o texto sobre a revolução russa, com a parte final mal lambuzada, por dois motivos: 1º porque já não tive tempo; 2º porque o MLP pouco fala sobre o período inicial. Em todo o caso, penso que precisa de definir posições quanto a algumas críticas usuais (os bolcheviques montaram a cavalo nos sovietes para se servir deles e destruí-los? o grupo "Oposição Operária" tinha uma alternativa? etc.), Enfim, sobre o que aí vai peço que se tiveres reparo ou sugestão de vulto escrevas urgentemente, porque a PO será fechada cerca de 20 Novembro.

Vou-te mandar dentro de 4-5 dias o artigo que pedes sobre o Golfo, embora não tenha bem ideia do tamanho que pretendes. Então agora andas associado com o V? Vamos acabar todos em anarquistas! Não deixem cair o Albatroz!

Carta 25
9/11/1990

Caro M:

Aí te mando o comentário sobre o Golfo. Receio que não adiante grande coisa e que esteja demasiado ideológico (defeito das minhas literaturas) mas de imediato não me saiu melhor.

O V escreveu-me há dias sobre a colaboração que te vai dar no Albatroz ... e propunha a publicação (com arranjos) dum artigo meu que saiu no "Público" sobre o Verão quente. Deixou o assunto ao teu critério; por mim não há impedimento nenhum, mas dois artigos meus na mesma revista é capaz de ser demasiado. Publicas os dois ou só um deles ou nenhum, conforme convier.

Não pias nada sobre o texto que te mandei acerca da URSS? Mau sinal: Ou não lhe encontras nada novo ou discordas. Vemos fazer amanhã o debate, logo se vê o que sai. Um grande abraço.

Carta 24
20/2/1991

Velho M:

Estou aplicadamente a responder e a ausência não é de tantos meses como dizes; a minha última foi em Novembro, nada mau. Tenho recebido um rio de bilhetes, recortes, jornais, até um livro ("Mon ami le roi"). E também as tuas duas colaborações: a última, curta, saiu no PO 28 (por gralha não foi mencionada como "Carta de Paris"); a outra colaboração, com notas e discordâncias sobre a carta aos comunistas americanos já está composta e ere para sair no caderno cor-de-rosa deste nº 28 mas a acumulação de materiais sobre o Golfo obrigou a pô-la de parte. Sairá no próximo nº.

Creio que não tens razão nos teus receios a que deitemos demasiadas coisas pela borda fora. Julgo haver na tua visão sobre a URSS ainda uma carga antiga (quanto ao poderio, ao social-imperialismo, etc.) que me parece (que nos parece a nós aqui) desmentida pelos acontecimentos recentes. Eu acho a perspectiva que damos hoje nesta PO sobre a degenerescência e apodrecimento do regime soviético muito mais marxista-leninista do que a que herdámos dos chineses, albaneses, etc. Sem dúvida, o assunto precisa de mais discussão e a tua carta ajudará a essa reflexão. Esteve cá um dos dirigentes do MU americano e travámos debates, inconclusivos mas amigáveis. Eles prometeram publicar no seu jornal uma resposta à nossa resposta, dentro de alguns meses. Quando a tivermos mandar-te-ei; possivelmente publicaremos.

Golfo: temos estado desesperadamente a tentar agitar as águas pantanosas do consenso pró-americano nesta terra, como verás pela PO 28 e por uma folha da CCIG(4) que aqui te mando junto. Estamos de novo associados com os trotskistas da FER, porque foram os únicos a condenar sem reservas a agressão imperialista americana. Hoje estivemos mais uma vez com uma exposição de painéis na Rua augusta e distribuindo comunicados. Suscita uma enorme atenção e discussões por vezes acaloradas, com opiniões fascistóides a vir ao de cima a cada passo. Depois de amanhã vamos fazer nova concentração frente à embaixada americana, mas não espero mais de duas centenas. Mando-te também fotocópia de alguns artigos que tenho publicado na imprensa, é possível que algum vá repetido; tenho um artigo no "Público" à espera que saia, sobre o "anti-americanismo primário" (a desculpa preferida dos nossos intelectuais vendidos) mas está difícil de sair, desconfio que as minhas hipóteses no "Público" vão acabar.

Recebi o artigo que te mandei "Lisboa a sono solto" traduzido em francês, mas não percebi porquê, porque não me voltaste a dizer nada sobre o “Albatroz" que iria sair e para o qual te mandei esta colaboração. São dificuldades financeiras, suponho? Há perspectivas de sair a breve prazo? O V afinal sempre te dá alguma ajuda? Diz-me alguma coisa sobre isto.

Ficámos aqui muito satisfeitos por ter chegado a resposta de Serfaty(5) e a confirmação de que recebeu a encomenda com a PO. Temos estado a enviar-lhe a PO regularmente, espero que a receba. Vou decifrar o texto elaborado pelos presos sobre os recentes acontecimentos em Marrocos, talvez se possa publicar algo no próximo nº. Foi pena não ter chegado quinze dias antes; fiz um pequeno artigo sobre o assunto com base nas notícias dos Jornais, que saiu na PO 28.

Quem apareceu aqui com alguns manifestos mais radicalizados sobre a cruzada do Golfo ainda foram os anarquistas, temos algumas pontas para alguns, procurando vias de colaboração nesta frente. E aí, depois das manifestações que informaste, amainou o ambiente?

Ainda não li a tua intervenção no congresso sindical, chegou aqui ontem, depois te direi algo.

Quanto ao resto da nossa actividade, segue como normalmente, isto é, reduzida a um punhado de "fanáticos" e por isso cheia de deficiências, mas cá vamos. Eu canalizo as minhas fúrias para os jornais; enquanto mas publicarem... Ontem mandei um depoimento para o "Independente" (da direita) sobre o maoísmo.

Um abraço, até breve

Carta 25 5/6/1991

Caríssimo:

Os teus materiais têm chegado em ordem. Vimos o teu apelo para apoios para a saída do "Albatroz" e, a título mais simbólico do que outra coisa, dada a nossa escassez de meios, decidimos enviar 5.000$00. Foram num vale postal para essa morada (a Ana juntou mais 1.000$00 pela despesa do livro que lhe mandaste). Ficamos à espera do material. Já chegou aí a PO 29? Enviei para as três moradas.

Estamos a preparar um pequeno manifesto para o 25 Abril / 1º Maio e um encontro do pessoal. Também pensamos fazer uma assembleia em meados de Junho, será possível contar com a tua presença?

Em breve te escrevo com mais vagar. Um abraço

Carta 26
5/6/1991

M:

Tens razão, estou bravo contigo e vou cortar todas as relações: fizeste-me outra vez a partida de passar por cá e não me passar cartão. Só tens uma desculpa, foi essa das três frentes de combate simultâneas. £ pesado para qualquer um. Da próxima, tens denúncia pública na P.O. como "elemento suspeito anarco-trotskizante", pelo menos. O "Albatroz" está mais sumarento que os anteriores e mais politizado, pareceu-me. Fiz uma nota à pressa na última P.O. (põe-te alerta, deve estar aí a chegar!), hão conheço nada dos meios da esquerda real aí de Paris, mas parece-me que o "Albatroz" se pode tornar um ponto de encontro de sensibilidades variadas, convivendo aí em boa paz. Pelo menos não há dúvida de que te tornaste mais atrevido nos teus contactos; agora já preparas uma colaboração do Bettelheim! Oxalá a distribuidora (…) faça alguma coisa pela revista aqui, criar um certo público aqui na parvónia seria um apoio para ter a continuidade assegurada. Nos meios da imigração portuguesa aí, calculo que não tenha saída, até pela pouca colaboração sobre temas que lhes digam directamente respeito. A minha colaboração, diz-me para quando será precisa; por acaso fiz para a P.O. um comentário justamente sobre o Papa e a religião, mas não impede que escreva outro, num registo um pouco diferente.

Esteve cá o V: interrogámo-lo sobre a saída do "Albatroz" mas ele, sempre sem querer fazer críticas, foi dizendo que tu monopolizas muito a condução das coisas. Deve ter uma parte de razão porque tu mesmo o reconheces na tua carta. A outra parte, que ele não diz, é a falta de genica dele para trabalhos desses. Só mesmo leninistas-stalinistas-maoístas-enveristas-kimilsunguistas como nós são capazes de fazer revistas subversivas num tempo destes.

A P.O. vai na mesma, apenas um pouco mais aberta também nas colaborações,o que não nos faz mal nenhum. Romper o cerco, é a palavra de ordem do presidente Mao. Ou melhor: combinar a guerra de subterrâneos com umas sortidas fulminantes para desorientar o inimigo! Agora vamos entrar na pausa de férias e eu vou aproveitar para trabalhar dois artigos que tenho andado a adiar por falta de tempo mas que tocam em pontos sensíveis: 1) Será que o descalabro do Leste prova que os anarquistas tinham alguma razão e que o Lenine era um autoritário e o próprio Marx teria aberto a porta ao triunfo dos burocratas? 2) Será que a evolução económico-social contemporânea está a dar o golpe de misericórdia na teoria da hegemonia operária e da ditadura do proletariado?

Atrevimento não me falta, como vês e o pior é que neste momento não faço ainda bem ideia de como responder a estas ideias. Ando a ler e a meditar, vamos a ver se daqui até Setembro não me embaraço em interrogações. Fora disto, agito-me em remorsos cíclicos por não avançar com o tão falado livro sobre o PCP e, como já é costume, todos os anos à entrada do Verão ponho-me a pensar que talvez tivesse tempo para...

De resto, cá vamos. O núcleo da P.O., depois de ter mirrado a olhos vistos, parece ter-se consolidado na sua travessia do deserto. Até quando? Financeiramente, acho que vamos sobrevivendo, com menos angústias do que antes.

Escreveu-nos o Paul, da "Voie Prolétarienne”, dizendo que está traduzir para francês a "Resposta aos comunistas americanos". Tens contacto com ele? Seria bom fazermos um suplemento com este artigo e tu distribuíres aí pela tua lista de possíveis interessados.

Óptimo pela cassete do filme da Intifada, estamos a pensar numa sessão pública de aniversário lá para fins de Setembro e seria interessante. Piquei chateadíssimo com essa de se ter perdido o livro de Las Casas, a etiqueta ia colada, o que deve haver é muitos roubos nos correios aí em França. Agora não tenho nenhum outro exemplar para te mandar mas vou pedir ao editor. Andamos a animar uma comissão contra a histeria nacionalista em torno dos Descobrimentos, contra o "regresso a África" (palavras do presidente Bochechas) e contra a exploração dos imigrantes africanos e o racismo. Vamos a ver se singra. Depois mando-te os papéis que houver.

Quanto à eleição do Tomé na lista da CDU, em lugar cedido pelo PCP, sem comentários... O Pires deu uma entrevista ao "Expresso" justificando o acordo porque o PCP mudou, embora ainda não saiba que mudou! Autêntico! Eu a pensar que o tipo tinha entrado em depressão e eis que aí aparece o velho Pires todo risonho e optimista. Sou mesmo ingénuo!

Esta folha em que escrevo acabou. Não deves dinheiro nenhum à Ana. Um abraço

Carta 27
25/7/1991

Caríssimo:

Tenho recebido pontualmente as jornaladas que me vais mandando e que me servem de respiradouro. O Monde Diplo é-me muito útil, como creio já te ter dito. Ainda só passei os olhos pelo livro do Tom Thomas, que me faz inveja por não ser capaz de me abalançar a põr em livro as minhas reflexões. Adiante.

A menção feita ao texto da haitiana no "Albatroz" pode não ter sido muito feliz, mas não me parece grave. Julgo que fiquei chocado pelo contacto com algo directo sobre esse país, de que é raríssimo aparecer algo por aqui. Poderá ter havido uma concessão da vossa parte, mas não me parece que a revista tenha perdido por isso.

Nós cá estamos a preparar a PO 31, que vai cair em cima de mais uma fogosa batalha eleitoral. Prevemos uma assembleia da reduzida organização que somos para 22 Setembro. Queres cá vir? Seria óptimo.

O relatório da comissão de investigação sobre o Golfo é aqui completamente desconhecido e como o assunto aquece de novo vamos publicar um resumo na próxima PO. Manda mais sobre isto se tiveres. Além disso, podes mandar mais sobre tudo.

Um abraço

Carta 28
29/8/1991

Caro M:

Espero que a vida te corra bem e as férias melhor ainda.

Que me dizes às notícias da URSS? Vamos preparar uns comentários para a próxima PO mas receio que não tenham o sumo necessário em assunto de tanta envergadura. Não poderás mandar-nos daí algum comentário teu, assim como papéis da esquerda esquerdista sobre o assunto? O PCP aqui está agitado e o Judas parece desta vez ter-se decidido a disputar a chefia ao velho. Talvez vá sair um pecepezinho "renovador”. Fiz um depoimento para o "Expresso", vamos a ver o que publicam, segue cópia para veres o tom que lhe dei.

Como te disse na carta anterior, vamos fazer um encontro no sábado 21 de Setembro (e não domingo como tinha dito antes). Se te calhasse estares em Lisboa nessa data era bem bom. Dá um jeito!

Vi referências num dos 3 papéis que ne mandaste a uma revista "Marxisme Aujourd’hui" de que é director o Pierre Broué. Poderias obter-me um exemplar para ver como é? Gosto de ler toda a papelada de esquerda que me envias. Agora é que é o período das cem flores, mas não se vê nada a desabrochar. Um abraço

Carta 29
24/10/1991

Olá, M, só agora respondo aos teus múltiplos materiais, o último de 16/10 com o livro do Tom Thomas.

A última P.O. pode estar um pouco mais arejada, como dizes, mas isso não corresponde a nenhuma activação especial entre nós. Continuamos muito reduzidos e asfixiados. A última Assembleia não correu mal mas não produziu nenhuma discussão de fundo. O debate concentrou-se demasiado na questão eleitoral, com alguns camaradas (Porto) a insistir para não apelarmos publicamente à abstenção, para não se verem atacados e isolados na sua empresa, como "cúmplices da direita". Houve algumas vozes (uma aberta e outras implícitas) no sentido da concentração de votos na CDU, "para ajudar a deslocar os militantes que lá estão desorientados". Contudo, não foi difícil concluir pela abstenção. O pior foi que se gastou demasiado tempo nisto. E também num outro debate significativo (também com o Porto): a reclamação de que deveríamos ser menos ideológicos e mais virados para os problemas económicos da classe, a fim de rompermos o isolamento... Sintomas do grande refluxo, que leva os nossos camaradas e sentirem-se acossados.

O debate sobre a União Soviética, em que participaram alguns amigos da revista (faltaram contudo vários outros que esperávamos aparecessem) não adiantou muito, talvez por má preparação nossa. Na falta duma apresentação audaciosa do tema, prevaleceu a confusão da maioria das pessoas, especulações sobre o que vai acontecer a seguir, etc., e não debates sobre o fundo do fenómeno.

Enfim, como terás notado pela notícia da Assembleia na P.O. 31, esta não adiantou muito à nossa história.

Marroquinos — vamos enviar a revista aos dois presos que nos "recomendas". Estranhámos as declarações calorosas do Serfaty acerca do PCF. Tens algum contacto com ele? Podes mandar-nos a morada dele em Paris? Seria possível debater com ele para evitar que se encoste demasiado aos revisas?

O Frederico do "Expresso" é mesmo o Fred. Foi ele que me telefonou no outro dia a pedir o depoimento. A princípio não quis atender o telefone mas depois lá me convenci que, como .jornalista, podia falar com ele. Publicou só uma parte do que escrevi mas não me sacaneou.

Albatroz — vi a informação de que tiveste um subsídio para o próximo número. Isso é que é sorte! Tenho ideia de que ficou combinado há já tempo eu enviar-te algum texto mas já estou um pouco confuso. Diz-me que género de literatura queres, tamanho, prazo, tudo, para ver se não dou barraca.

Para a próxima P.O., o que é que nos ofereces? Vou ver se faço já de seguida um artigo muito simples sobre o ano 1917, por causa das aldrabices que agora todos os vigaristas escrevem com o maior à-vontade sobre "o golpe dos bolchevistas" contra a pobre democracia que lá existia na Rússia nessa altura. O emérito Espada escreve sobre a "contra-revolução" de Lenine e toda a gente baixa as orelhas! A isto chegámos! Mas não posso passar o tempo a escrever sobre o passado, tu também me dás o toque na tua carta e é verdade, vou insensivelmente concentrando a minha atenção nos tempos antigos, quando é preciso dizer tanto sobre o que acontece hoje. Estarei com a perspectiva do velho combatente a falar dos seus tempos? Não quero! Enfim, ajuda-nos a fazer uma P.O. mais viva, manda coisas da tua lavra. Por agora é tudo. Até breve, um abraço  

Carta 30
5/11/1991

Caro M:

Muito grato pela assinatura do "Monde Diplo", recebi pelo correio directamente de lá, deduzi que tenha sido iniciativa tua.

Estive a ler o trabalhe do Tom Thomas sobre a "Opacidade", segundo entendi da tua carta é para publicar no próximo Albatroz, mas, francamente, pareceu-me pesado de mais para o estilo da revista. Não só por ser extenso, nem pelo tom, mas sobretudo por ser uma exposição em estilo académico, não aplicada a uma questão concreta. Quanto a mim, ficaria mais interessante se o autor, a propósito dum comentário de actualidade, fizesse as suas considerações.

Estou à espera que me digas se contas comigo para algum artigo, tema e tamanho e prazo! Mas também não desisto de te pedir (com urgência!) uma carta de Paris para a próxima P.O.: as greves, o racismo, a podridão dos socialistas, sei lá! Estamos a tentar diversificar e animar mais a revista e tu tens que ajudar. Certo? Por agora ê tudo. Um abraço  

Carta 31
30/12/1991

Caro M:

 Fim do ano, carta rápida. Vou aproveitar os materiais que mandas sobre presos marroquinos e superexploração, assim como o caso Joel Lamy, para a próxima PO.

Aproveitei os tuas notas sobre  ética também para  o próximo, apenas suavizando os referências ao Ronald, não vá ele cortar connosco já à partida. Segue fotocópia da revista deles, "Arma da Crítica". Eles prometeram tentar distribuir a PO no Brasil e em troca pedem -nos divulgação deste lado dum jornal que fala sobre casos de repressão e se chamo "Resistência". Poderás colocar aí algum? Julgo que só interessará a brasileiros. Também nos comprometemos a mandar alguma colaboração para a "Arma da Crítica", vamos ficar submersos.

A Tabaqueira (que não se chama "Nacional", atenção !) tem os seguintes endereços: (…)

Se é para pôr uma bomba, tens o meu apoio. Por causa do tabaco é que isto está como está.

Um abraço e bom ano!

Carta 32
11/2/1992

Olá, M, venho só dar notícia para que não penses que as tuas cartas estão a cair num poço. Tenho recebido cartas, livros Albatroz, recortes, tudo. O recorte do jornal de Leiria, lamento mas deitei fora, não imaginei que voltasse a fazer falta. Como fazer agora? Desculpa o mau jeito.

A PO 53 sai amanhã, incluímos as tuas notas a propósito do Ronald Rocha. As notas sobre o Amazonas ficarão para o próximo número, estou a pensar fazer um artigo a desmascarar o "antiburocratismo dos burocratas". São mesmo revisas do bom tempo, esses brasileiros! O nosso querido PC(R) acaba de se dissolver, passa a associação política, deve ter sido exigência do Cunhal para os aceitar na CDU. Mas ganharam o seu deputado, coitados! Merecem.

O livro da Ana tem-se vendido bem, ela foi entrevistada pela televisão no dia 4 e mandou as suas bocas antinacionalistas com um ar descontraído, também fez uma sessão de lançamento do livro no Porto com muita gente. O editor já fala em 2ª edição, ao princípio chorava-se que ia ter um grande prejuízo. Ela ficou desvanecida com os teus elogios.

A PO cada vez melhor! Um abraço

Carta 33
27/2/1992

Caro M,

Será possível enviares-me rapidamente uma cópia do depoimento dactilografado do preso marroquino Hassan Kartit, que me enviaste há tempo? Publicámos extractos na. P.O. 33 (já recebeste? gostaste?) mas agora não o encontro e queria mandar cópias à presidência da República, imprensa, etc. Fala-se nu vinda breve do rei Hassan II a Lisboa e queríamos aproveitar para falar nos presos políticos e nas torturas em Marrocos.

Por cá, tudo bem. Começa a haver alguma agitação contra o pacote de medidas de austeridade que o Cavaco começa a impor, por ordem dos comissários da Comunidade. Começa-se a perceber que a CEE tem as suas espinhas, veremos até onde vai. Mas o movimento sindical está de gatas e o PC a pensar se se há-de dissolver ou não. O Cunhal bem faz peito, mas as hostes estão já noutra onda.

Quando vens a Lisboa? Quando sai o avejão ?

Escreve. Um abraço

Carta 34
15/4/1992

Caríssimo:

Agora que a P.O. 34 foi para o correio, já posso pôr a correspondência em dia. Estás recomposto do desastre de ter perdido a bagagem? E de saúde, tudo bem? Eu continuo na maior.

P.O. — Espero que já tenhas recebido os 2 exemplares pedidos da P.O. 33. Da P.O. 34 seguiram 5 para a tua morada, mais um para o "Albatroz". Como deves observar, estamos com dificuldade para fazer avanços teóricos. Falta de tempo, falta de gente. Aproveitei as tuas notas sobre o Amazonas e pus o teu nome a assinar comigo um artigo sobre o assunto. Correcto? Agora fico à espera de mais produção tua para o próximo nº, até 15 de Maio. Não esqueças!

Caso Joel Lamy — Fiz um artigo na P.O. 34 e enviei-lhe um postal para a prisão.

Marrocos — Com os materiais que me enviaste, fiz cartas às "forças vivas" cá da terra, desde o presidente da República, Assembleia, Amnistia Internacional, agência Lusa, jornais, denunciando as torturas, etc. e pedindo divulgação. Silêncio sepulcral! Ninguém disse nada, deve haver recomendações para não desfeitear sua majestade o torcionário em vésperas de visita (ainda não foi marcada data). Entretanto, recebi mais correspondência de Marrocos e vou fazer mais uma circular, a ver se furo o bloqueio.

Albatroz — suponho que estejas a lutar para o pôr na rua. Não escrevi nenhuma colaboração porque também não me deste um ultimatum com uma data precisa, e a tendência é para ficar à espera do último prazo. Francamente, também não estou a ver o que interesse mais para os teus leitores. Dá-me um palpite. Diz-me o que há.

Assinatura — Talvez tenhas recebido um aviso de fim de assinatura, enviado pelos nossos zelosos serviços administrativos. Não ligues.

PC(R) — seguem junto recortes do "Expresso" e da "Sábado" com entrevistas do Eduardo Pires, sobre a dissolução do partido. Lamentável. A "Sábado" tem umas declarações minhas, muito truncadas e com a cara do Tomé!

Situação política — Da situação internacional não digo nada; tu é que tens obrigação de me informar. A situação nacional está bastante repugnante: só se fala de altos negócios, corrupções, e intriguinhas políticas reles. As velhas famílias de tubarões, Mello, Champalimaud, Espírito Santo estão a refazer os seus impérios graças às privatizações. O governo, que andou uns anos a subornar os eleitores com concessões, para garantir a vitória nas eleições, agora está a pôr as contas em dia: aumento de preços e de impostos, tecto salarial. As pessoas não protestam; queixam-se, lamentam-se, e daí não passam.

 Em 21 de Março houve uma manifestação de protesto da CGTP; não chegou a mil pessoas. Um fiasco como nunca se tinha visto. Acho que já ninguém espera nada da CGTP. Quanto à UGT, além de furar as reivindicações, anda envolvida em casos mafiosos de roubos, que comentámos na última P.O., mas as pessoas verificam que é aceite pelo poder e portanto aceitam-na! De referir apenas uma boa e longa greve do Metro, com uma unidade fora do vulgar e contrariando inclusive decisões amarelas das duas centrais. Protestos há, sim, mas de sectores da burguesia que estão a ser atropelados pela integração europeia: professores, agricultores, magistrados, pequenos industriais... Os estudantes animaram o ambiente durante umas semanas com os seus protestos contra as restrições de acesso à Universidade e o aumento das propinas, mas é sol de pouca dura. Para onde vamos? Se a recessão europeia comprometer os planos de ajuda ao capitalismo nacional, as falências das pequenas e médias empresas podem tomar um ritmo assustador, e não sei como conseguirá o poder reintegrar toda a gente que está a ser mandada para a rua: têxteis, calçado, metalurgia, etc. Por enquanto o desemprego ainda não assusta. Seja o que deus quiser.

Os dissidentes social-democratas do PCP (Judas, Barros Moura) vão constituir um grupo político. Será a semente dum PS "de esquerda", mais vocacionado para receber a herança do PCP quando o velho arrumar as botas? Em princípio, parece ter um espaço, mas não lhes vejo genica para isso. Por nós, seria bom que se metessem todos a negociantes e não viessem criar novas expectativas em alguns trabalhadores. O terreno da esquerda está quase todo varrido. Agora só falta nós tomarmos posse dele...

Quando cá vieres temos que trocar ideias sobre a hipótese duma revista não partidária, de esquerda, para penetrar mais longe do que a P.O., que continuaria, mais vocacionada para o debate ideológico. Não sei se estás a ver a ideia. Só falta dinheiro e gente... Um abraço, até breve.  

Carta 35
15/6/1992

M. caríssimo:

Que há? Não respondeste à minha carta de 15 de Abril e não tenho recebido os teus cartõezinhos. A P.O. 35 saiu e já vai a caminho da tua casa, mas sem colaboração tua, o que é lamentável. Queremos à viva força diversificar as colaborações, para não cansar o leitor sempre com os mesmos conceitos e os mesmos estilos. Tens aqui um lugar de colaborador garantido, que mais queres?

E o «Albatroz», porque não pia? Está afectado pela poluição? Manda-me notícias, mesmo breves, para eu saber que está tudo bem contigo.

Vi no «Partisan» que saiu da cadeia o Joel Lamy. Também recebi do «Partisan» um projecto de plataforma que vou ler cuidadosamente para lhes enviar alguma opinião. Recebeste também?

As actividades internacionais continuam reduzidas e, o que é pior, tendem a minguar. Alguma vez chegaremos ao fim da descida, que diabo!

No 1º de Maio distribuímos ao longo da manifestação da CGTP (em que desfilámos) o manifesto que vai reproduzido na P.O e fizemos um encontro de confraternização, com umas vinte e tal pessoas por junto. Pela primeira vez, não participámos no desfile do 25 de Abril, que está a tomar um ambiente semelhante às romagens que, no tempo do Salazar, os velhos republicanos faziam ao cemitério.

Escreve depressa. Um abraço.

Carta 36
14/7/1992

M.íssimo:

 Tenho recebido publicações tuas, sinal de que ainda mexes. A principal foi o livro do Tom Thomas, a que faremos referência na próxima P.O.

Recebeste a P.O. 35? Agradou? Vais preparar alguma colaboração para a próxima? Se a P.O. acabar, és tu o responsável! (Está descansado que não acaba). Andamos a debater a necessidade de passar a mensal e as modalidades em que poderemos fazê-lo, mas esbarramos sempre com o escasso número de redactores e colaboradores. Porque não entras para a equipa? As condições são aliciantes... Seria bom discutir o assunto contigo se por cá passares de férias.

Escrevo-te em especial pelo seguinte: recebi um aviso para a renovação da assinatura do «Monde Diplomatique» e fiquei sem saber se te convém transferir para cá o pagamento. Se não te fizer jeito pagá-la aí, tudo bem: eu renovo daqui. Só te peço que me mandes dizer alguma coisa até 30 de Agosto, para não se dar o caso de fazermos duas renovações.

Outro assunto: poderias arranjar-nos o endereço do Abraham Serfaty? Como deves saber, vai haverem 12/16 de Outubro uma reunião internacional em Puerto Real (Cádiz) contra as comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos. A Ana esteve no último fim-de-semana em Madrid numa Contra-Cimeira, fez contactos com os organizadores e estes estariam interessados em incluir o caso de Marrocos na denúncia da agressão a África por parte de Espanha e Portugal. Seria uma oportunidade para divulgar a situação dos presos políticos marroquinos e aqui a presença do Serfaty daria grande projecção ao assunto. Se puderes falar-lhe pessoalmente no caso, seria o melhor de tudo. De qualquer forma, precisávamos da morada dele para lhe dirigir um convite oficial.

Diz o que há com o «Albatroz». Manda as tuas reflexões, sempre bem-vindas neste deserto de debate em que nos movemos. Um abraço

Carta 37
15/9/1992

Caríssimo:

Não recebi resposta às questões que te pus na minha carta de 14 de Julho: colaboração tua para a P.O., renovação da assinatura do Monde Diplomatique, contacto com o Serfaty, notícias sobre o Albatroz. Estou preocupado com a tua falta de notícias mas espero que estejas apenas de férias, numa boa.

Escrevo-te esta para te dizer que renovei aqui a assinatura do Monde Diplomatique; não faças aí uma em duplicado. Estamos a fechar a P.O., se quiseres mandar alguma coisa ainda vem a tempo. Escreve ou tomamos pública a tua irradiação! Além disso, só te escrevo sobre a política cá da terra quando escreveres uma carta em condições.

Um abraço

Carta 38
9/12/1992

Caro Manuel:

Só agora, depois de enviada para a tipografia a P.O. nº 37, pude meter-me a pôr em dia a vastíssima correspondência que aflui de todos os cantos do mundo... Respondo à tua carta de 28 de Outubro.

A visita do torcionário Hassan II não está marcada, nem oficialmente confirmada. Já foi mais de uma vez anunciada na imprensa, desde Abril ou Maio, mas depois fica tudo em silêncio. Suponho que há dificuldades no estabelecimento da agenda, interesses económicos conflituais (pescas, conservas). Uma coisa parece certa: do lado de cá, o Mário Soares está interessado em promover a visita e tem lançado periodicamente referências simpáticas a Marrocos na imprensa, além de abafar as referências desagradáveis. Uma coisa positiva foi a aparição recente do Abraham Serfaty num programa organizado pela Amnistia Internacional, no novo canal da SIC (Balsemão/«Expresso»), denunciando a situação dos presos marroquinos. De acordo com a tua sugestão, vou escrever ao Serfaty propondo a redacção desse manifesto, para não sermos colhidos de surpresa se a visita for avante dum momento para o outro. Procurei mas não encontrei fotos de visitas dos grandes chefes lusitanos a Marrocos.

A P.O. passou para 32 páginas e está a ampliar a lista de colaboradores regulares, como verás pelo nº 37 que te chegará dentro de dias. Só a «Carta de Paris» não corresponde. Quando te irritas com algum acontecimento e tens um dos teus desabafos, fazes óptimas cartas; o pior é que te irritas poucas vezes... Será desta que vais mandar algo? Ganhámos um novo colaborador, João Paulo Monteiro, do Porto, que parece ter ideias e sabe expô-las. Diz-me o que te parecem os artigos dele.

 A distribuição da revista também deu um «grande salto em frente»: passámos para 120 pontos de venda na região de Lisboa e estamos a alargar também no Porto e a arranjar outras localidades, tudo na base militante. O nosso sonho continua a ser a passagem à publicação mensal, mas só se assegurarmos uma rede maior de colaboradores certos.

Quanto a outras áreas de actividade, continuamos bloqueados. O único campo em que temos feito alguma intervenção tem sido na questão do racismo e colonialismo, através do MAR, Movimento Anti-Racista. Deslocámos uma delegação a Cádiz em Setembro, onde participámos num encontro internacional contra as Comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos; contactos com esquerdas latino-americanas, índios, teologia da libertação, não nos faltam. Continuamos a ir para a rua Augusta fazer agitação anti-racista e anti- descobrimentos. De cada vez, é um êxito quanto à comoção pública que causa, mas, como digo numa crónica que escrevi na última P.O., as reacções de extrema-direita e mesmo abertamente nazis começam a tomar-se descaradas, perante a vacilação e o receio da maioria das pessoas presentes. O ambiente aqui não tem termo de comparação com o do resto da Europa, vai tudo sempre mais devagar, mas, como bons alunos, acabam por lá chegar...

Um teste esclarecedor foram os acontecimentos em Angola, que levantaram na imprensa daqui uma vaga pró-Savimbi que nem queiras saber. Mando-te fotocópia dum artigo que consegui fazer sair no «Público». Agora estou a ver se publicam um outro que para lá enviei, em resposta a um artigo porco do Pacheco Pereira, que me referia entre os rivais infelizes de Cunhal (o velho passou à semi-reforma no congresso do PC que acaba de ter lugar).

Quanto ao terreno propriamente comunista, estamos a bradar no deserto. Espero que não me venham buscar um dia destes para o manicómio. Os nossos contactos internacionais não avançam, recuam. Os norte-americanos andam metidos num debate interno que possivelmente vai dar a divisão em duas ou três partes. Dos iranianos, quase nada sabemos, a não ser que o Mansor Hekmat saiu do partido. E pela tua parte? O último livro do Tom Thomas é interessante, eu tinha preparado um comentário-resumo, mas saltou por falta de espaço, sairá na próxima P.O. Estou a receber o «Monde Diplo».

Pedimos tudo o que vejas por aí de papéis com algum interesse. É tudo, Manel. Abraços de todos nós. Se vieres a Portugal, procura-nos!  

Carta 39
10/1/1993

Caro Camarada:

Passaste o Ano Novo numa boa? Espero que esteja tudo bem contigo, que tenhas recebido a minha carta de 10 de Dezembro e que estejas a redigir uma Carta de Paris para publicar na próxima P.O.. Aceita-se colaboração até 20 de Janeiro!

Por aqui, tudo sereno. O sol português, que não falha mesmo no Inverno, tem um efeito calmante sobre as lutas de classes. Estive ontem no Porto, convidado pelos estudantes para um debate na Faculdade de Direito da Universidade Católica (!), sobre «O futuro da esquerda». Participaram também o Barros Moura (Plataforma de Esquerda, ex- PCP), Alberto Martins (PS) e Alda de Sousa (PSR). Apesar do tipo de público, passei o tempo a falar de comunismo, derrubamento da ordem social estabelecida, crimes do capitalismo e sua condenação histórica, mentira das liberdades burguesas parlamentares e das soluções reformistas, etc. Só queria que visses os olhos esbugalhados dos moços, era a primeira vez na vida que ouviam tais coisas. É claro que daqui a uma semana já esqueceram tudo, mas ficaram a saber que os tais «dinossauros» comunistas existem mesmo. E os nossos amigos reformistas meteram os pés pelas mãos e ficaram — sobretudo o Alberto Martins — incomodados. Também te mando o artigo que saiu há um mês no «Público» sobre os rivais de Cunhal-

No campo internacional, depois do panorama desolador que te dei na última carta, vieram notícias melhores: no Irão, o Mansoor Hekmat fundou um novo Partido Comunista Operário cujas posições, expostas num boletim em inglês, «International», nos parecem sólidas. Transcrevemos um extracto na próxima P.O. O MLP dos EUA realizou o seu 4º Congresso, no qual se debateram as divergências e se admite a probabilidade de não poderem continuar como partido, mas se afirmam dispostos a preservar uma plataforma marxista-leninista e um núcleo coeso. Veremos.

Publicamos na próxima P.O. um resumo-comentário do livro de Tom Thomas sobre Ecologia, que nos pareceu arejado e bem esgalhado. Ele chegou a tomar conhecimento da crítica que fizemos ao outro livro dele? Deu alguma opinião? Podes mandar-me o endereço dele para eu lhe escrever directamente a ver se ele quer colaborar na P.O.? Do Serfaty, não veio até agora qualquer resposta à carta que lhe mandei. Ou está muito ocupado ou não se quer comprometer connosco. E o «Albatroz»? No teu último cartão dizes que está em preparação. Fico à espera.

É tudo por agora. Aceita um abraço.

Carta 40
7/4/1993

Caro M:

Tenho recebido os teus pacotes. Só agora, que acabei a P.O., pude tratar do artigo que me pediste para o Albatroz. É um comentário despretencioso sobre os últimos desenvolvimentos cá na terra; não diz nada de novo mas para o público português de Paris pode ter algum interesse. De momento, não estou capaz de desencavar nada melhor. Se achares que não interessa, já sabes que não tens problema, deitas fora.

Agora, quero-te pedir um favor importante e urgente: estou a preparar o último artigo da série da revolução russa (na P.O. 39, que receberás dentro de uma semana, vem um sobre os anos iniciais da Internacional Comunista, coisa a que até agora não me tinha atrevido. Diz o que achas). Mas, para fazer esse artigo final, tenho que responder à pergunta que me têm feito de alguns lados: não será que esta crítica ao falhanço da revolução russa equivale a um reconhecimento tácito de que afinal o Kautsky tinha razão nas suas críticas ao bolchevismo? Eu não tenho dúvida de que a resposta é negativa, mas preciso basear bem os meus argumentos. E para isso é-me indispensável o livro de Kautsky sobre "A Ditadura do Proletariado" que nunca foi editado em português. Será que me podes adquirir esse livro aí e enviar-mo a curto prazo? Se não o encontrares, pelo menos alguma outra coisa dele sobre a matéria. O meu destino fica entregue nas tuas mãos, Manel! Fico à espera.

Acho que consigo localizar a citação de Lenine que me enviaste(6), julgo que é de 1915 ou 16. Hoje já não dá, mas muito brevemente escrevo-te com mais vagar e então indicarei de onde é (se a encontrar).

A tua vida vai boa? Quando é que abandonas essa Europa decadente e em crise e regressas ao nosso Portugalório, agora rico, próspero e invejado, desde que passou a ser governado pela mão firme do nosso professor Cavaco?

Um abraço.

Carta 41
7/6/1993

Caro M:

Recebi há dias uma forte molhada de revistas, catálogos, panfletos da festa da "Lutte Ouvrière", etc., que estou a estudar com vagar. Calculo que tenhas recebido as segundas provas do "Anal/f/abertos" e que esteja tudo a andar por esse lado. E o Albatroz, nunca mais sai? Queria pôr um anúncio na P.O. mas não sei se se pode já indicar a data de saída.

Também soube pelo teu postal que estiveste a fazer umas férias em Creta, como verdadeiro europeu. E quando vens visitar o Portugalório arruinado? Daqui não há muito para contar, ou sou eu que ando distraído. PSD e PS andam entusiasmados em ataques mútuos, com vista às eleições autárquicas que são em Dezembro, mas tenho a sensação que o pagode está-se marimbando, soa tudo a manipulação. A grande arma do Cavaco é que a massa das pessoas entrou mesmo na lógica de que a política não vale a pena e o que interessa é ganhar mais dinheiro.

Marchámos na manifestação da CGTP no 1º de Maio, bem concorrida mas mais folclórica que militante e encontrámo-nos depois com os amigos num lanche, em simples confraternização. É o que se arranja e viva o velho.

As actividades anti-racistas do MAR é que apresentam melhores perspectivas e atraem alguns jovens. Está em preparação um espectáculo teatral para celebração condigna do Dia da Raça, o 10 de Junho: um leilão de escravos, "colhidos na costa da Berbéria, todos sãos e fermosos". O infante D. Henrique preside à divisão dos escravos em lotes, montado num cavalo. E para maior picante, a coisa vai-se passar frente à Casa dos Bicos, que é sede da Comissão Nacional dos Descobrimentos. Vamos a ver se não vai tudo corrido à batatatada pela polícia.

A P.O. está pronta para a tipografia; embora um pouco atrasada, vai sair dentro de uma semana. Decidimos iniciar uma nova série em Outubro, quando entrarmos no 9º ano. Passamos a formato A4, para poder paginar no computador e aproveitamos para arejar um pouco a maquete. O AB fez um projecto de maquete, de que te mando cópia junto. Gostaríamos de conhecer as tuas críticas e sugestões. Também seria bom se desses algumas sugestões para a capa, de que ainda não há nada feito, tipo de letra do título, etc. Enfim, peço-te que aproveites a ocasião para nos dizer tudo o que te parece mal no modelo actual e na maquete prevista, para ver se nos modernizamos e europeizamos.

Estava para publicar neste n° 40 o último artigo da série que tenho vindo a fazer sobre a revolução russa, "Afinal Kautsky tinha razão?" Os livros que me mandaste foram-me muito úteis e gostei de descobrir o tão falado Kautsky não apenas por referências mas nas suas próprias palavras. (Desculpa não ter respondido à tua oferta do livro "Terrorisme et Communisme" de Trotsky, mas tenho-o cá). É estimulante ver a revolução confrontada por uma reformista quando é da classe do "renegado Kautsky" — activa as ideias, apresenta as coisas sob outros ângulos. Acontece que o artigo ainda estava um pouco cru e como já não havia tempo, ficou adiado para Outubro.

Penso até coligir e melhorar os artigos que tenho feito sobre a revolução russa, com vista à publicação em livro (ou livrinho) no Outono. Se isso for avante, mando-te uma cópia lá para Agosto/Setembro, a fim de tu me dares uma opinião. Gostaria de dar por encerradas as minhas reflexões sobre este assunto, até porque já me dá a sensação de estar sempre a mastigar no mesmo. De qualquer modo, chego ao fim com uma perspectiva que me parece mais marxista do que foi a revolução russa, o Lenine, Staline, Trotsky, etc. Tinha uma camada tão espessa de ideias feitas, adquiridas nos bons tempos da propaganda oficial da URSS, que foi preciso remexer nisto tudo para conseguir libertar o pensamento. Espero que isso tenha consequências positivas quanto aos outros assuntos que têm que ser repensados.

Perguntavas numa das tuas últimas cartas se podes reproduzir o artigo do R, nem se pergunta! Usas os artigos da P.O. como entenderes. Eu colhi dos Anal/f/abertos o texto sobre o futebol, que sairá na P.O. 40. Espero que não tenha metido água. (...)

E é tudo, por agora. Não vens mostrar Portugal à tua companheira? Espero que a S desembarque numa boa. Um grande abraço.

Carta 42
14/4/1993

Caríssimo:

Aqui vai o texto revisto. Está optimamente verrinoso. Gostei sobretudo do poeta e os pássaros, o futebol, o maio 68...

Espero que a esta hora já tenhas recebido a minha carta anterior com o artigo para o Albatroz, assim como a P.O. 39, com capa dedicada ao dótor Savimbi.

Agora, sobre a citação de Lenine é que lamento não ter encontrado, apesar de uma minuciosa busca nos volumes referentes aos anos da guerra mundial. Em todo o caso, mando-te algumas citações que encontrei e que se relacionam com o assunto:

— "A recusa do serviço militar, a greve contra a guerra, etc., não passam de puras tolices, são o sonho miserável e temeroso de uma luta sem armas contra a burguesia armada, não passam do anseio pela destruição do capitalismo sem uma ou várias guerras civis encarniçadas". ("A situação e as tarefas da Internacional", Novembro 1914, Oeuvres, tomo 21, p. 34).

— O governo engana as massas, lançando as responsabilidades da guerra sobre os "negros desígnios" do estrangeiro? Nesse caso, "os pequeno-burgueses iludidos devem ser desenganados; é preciso mostrar-lhes como foram logrados; por vezes é preciso saber ir com eles à guerra e saber esperar que a experiência da guerra actue sobre os seus cérebros". ("Os sofismas dos social-chauvinistas", Maio 1915, tomo 21, p. 184).

— "Lutar pela derrota do seu próprio governo na guerra reaccionária não consiste em dinamitar pontes nem em organizar insubordinações votadas ao fracasso". Ver o artigo "De la défaite de son propre gouvernement dans la guerre impérialiste", Julho 1915 (Oeuvres, tomo 21, pp. 283-289).

Fico à espera do meu pedido urgente: o livro "A ditadura do proletariado" de Kautsky. Arranjas-me? Assinalei também no catálogo de L'Harmattan os seguintes livros, que talvez nos fossem úteis: La fin des syndicats?, de Dominique Labbe e Maurice Croisat Marxisme, horizon indépassable, de Jacques Barros L'anti-développement, le prix du libéralisme, de Richard BergerenÉ natural que isto represente uma despesa muito pesada para o teu bolso, mas poderemos transferir-te o custo por vale ou cheque. Poderias consultar na livraria e ver se valem a pena?

Por agora é tudo. Quando vens à pátria? Quando sai o Albatroz?

Carta 43
30/7/1993

M:

Aqui te mando as provas do artigo emendadas. (...)

Mando também a introdução que pediste à defesa do preso da FUP. Na carta em que falavas nisso, não explicavas de quem se tratava e dizias por engano que tinha saído no boletim do MAR. Eu fui procurar, não encontrei e nunca mais pensei no assunto. Agora é que percebi que te referias com certeza ao extracto da intervenção do Alcobia que publicámos na última P.O. Fiz uma nota curta por não saber bem o destaque que pensas dar ao assunto. Aqui entre nós, não te aconselho muita projecção ao caso; as surpresas desagradáveis têm sido tantas do lado desta gente que receio qualquer reviravolta súbita. De qualquer forma, a situação destes 3 é escandalosa, assim como a indiferença dos que conseguiram sair por meio de compromissos, em primeiro lugar o Otelo.

Tenho continuado a receber os teus abastecimentos de revistas e bilhetes. Chegou também o livro do Tom Thomas, que não me lembro de ter lido. Entreguei os exemplares dos "Anal/f/abertos" que ofereceste. Estamos a pensar meter uma nota crítica do livro e um anúncio das edições Albatroz na próxima P.O. Se queres algum destaque em especial, manda tu o texto do anúncio; se não fazemos à nossa maneira, certo?

Estou a ultimar o artigo sobre o Kautsky. Espero ir uns dias de férias. Tudo corre pela maior (dentro do péssimo, claro). Um abraço.

Carta 44
14/9/1993

Caro M:

Duas respostas: — Sim, recebi o Affreixo, dei-lhe uns pequenos ajeitamentos, segundo tua autorização, e já está aprovado para sair no próximo n° da P.O. O Conselho de Redacção pede mais!

— Mário Brochado Coelho tem escritório na Rua (,,,).

Três perguntas: — recebeste o pedido dum desenho do ZAV para ser oferecido à exposição de artes plásticas promovida pelo MAR, Movimento Anti-Racista, e que se inaugura no próximo dia 23 de Setembro? Se não responderes de imediato não te podemos incluir no catálogo!

— o «Combate» de Setembro noticia (muito favoravelmente, junto fotocópia) o último livro das edições Albatroz, Rages Douces de Saldanha da Gama, mas eu não recebi. Estamos perante um boicote à P.O.?

— a jovem S recebeu o cartão de felicitações por ter nascido? está bem disposta?

Estamos agarrados à revista, depois dou mais notícias. Um abraço.

Carta 45
18/10993

Caríssimo:

Seguiu há dias a P.O. (5 ex ), espero que a recebas em condições e que te agrade. Infelizmente, quando recebi a tua nova versão do Affreixo já a revista estava na tipografia, pelo que não foi possível voltar atrás com os ajeitamentos que eu próprio lhe tinha dado. Espero que não vá muito fora do que tu pretendias.

Recebemos também o teu desenho para a exposição do MAR, que esteve em bom lugar. Foi na Casa da Imprensa, ao Chiado, e durou nove dias, sendo visitada por um certo número de pessoas. Como acção de propaganda anti-racista valeu a pena, mas financeiramente saiu-nos cara porque não apareceram os compradores que esperávamos. Dizem os entendidos que o mercado da arte está parado por causa da crise. Assim ficou o MAR proprietário de uns 50 quadros e desenhos oferecidos por artistas, alguns de renome, e que ainda não sabemos como transformar em patacas. Temos em vista expor alguns num restaurante moçambicano aqui de Lisboa. Pode ser que noutra ocasião se proporcione uma nova exposição, mas para já não nos metemos noutra: é coisa que dá muito trabalho e sai cara. Tu deves saber disso, porque tens andado nesses meios.

Metemos o anúncio das edições Albatroz na P.O. 41. Uma dúvida: a distribuição em Portugal ainda é feita pelo (...)? Deve-se indicar isso no anúncio? Tencionamos meter um anúncio à revista Albatroz na próxima P.O., mas só se ela entretanto sair, como é lógico, e se tu nos pagares esse anúncio com um artigo, de tema à tua livre escolha — actualidade francesa ou portuguesa, imigrantes, reflexões ideológicas.... Que dizes? Convém-nos tê-lo na mão até meados de Novembro.

A nossa opinião quanto à "paz dos bravos" na Palestina (como aqui lhe chamaram, enlevados, os jornalistas tansos e os espertos) coincide com a tua. Nesta época de derrocada geral da luta anti-imperialista, os magnates estimulam as capitulações rodeando-as de uma cor nobre e cobrindo de elogios os dirigentes que se ajoelham. Com o Mandela é o mesmo. Com o Fidel estão a ver se lhe dão a volta e se em vez de o derrubar conseguem pô-lo de gatas. Do ponto de vista da direita é muito mais rentável que os antigos inimigos se virem do avesso e se desacreditem do que serem derrubados pela força e ficarem com imagem de mártires.

Quanto à situação nacional, caminhamos para uma ardorosa batalha entre PS e PSD nas eleições autárquicas, prólogo para as do Parlamento Europeu e para as legislativas. Por enquanto, apesar do ambiente de crise que se acentua, acho que o Cavaco não está seriamente ameaçado, porque ainda ninguém lhe vê alternativa credível. Nas autarquias, claro, vão marcar pontos o PS e a CDU, mas essa é a vocação deles — gerir câmaras e freguesias. Das coisas importantes trata a direita.

Por agora é tudo. Obrigado pela foto da mãe e da filha. Abraços para todos vós

Carta 46
4/11/1993

Caríssimo M:

Chegou a tua carta, com os artigos e os jornais. Interessa tudo. Pensamos fazer uma carta de Paris com o que relatas sobre os desalojados e faz-nos muito jeito as fotos que tiraste. Manda depressa. Se quiseres acrescentar mais um ou outro facto, ainda cabe, desde que chegue cá até dia 20.

Já deves ter recebido o bilhete que mandei com a morada aonde a V se poderá dirigir em Vila Nova de Gaia. É dum camarada da P.O. e ela não terá problemas.

Junto segue a cassete do Tino Flores que pediste e um recorte de jornal sobre a visita do carrasco Hassan, o único que guardámos. De resto, a imprensa daqui foi estranhamente discreta sobre a visita do bicho, suponho que por opção do Mário Soares. O tema de fundo parece ter sido a mediação do rei junto da Unita.

Quanto à distribuição da revista e livros Albatroz, o que podemos fazer é colocá-los em meia dúzia de livrarias centrais de Lisboa onde pomos a P.O.: Bertrand, Portugal, Jornal de Notícias, Sá da Costa, Valentim de Carvalho, Clássica Editora, Buchholz... Isto se eles estiverem de acordo. Proposta: manda duas dezenas de exemplares do próximo n° do Albatroz para a Neograf, (...) e nós tentamos distribuí-lo juntamente com a P.O. Em seguida, se a coisa corresse bem, colocaríamos alguns volumes das tuas colecções e mais tarde poderíamos ver as possibilidades no Porto. Que dizes? Um abraço.

Carta 47
6/12/1993

Caro M.:

Deves estar a receber muito em breve a P.O. nº 42, que está na tipografia. Publicámos com destaque as matérias que nos mandaste e esperamos comprometer-te, de modo a continuares. A tua escrita verrinosa faz-nos falta. A carta de Paris é imprescindível. Afinal somos europeus ou não?

O que estava prometido e não veio foi o Albatroz. Problemas com a poluição dos mares? Repetimos o anúncio das últimas publicações Albatroz mas esperamos que até meados de Janeiro haja novidades quanto à revista. Uma coisa que me preocupa é que a colaboração que te mandei já está muito desactualizada. Se vires interesse e ainda for a tempo, posso fazer outro comentário mais actualizado, mas só se fizer mesmo falta. Diz alguma coisa sobre isto.

O governo está a sofrer um sério desgaste com os efeitos da ressaca económica. O Cavaco perdeu os ares olímpicos e está a dar mostras de nervosismo e insegurança. Ainda agora substituiu quatro ministros e prevê-se uma votação muito baixa nas autarquias, dia 12 deste mês. Afinal o “gigante” PSD aparece com os seus pés de barro. A pequena burguesia, sempre instável, passa da adoração ao retraimento. Os estudantes são como sempre um bom barómetro; em menos de dois anos passaram dum cavaquismo entusiasta para uma aversão ardorosa ao governo, sobretudo depois de terem levado uma carga da polícia nas escadarias da Assembleia.

Na frente do trabalho, também há sintomas, que a comunicação social procura desdramatizar e apagar, mas com algum significado, como a manifestação da TAP no aeroporto, uma greve “selvagem” no porto de Setúbal, uma marcha da fome dos vidreiros da Marinha Grande até Lisboa, uma greve na Lisnave...

Está a passar o centenário do nascimento de Mao e fui convidado, juntamente com a Ana, o Arnaldo Matos (!), Pacheco Pereira (!!) e Pedro Baptista (da ex-OCMLP) para uma semana de colóquios no Museu da Resistência, que é uma coisa dependente da Câmara Municipal de Lisboa e dominada pelos PS. Decidimos aceitar e ir lá largar umas bujardas em defesa do presidente Mao, embora o público seja bastante restrito. Veremos o que se apura como agitação revolucionária.

Quanto ao “Courrier International”, não me parece que valha a pena renovares assinatura. Eu julgava que tu o obtinhas em qualquer lado de borla. É interessante como informação geral mas para a P.O. pouco adianta e não merece a despesa. O que nos é útil (até pelos desacordos que motiva...) é a revista da “Politis”. Se puderes, continua a enviar, pelo menos os números dedicados a temas que interessem à nossa área. Outra coisa: podes obter ou sabes onde obter um CD editado há anos e chamado “Obrigado Otelo”?

Abraços para todos.

Carta 48
9/2/1994

Caro M.:

Uma gripe que derrubou toda a gente lá em casa por alturas do fim do ano e depois a lufa-lufa da P.O. (vem hoje da tipografia) levaram-me a adiar sucessivamente a correspondência. Tenho recebido uma série de cartões teus a que só agora respondo, assim como o Albatroz 10. O teu comentário sobre a manif. da escola laica sai nesta P.O. A nossa secção gráfica agradece a bolsa das cores que ofereceste e que lhes é muito útil.

Também recebi o teu desabafo sobre a militância do V, mas não estranhes, porque a partir de agora e até às legislativas (Outubro 95) vais ver mais gente a abraçar a “causa sagrada” do PS. Já se nota uma disputa acesa para lançarem a fateixa a todos os ex-esquerdistas que por aí andam desasados. Há umas semanas, na série de debates organizada pelo Museu República e Resistência (dependente da Câmara Municipal de Lisboa e portanto do PS), pude ouvir o “educador” Arnaldo Matos lançar um apelo a todos os que pertenceram a grupos maoístas para se encontrarem e debater experiências, para ver como ajudar a “esquerda democrática” a correr com o cavaquismo. Fez várias piscadelas de olho descaradíssimas em direcção ao PS e ao Soares. Em poucos dias, foi entrevistado em várias revistas e na televisão, repetindo, junto com as suas bacoradas “marxistas”, os mesmos acenos. Na apresentação da grande iniciativa do Soares para Maio, o controverso congresso “Portugal — Que Futuro?”, ele lá estava na primeira fila, junto com os pcs, udps, mdps, etc. Para mim, o homem está a soldo do Mário Soares para ver se recupera orlas da esquerda que por aí andam perdidas e metê-las na “grande frente democrática”.

Por aqui podes ver como os chefes social-democratas estão a dar tudo por  conseguirem a maioria em 95. E têm razão em se esforçar porque sondagens recentes continuam a dar o primeiro lugar ao Cavaco na preferência dos eleitores. Apesar da crise, dos despedimentos, do "aumento" negativo nos salários, de escândalos diversos e feios. Por aí vês como o PS é “amado” pela grande massa e como precisa de angariar nomes e apoios, seja onde for. O caso do teu amigo V é só um no meio da enxurrada.

Houve recentemente umas oportunidades de intervenção pública. Falei na série de palestras do Museu República e Resistência (Dezembro) sobre o maoísmo em Portugal. Estava bastante gente, interessada, e as perguntas e respostas prolongaram-se por um bom bocado. No dia seguinte, falou a Ana sobre a revolução chinesa e a mulher, também com bastante interesse. Noutros dias falou o Arnaldo, o Pacheco Pereira (hoje PSD) e o Pedro Baptista (hoje plataformista).

Há dias estive noutro debate no Porto, organizado pela Amnistia Internacional, sobre a Democracia, com o Mário Brochado Coelho e uma professora Helena Vilaça. Houve bastante controvérsia e estive entretido a deitar abaixo as bacoradas “pós-modernistas” do rapaz da Amnistia e a falar para espectadores embasbacados sobre a luta de classes e a ditadura da burguesia. Muito estimulante.

Fui também convidado para entrar num debate na RTP1 sobre Mao mas recusei-me e acho que fiz bem porque só faltava mandarem-me pôr de gatas para ter direito à palavra Os teus amigos Louçã, Arnaldo e Baptista é que não se importaram e lá estiveram a palestrar. Falo nisso na P.O., tu verás.

Albatroz — O A fez uma recensão na P.O. Por mim, gostei particularmente da lista das malfeitorias mitterrandistas. Achei a parte poético-literária demasiado extensa para o meu gosto. Estava à espera de mais sumo político. Mas não faças caso, já sabes que eu sou obcecado. Tu disseste num dos teus bilhetes que nos enviarias 20 exemplares para ensaiarmos alguma distribuição mas até agora não chegaram. Desististe?

20º aniversário do 25 de Abril — Todos os estados-maiores partidários afiam o dente para capitalizar aquilo que lhes convém da data. Entre nós, temos andado a debater a possibilidade da edição de um livro que coleccione depoimentos, artigos e materiais diversos, no sentido de mostrar à nova geração que os 19 meses da “bagunça” foram os mais criadores da nossa história moderna e de contrastar as iniciativas avançadas desse período com a pasmaceira derrotada em que hoje vivemos. Será que podes dar a tua colaboração a esta ideia, com materiais originais ou outros já anteriormente editados e que tivesse interesse dar a conhecer? Será que nos podes indicar pistas, nomes a contactar, dar sugestões de trabalho, etc.? Podes enviar dados para a cronologia e a bibliografia? O problema aqui vai ser a escassez do tempo para coligir os materiais e pôr o livro na rua até ao 25 de Abril. Responde rapidamente, por favor, para sabermos se podemos contar com algo da tua parte.

Tenho continuado a receber o “Courrier”. Há semanas, em resposta a uma pergunta tua, dizia que, se pagas a assinatura não vale a pena, porque pouco colhemos desta revista. Recebeste essa minha carta?

Tomámos nota e vamos passar a mandar directamente 5 exemplares da P.O. para a Lusophone. Vou-lhes escrever a anunciar o envio, o preço de venda de 15 francos e a dizer que tratem de tudo contigo.

Recebi 5 novas edições albatrosianas de poesia. Tomáramos nós ser capazes de lançar livros a este ritmo! Mas as edições Dinossauro estão em marcha, o livro sobre o 25 de Abril será o primeiro. E se tu viesses para cá uns meses ajudar a organizar o livro?

Enviei o disco “Obrigado Otelo” para o assinante que me tinha pedido, agora gostava de saber o preço para lho cobrar, não há razão para lhe oferecermos um disco que certamente te custou dinheiro a ti. E, para já, é tudo.

Por aí, tudo bem? Abraços.

Carta 49
5/5/1994

M:

Com que então, de férias outra vez! Ainda vais ser sujeito a um inquérito do colectivo! Espero que tenhas voltado com as baterias bem carregadas para mais produção literária.

O livro O futuro era agora saiu. No dia 25 de Abril, lá estávamos nós com a nossa banquinha, na Rua Augusta, cheia de multidão, a apresentar o nosso produto. Vendemos duas dúzias de exemplares, porque as grandes massas estavam mais interessadas nas quinquilharias dos africanos e chineses e no espectáculo de canções que ia decorrer no Terreiro do Paço.

Depois, fizemos o lançamento formal, com todo o aparato (caro como fogo!), no Clube dos Jornalistas; apareceram umas dezenas de amigos, mas jornalistas, só um! Vendemos mais umas dezenas de exemplares. A seguir, veio o desfile do 1º de Maio (menos concorrido este ano), em que distribuímos um panfleto que te mando junto e depois, fizemos um lanche de confraternização. Vendemos mais umas dezenas de exemplares. Entretanto, negociei com um distribuidor, que vai colocar o livro nas livrarias e ando a bater à porta dos críticos literários dos jornais, para ver se se dignam fazer a sua recensão. É assim a vida. Tu conheces bem este calvário, não é? Enfim, como só imprimimos mil exemplares e vem aí a Feira do Livro, estou convencido de que, pouco a pouco, há-de ir saindo e que salvamos a despesa.

E o trabalho em si? A nós, que andámos em corrida contra relógio, a coligir os depoimentos, a cronologia, etc., deu-nos uma grande satisfação fazê-lo e reencontrar coisas importantes que já não lembrávamos. O livro saiu limpinho e, apesar de alguns erros, não nos envergonha. Pelas primeiras reacções, acho que a mensagem vai ser recebida, mas, é claro, no círculo restrito dos que não se envergonham do 25 de Abril. Este ano, os festejos do 20º aniversário foram "apimentados" com entrevistas a tudo o que é reaccionário; tivemos que gramar os salazaristas a darem os seus arrotos contra o "populismo", a descolonização, os capitães.

A emulação entre as televisões para conseguirem mesas redondas mais chamativas levou a SIC (do Balsemão) a pôr o parvo do Tengarrinha a dialogar com um pide, com o entrevistador cheio de respeito a recolher as opiniões do "senhor inspector" (que foi justamente o chefe do bando que me torturou em 1966, um Óscar Cardoso, que no ano seguinte foi para Angola como chefe dos "Flechas"). A coisa foi tão sórdida que causou uma reacção geral de indignação, protestos, declarações em massa de ex-presos na rádio e na imprensa, mas, como seria de esperar, acabou por ser tudo capitalizado pelo PS, o arauto da democracia pluralista. Dei dois depoimentos para a TSF e um para o Expresso, mas foram de tal modo "sintetizados" que quase não ficou nada além do meu nome! Foi na sequência desta onda de protestos que fizemos o folheto das Cem Vítimas, que foi bastante bem recebido pelos manifestantes no 19 de Maio e se esgotou em menos de uma hora.

E que tal aí as comemorações pascácias do Prado Coelho e companhia? Estiveste lá? Sempre conseguiste espalhar o teu papel? Foste preso como desordeiro?

Mandei-te um pacote com 5 exemplares do livro e, mais recentemente, um exemplar, oferta para ti do editor. Recebeste? Já deste uma vista de olhos? Como creio que te disse no bilhete que acompanhava os 5 exemplares, o teu texto teve que ser amputado das partes que já não se referiam ao PREC, porque foi essa a norma que adoptámos para manter a unidade do tema. Tivemos que fazer o mesmo com muitos outros testemunhos e um trabalho diabólico de condensação das entrevistas gravadas. De qualquer modo, acho que a tua colaboração fecha muito bem o conjunto dos textos. Apesar de termos procurado compor um mosaico representativo das diversas áreas da "extrema esquerda" da época, há um peso excessivo de udps. Teria sido preciso mais tempo para chegarmos a outra gente, mas mesmo assim os anarquistas não têm de que se queixar. O amigo V não saiu porque me mandou um artigo quase à última hora, e em francês, para eu traduzir!! Disse-lhe que assim não dá, não sei se ficou zangado. Também já não tivemos braços para considerar a tua justa sugestão de enumerarmos os filmes produzidos sobre o assunto. Mais grave foi a falta de testemunhos de assalariados rurais e camponeses pobres, mas no prazo que nos demos, não foi possível ir à busca deles. Fica para a edição do 25º aniversário!

Agora conto com o teu empenho em promoveres o livro aí junto do pessoal portuga. Mando junto duas folhas de propaganda, que te podem ajudar a vender a mercadoria. As eventuais receitas revertem, tal como as da P.O., para o teu fundo de maneio, claro.

O Albatroz 10 chegou aqui já depois de estar distribuída a P.O. 44 e, com a corrida em que nos metemos com o livro, teve que ficar para trás. Conto tratar da sua distribuição junto com a próxima P.O., no fim deste mês. É um bocado tarde mas, francamente, não estamos com disponibilidades para mais. O colectivo cá continua e, apesar de conseguirmos mais um ou outro colaborador para a revista, gente para trabalhar é que não se arranja. Estamos no osso, esfalfados, e sem tempo para trabalharmos e pensarmos temas de fundo. Se puderes mandar-nos alguma colaboração até dia 20 de Maio, será uma boa ajuda: não tens nada para dizer sobre as eleições para o Parlamento Europeu?

Mando também junto cópia de uma carta que envio hoje ao Tom Thomas. Será que o podes contactar para acelerar a passagem da declaração que aí lhe pedimos? Ou tens para nos sugerir algum outro texto que fosse interessante nós traduzirmos e editarmos pelo Dinossauro? A condição para nos candidatarmos ao subsídio é termos na nossa mão uma autorização escrita do autor até dia 30 de Maio e as obras devem obedecer a certos critérios, como podes verificar pela folha do regulamento cuja cópia envio. Devido ao aperto do prazo, pensámos que o mais viável seria o livro do Thomas, que todos nós achámos interessante e adequado para dar uma pedrada nas teias de aranha ecológico-folclóricas cá do burgo. Diz o que pensas disto, mas depressa!

Carta 49
5/6/1994

Caríssimo:

Com a P.O. na tipografia, venho pôr em dia a correspondência. Desde já. para te tranquilizar: tenho recebido os teus cartões (o relato sobre o 25 de Abril parisiense sai na P.O. nas Cartas do leitor), assim como o vale de 10.000$. Enviei o livro para os cinco nomes que  indicaste.

Perguntas porque não inclui o livro depoimentos do Guinot, Vanzeller, Brochado, etc. Não foi por falta de os contactarmos, mas por falta de tempo para irmos à procura deles de gravador na mão. Foi assim que arrancámos muitos dos testemunhos, à má fila. Todos se mostravam interessados na ideia mas quando chegava a hora de falar para o gravador ou de escrever, cortavam-se. O BC foi um dos primeiros que convidei mas nunca chegou a dispor-se. O R a mesma coisa. O G quando viu o livro ficou arrependido de não ter contado a sua história, o B também. O Zé Cigano não respondeu ao nosso convite e agora soube que tem andado cá pelo país e não nos procurou. É parecido contigo... O V não sei onde pára. A propósito, disseram-me há dias que o Zé Machado morreu, não sei se de acidente ou de doença súbita.

O livro está a sair razoavelmente mas em venda directa, na nossa área! A distribuidora já o colocou nas livrarias, está à venda na Feira do Livro, mas, sem referências na grande imprensa, prevejo uma venda fraca. Saiu uma nota curtíssima no Expresso, outra no Diário de Notícias e uma pequena crítica no Jornal de Letras. Nada mais. O crítico do Público, apesar de muito namorado, não se dignou mencionar. Amanhã vou ao Porto a uma sessão da lançamento nortenha na cooperativa “Gesto”, vamos a ver se a imprensa do Norte diz alguma coisa. Temos que compreender que os rapazes da imprensa fiquem embaraçados com este tipo de literatura, são “guerras” que já não interessam, agora que estamos em plena revisão da história.

Não sei se acompanhaste, mas o 20° aniversário aqui foi dominado pela reavaliação “objectiva da guerra colonial, do Marcelo Caetano, da PIDE... num retorno desbragado da velha direita, dando-se ares de vítima dos “excessos revolucionários”. Não é só aí que andam ocupados em saber se a morte do Luís XVI foi injusta ou se o Pétain foi um “patriota". Aqui segue-se a moda. De modo que a produção dinossáurica aparece quase como uma obscenidade, a silenciar. Deixa- os andar...

Quanto a novos títulos Dinossauro, julgo que de imediato não podemos pensar nisso, temos que digerir primeiro o rombo económico desta edição. Apesar de a composição e montagem serem feitas com o nosso trabalho militante, a despesa da tipografia é brutal. Coisas que tu conheces de sobra.

O Tom Thomas mandou-me a declaração e concorri ao pedido de subsídio para a edição do livro dele sobre Ecologia (o subsídio é apenas para a tradução) mas sem esperança nenhuma de ver dinheiro daí. Esse livro é uma das nossas hipóteses de edição próxima, embora receemos a falta de interesse do grande público, se a imprensa não disser qualquer coisa favorável (e não vai dizer, decerto). Mais lá para diante, pensava na hipótese de dar uma redacção unificada e melhorada aos muitos artigos que tenho publicado na P.O. sobre o fracasso das revoluções deste século. Assunto a pensar melhor. Enfim, as Edições, por enquanto vão a meio gás, até por falta de mão-de-obra para assegurar ao mesmo tempo a P.O.

Neste número da P.O. incluímos umas teses sobre as eleições do Parlamento Europeu, acerca das quais gostava de conhecer a tua opinião. Temos discutido muito pouco o assunto Europa e só temos algumas ideias gerais. O panorama das candidaturas de “esquerda” é lamentável, é tudo reformismo, sem quaisquer rasgos de radicalismo. Frutos da época.

Vou enviar-te os 5 exemplares pedidos do livro e espero que a tua editora brilhe no mercado da poesia. Um abraço, até breve.

Carta 50
8/8/1994

Caríssimo:

Será que o selo(7) não vale mesmo ou és tu que queres ficar com o tesouro só para ti? Eis a dúvida pungente que não me deixa dormir. Mas eu vou aí a Paris tirar a coisa a limpo, podescrer! Quando menos esperares, bato-te à porta. E quando te vir a viver à grande e à francesa, já sei que foi o fruto do meu selo.

Por aqui, tudo calmo. De novo, apenas uma tentativa para formar uma Associação de Antigos Desertores da Guerra Colonial, de que te mando o texto convocatório, feito pelo Zé Mário Branco. Se tiveres aí possíveis interessados, informa-os. Bem se precisam apoios, porque a iniciativa por enquanto está muito restrita. Poderia ser uma boa plataforma para fazer fogo contra a faxaria que não desperdiça nenhuma ocasião para refazer a história, dizer que “a guerra estava quase ganha”, “os cabo-verdianos não queriam a independência”, o “Conselho da Revolução foi uma cambada de traidores”, etc.

As minhas actividades têm estado reduzidas ao mínimo, infelizmente por causa da doença de uma minha irmã, que acabou por falecer recentemente. Estou a ver se me relanço ao trabalho mas primeiro quero arranjar meia dúzia de dias de férias, que estas últimas semanas têm sido bem pesadas.

Recebeste os 5 volumes do “Futuro”? Penso meter as tuas “bocas” ao Sousa Tavares nas cartas dos leitores do próximo número, mas, à parte disso, não me arranjas uma carta de Paris? Cá fico à espera. Um abraço.

Carta 51
11/10/1994

Camarada Dinossauro Excelentíssimo:

Tenho visto pelos teus cartões que continuas a gozar férias a um ritmo apreciável e em sítios maravilhosos. E a revolução, como é? Ficas à espera que a gente faça aqui o trabalho todo? Bem podes ir esperando... Ao ritmo que isto por aqui vai, nem no ano 3000. Tirando a revolução da ponte, de que deves ter ouvido falar, todas as outras frentes de luta não dão luta. Neste momento, espera-se pela resposta das centrais sindicais a um plano de “concertação social” do governo absolutamente cínico e miserável, com aumentos de 2,5% (!!), mas pelas conversas moles que os líderes apresentam na televisão é de prever que não vão fazer nada.

Uma boa notícia, ontem, foi a ocupação das instalações da Rodoviária do Sul pelos operários, que sequestraram os administradores durante algumas horas e acabaram por ser expulsos pela polícia. Se houvesse meia dúzia de acções deste tipo, esta burguesia borrava-se toda. Eles fartam-se de dizer que a retoma dos negócios já começou mas o pagode, na parte que lhe toca, não nota retoma nenhuma.

De política, não falemos. O grande desafio, ao nível do PS é saber se vai optar por um oposicionismo sentimentaloide, como querem os soaristas, ou por uma linguagem tecnocrática, europeísta e abertamente reaccionária, como quer o Guterres, para ganhar as boas graças das grandes companhias. Há entre eles grandes divergências sobre qual a fórmula que dará mais votos (porque é só de votos que se trata, evidentemente, o programa de governo é o mesmo, para Soares, Guterres ou Cavaco). Divergem também sobre qual a melhor maneira de engolir o PC: a chicote ou com abraços. Se continuarem a lutar nos próximos meses, quem vai ganhar as eleições por maioria absoluta é outra vez o Cavaco, a não ser que as dificuldades económicas empurrem as massas para a esquerda.

Outra grande “batalha em perspectiva é a entrada em cena dos aspirantes à corrida presidencial de 96: Jorge Sampaio, um social-democrata chato e sem imaginação, ou Eanes, o eterno general bronco, que o PSD estaria disposto a patrocinar. Estamos bem entregues.

O teu longo artigo sai nesta P.O. (para a semana) dividido em dois: Panamá e Pasqua, espero que aches bem. Agora há que começar a redigir para o próximo número, tem que cá estar até 15 de Novembro, o mais tardar, se não queres voltar a ser inscrito na lista dos redactores a abater.

Parecem-me até certo ponto justificadas as tuas objecções à associação de desertores (da qual, aliás, não voltei a ouvir falar), mas não me pareceu que a iniciativa estivesse a ser apadrinhada pelo Forum Cívico Europeu. Apenas o Zé Mário aproveitou o empurrão dado por esses tipos para pôr em movimento a ideia da associação, o que, se trouxesse a público o debate sobre a guerra colonial e os crimes, ajudaria a descomprimir a atmosfera. De qualquer modo, o medo é muito e o desinteresse maior, pelo que a ideia não conseguiu grandes ecos até à data.

Estive hoje com um nosso assinante de Paris, JR, ex-cabo da Força Aérea, ex-funcionário do PC, ex-preso político, que vive aí há já uns dez anos. É pessoa interessante; embora ainda preso à formação revisa, tem postura dissidente e simpatias anarco-trotsko-maoístas, não sei se me entendes. Se algum dia lhe quiseres falar ou mandar materiais, a morada é: (...).

Obrigado pelo Althusser, estou a penetrar nos meandros da sua história, mas devagar, para não ter algum acesso de loucura.

E que tal os pecadilhos de juventude do “mon ami Mitterrand”? O Bochechas deve estar embatucado com as proezas do seu amado líder e mentor espiritual. Não tarda, vais vê-lo a desfilar atrás do cortejo fúnebre, comovidíssimo. Aceita um grande abraço, até breve.

Carta 52
30/11/1994

Caro Correspondente:

Os teus cartõezinhos começam a acumular-se e eu sinto-me em falta. A P.O. está praticamente pronta (com o teu excelente comentário, traduzido pela Ana) e vou ter uns dias para respirar.

Recebi o novo texto do Tom Thomas mas ainda não pude lê-lo. O livro dele sobre a Ecologia está a imprimir, sob a chancela das prestigiadas edições Dinossauro; embora o nosso pedido de apoio financeiro da Comunidade não tivesse resposta (que surpresa!) decidimos avançar porque o tema desperta interesse e a abordagem do Thomas põe em causa muitas ideias feitas; vamos a ver se chocalha um bocado as cabeças nesta infeliz terra.

A Ana já começou a traduzir o Lissagaray que tu pontualmente mandaste, vamos mesmo para a frente. Decidimos suprimir os prefácios, o prólogo do autor, as extensas notas finais, para ver se o reduzimos a umas 350 páginas, e mesmo assim vai ficar muito caro, mas tem que ser. É monstruoso que nesta terra em que se edita tanto lixo nunca ninguém tenha achado interesse em dar a conhecer a história da Comuna de Paris. Pelos mesmos motivos, não acho boa ideia acrescentar-lhe, como sugeres, o texto de Marx, porque já assim o preço vai ficar pesado e o público para estas matérias está muito reduzido.

Ainda no capítulo editorial (estamos de cabeça perdida!), gostaria que nos obtivesses traduções francesas de algumas das obras do Jack London, de conteúdo social. Recentemente, a Ana traduziu para a Antígona um livro chamado “O Povo do Abismo”, que achámos bestial. Gostaríamos que a Dinossauro também editasse algum. Vimos num registo de edições espanholas títulos dele com. Tempos dificiles, Notas de viaje, Fragmentos del futuro. A 10/18 tem muitos publicados.

Também, já agora, poderás obter da Kollontai, as Memórias e a Autobiografia, para apreciação? Dos livros que tens disponíveis, gostaria de receber: Bettelheim, P. Gomes, Guillon, Gogol, Maurice Nadeau, Cavanna. Se te calhar, manda, mas sem preocupações, não há pressa.

Descuidei-me com o teu pedido de mais 3 P.O., vou enviar rapidamente. Agora, sobre o pedido que fizeste quantoa comentar o artigo do Vaiadas para a próxima série do Albatroz: fiquei embaraçado, por não saber muito bem o que escrever a este respeito, e sobretudo por temer que o homem se irrite por ver o trabalho dele acompanhado de comentário. Uma pergunta: do que tem saído na P.O. nos últimos meses não poderias traduzir ou adaptar qualquer coisa? Ficamos torcendo por que a nova série albatrosiana vá por diante.

Espero em breve escrever-te um extenso relatório sobre a situação política nacional e a vitoriosa campanha das forças democráticas para expulsar do poder a camarilha cavaquista. Partiram as pernas e os braços ao movimento operário e agora querem mobilizar as massas à base de agitações das classes médias. Muito fumo e pouca porrada, o Cavaco até se ri. Fiz um comentário sobre isto na P.O. que vai sair. Um abraço.

Carta 53
16/1/1995

Caro M:

Continuo a receber materiais teus a um ritmo estonteante, o que é óptimo. Só me falta uma prosa tua para a próxima P.O., será que ainda desenrascas algo? Fecho impreterível no dia 24 do corrente.

E uma bela notícia, essa de que virás para cá por um ano. Decerto vão-se arranjar tarefas para te ocupar: o nosso glorioso partido é vasto e conduz actividades em muitas frentes, desde a teoria da revolução ao anti-racismo, desde uma empresa de edições a comités regionais em quase todo o território...

Por agora podes parar com o envio de originais para eventual tradução, pois o nosso conselho de leitura (que por sinal é formado pelas mesmas pessoas que compõem o conselho de redacção da P.O., o corpo de funcionários políticos, a equipa técnica, a contabilidade e o serviço de distribuição) já está submergido por materiais a examinar. Temos a sair um livro dum autor brasileiro-moçambicano(8), que é uma recolha de depoimentos sobre a guerra colonial, em cujo lançamento vamos apostar em força. É a guerra vista pelo outro lado, com episódios tenebrosos mais do que suficientes para deixar engasgados os patriotas cá do sítio que já se aventuram a falar outra vez do “espírito universalista dos portugueses”. Do livro do Thomas(9) envio-te 5 exemplares, para as primeiras impressões. Vou mandar também 3 para o autor (foi o que ele pediu). Do livro “Coração Forte”, igualmente cinco exemplares.

Acabo de receber o teu postal alarmado. Não, não estou doente. Estou em pânico, porque tenho falta de material para fechar a P.O. Desencava aí por favor uma prosa urgente e brilhante. Estou a ver se amanho um artigo sobre o "Marx em liberdade vigiada", a propósito dos rapazes intelectuais que começam a conceder que "o velho até acertou nalgumas coisas", desde que se dê como assente que a revolução proletária nunca mais! Também quero ver se faço alguma coisa à altura dos últimos movimentos operários, na Marinha Grande e Pejão (mineiros), deves ter lido algo: cargas da polícia, respostas duras dos operários, marchas sobre Lisboa. Parece haver sinais de que algo muda na disposição dos proletas, fartos de fome e pontapés. Veremos se tem sequência.

Escreve. Um abraço

Carta 54
9/5/1995

 Caríssimo:

Ainda mal chegaste, já estou ao ataque. O caso é grave. Começámos a falar a torto e a direito num número especial da PO por ocasião do 10° aniversário e agora estamos a ver-nos a braços com montanhas de tarefas, não só escrever mais do que o habitual mas contactar e entrevistar pessoas, preparar traduções, etc. Não sei se estás a ver o objectivo desta carta: pedir-te, um, dois, três, muitos artigos, notas, comentários, e que estejam cá até 25 de Maio! Nada mais fácil, como vês.

Passo agora ao papel de editor Dinossauro para te pedir que nos arranjes a biografia de Engels por Riazanov, porque do que nos disseste e das informações que colhemos de outros lados, chegamos à conclusão de que se essa não prestar, teremos de abandonar o projecto(10). Quanto às fotocópias de Amesterdão, não vale a pena, teríamos depois um problema insolúvel (caríssimo) para a tradução do alemão.(11)

Não te maço mais. Fico à espera do material. Um abraço.

Carta 54
27/11/1996

Caro M:

Estou a escrever-te com bastante atraso, porque só agora acabámos uma corrida para pôr na rua a P.O. 57 e dois livros da Dinossauro. A PO seguirá dentro de uns dez dias Dos bvros, mando ja 3 exemplares de cada, para veres se tens compradores. Vai também a P.O. 56 que deve ter-se extraviado ou falhado na nossa expedição, não tenho a certeza. Mando 3 exemplares.

E o Contraponto n° 3, está em marcha? Não sei se precisas de apoio, diz. Mando-te junto um artigo que traduzi da Transituation, "Vectores", dum tal Miguel Vitaliis. Achei interessante e poderá eventualmente servir para o Contraponto.

O M está interessado em preparar para a próxima P.O. um artigo sobre a greve dos çanúonistas franceses. Por favor, manda o que tiveres, recortes com posições sindicais, dos partidos, etc.

Seguem junto duas cartas que vieram em teu nome para o Apartado da Dinossauro. Abri uma por inadvertência, desculpa. Também têm chegado endereçadas ao Contraponto algumas revistas francesas como o Courant Alternatif, Partisan, uns materiais dos zapatistas, etc., que não mando porque julgo que podes obter aí sem dificuldade. Veio também um livrinho dum congresso do Partido Marxista-Leninista Alemão, que retive porque julgo que não tem utilidade para o Contraponto e me serviu para um comentário na P.O. Simplesmente miserável. Depois te mando para te instruíres.

Mando aqui junto um cheque e duas notas em moeda estrangeira: 100 francos (para uma assinatura do Contraponto, toma nota do nome), 20 marcos e 10 coroas holandesas. Não vale a pena eu trocar aqui porque o banco fica com uma data de massa nestas conversões de moeda estrangeira. Podes usar para comprar algum livro que aches interessante enviar-nos.

Diz como correm as coisas e quais os teus planos. Virás a Portugal no fim do ano? Cumprimentos para a V. A S. está boa? Um abraço

Carta 54
14/2/1997

Caro M:

Estamos apreensivos pela tua falta de notícias. Temos recebido alguns materiais teus (com destaque para os do negacionismo) mas nada de cartas nem de notícias.

Temos sido abordados por alguns assinantes do “Contraponto” que estranham que não tenha saído mais nenhum número e se sentem defraudados. Tens o nº 3 em preparação? Precisas de algum apoio em traduções, etc.? Diz alguma coisa.Mando junto algumas publicações que te podem interessar e uma carta para ti.

A PO 58 será expedida na próxima semana. Teve algum atraso devido a acumulação de trabalho e também a problemas familiares que me têm ocupado demasiado. De qualquer forma, conseguimos recuperar colaboradores que ultimamente estavam a falhar. Acho que não está mal. Fiz um bocado à pressa, como de costume, um artigo lançando alguma polémica com o Bitot, que, a meu ver, desvaloriza enormemente a questão do imperialismo. Espero que ele reaja bem e que a polémica se desenvolva.

Pelo lado da Dinossauro é que não vamos bem. Depois do enorme esforço que representaram para nós os últimos lançamentos (anunciados na PO 57) fizemos contas com a distribuidora e chegámos à conclusão de que temos que parar, pelo menos por alguns meses. As tiragens são pequenas, a tipografia leva muito dinheiro pela impressão e encadernação e a distribuidora já exige 54/o do preço de capa e alargou o prazo de pagamento de 60 para 90 dias, quando não são 120... Tirando a Viagem pela América de Che Guevara, todos os outros nossos títulos saem mal. Mesmo Os meus anos com o Che, em que púnhamos esperanças de recuperar algum dinheiro, está a vender pouco. Esperemos que com o correr do ano e o aniversário da morte do Che, haja maior interesse.

Tem havido alguma agitação operária, sobretudo no Norte, sobretudo mulheres, por causa dum célebre decreto “socialista” da “semana de 40 horas” que, em concreto, está a levar os patrões a considerarem como paragem do trabalho as pausas que até aqui eram pagas. Mas o panorama geral continua o mesmo. Os camionistas estão a contagiar-se um pouco com a greve que agora passou para Espanha mas uma tentativa de bloquear a estrada, ontem, perto de Vilar Formoso, foi logo reprimida com GNRs e cães. Fora disso, são os desfalques e roubos do costume, a bola e a bola...

Quando pensas vir a Portugal? Manda notícias. Abraços para ti e para a V.

Carta 55
5/11/997

Caríssimo:

Estava justamente para te escrever porque os teus materiais têm chegado em barda, em tal ritmo que ficam muitos para leitura posterior. Não me posso queixar.

A PO seguiu, deves ter recebido depois do teu último bilhete. Como terás visto, acabei por fazer um breve resumo da tua nota sobre as rodriguices(12). Falei com o Carretas, que não me pareceu muito empenhado numa guerra com essas bandas; e pela nossa parte, pareceu-me que à quase totalidade dos leitores seria impossível apreender o sentido da polémica. Conservei por isso o que me pareceu essencial: o elogio da peça e a crítica aos críticos. Tu dirás se achas bem Metemos também uma pequena recensão sobre o Albatroz e ainda a nota sobre o José Manuel Manuel Fernandes(13).

Agora espero uma Carta de Paris para o nº 62, que já começa a dar os primeiros passos. Tem que estar pronto antes do fim deste mês de Novembro, para recuperar o atraso do anterior. A regularidade da publicação tem sido ponto de honra nosso desde o princípio e não quero agora começar a ceder. Para o próximo número estou a preparar uma última resposta ao AN; mesmo que ele volte a responder não continuarei esta polémica, porque vai saltitando de tema para tema e porque usa um estilo acintoso que me é desagradável. Não quero entrar por esse caminho e parece-me já ter evidenciado as mazelas da sua cabeça. Além disso, ele aumenta sempre o tamanho das respostas, de tal modo que ameaça inundar a revista. Neste último, tivemos que guardar metade do artigo. Sai no próximo.

Tenciono também continuar o tema “Europa — o eclipse da revolução”, agora num plano mais actual, tentando responder à interrogação: actividade comunista em Portugal, hoje, o que pode ser? Com sindicatos? Com parlamento? Como fazer para que as reivindicações diárias concorram para acumular forças revolucionárias? Francamente, não sei onde está a resposta, é só para explorar o assunto. O facto é que, dando o balanço às minhas experiências “comunistas” até hoje, só vejo acumulação de forças reformistas, não revolucionárias, e isso tem a ver com a concepção geral dos métodos de luta, não pode ser atribuído apenas às inclinações oportunistas dos Cunhais ou Arrudas.

Estamos a preparar aceleradamente dois Dinossauros: a “Breve história do indivíduo”, do Thomas, agora em revisão final da tradução, e um texto de um professor do Senegal sobre a situação em África (umas 80 páginas) que me pareceu interessante e que ele me autorizou a editar(14). Não vai ter venda nenhuma, mas é a nossa modesta contribuição para a Expo’98. Diz lá das boas sobre o imperialismo europeu. Assim que estiver pronto, mando-te.

Para o próximo Contraponto não sei se estás já a coligir algo. Proponho-me traduzir o artigo que me mandaste do Michael Lõwy sobre as ideias do Che. Achas bem? Diz-me se tens planos e não te descuides. Quanto ao abaixo-assinado a Estocolmo, acho bem gozado mas ficaria talvez mais eficaz se um pouco mais condensado. Meteste-lhe talvez ideias demais, e a piada sobre Aljubarrota parece-me uma excrescência. Mesmo a boca sobre o Nobel ao Egas Moniz talvez já desvie as atenções do essencial: temos valores pujantíssimos que o mundo não reconhece. Queremos um Nobel! Achas que os brasileiros devem vir na lista? A mim parece-me que o chauvinismo lusitano exige é um prémio para um dos nossos, estão-se marimbando para o Amado ou o Melo Neto. Foi de propósito que não mencionaste o Saramago e o Lobo Antunes? Ao que percebi, vai acesa a guerra e o Saramago promove-se descaradamente. Avança com o apelo Albatroz; mas não me peças para o traduzir, tem uma série de expressões que não domino, além de que é indecente, tu, um português de Guimarães, quereres que eu te traduza os teus texots do francês. Se isso se sabe por aqui, ficas queimado de vez.

Atenção à mudança de telefone e fax, mudámo-nos para a rua (…). . Os Douradores e o Ferragial(15) acabaram! Até breve, um abraço

Carta 56
29/12/1997

Caríssimo:

Com a PO na rua, dois livros na tipografia e a mudança de instalações quase completa, posso finalmente vir pôr a correspondência em dia.

Tenho recebido toneladas de publicações tuas, sobretudo em torno do caso Sokal. Já li boa parte do livro e dos recortes e tenho-me divertido imenso. Afinal os nossos sábios pós-modernos andavam a copiar expressões dos livros de matemática sem sequer as perceber, só para fazer efeito junto dos papalvos. O nosso Prado Coelho, que é um desses papalvos, está para morrer e há mais gente fina de rabo entre as pernas. A B fez um comentário sobre o caso na última PO, que já deves ter recebido.

Como deves saber, o importante nesta terra neste dois últimos meses foram as eleições autárquicas (pré-campanha, campanha, pós-campanha), com um investimento financeiro nunca visto e também um nível reles a tresandar. E a confirmação de que não há alternativas políticas em disputa mas apenas equipas de administradores a empurrar-se, a pisar-se e a insultar-se para conseguir dar nas vistas e ser escolhidos para os cargos. Desta vez, mesmo a anémica extrema-esquerda (?) se deixou arrastar na onda do marketing, até o MRPP abandonou as suas tiradas antiburguesas, e foram castigados por isso, porque a votação baixou: perderam os votos de protesto contra o sistema e não ganharam outros em troca porque toda a gente sabe que, como governo autárquico, são inviáveis. Os tristes do PC, apesar de fazerem o reclame da sua administração honesta, levaram uma banhada de todo o tamanho (Amadora, Vila Franca!). O que dominou foi a polarização nacional entre PS e PSD como os dois únicos candidatos credíveis à gerência da firma Portugal. SA. Toda a conversa sobre a importância cada vez maior do “poder local” e da “regionalização" é só conversa. O que conta é o aparelho central.

Com experiências destas, como não hei-de me tornar antiparlamentarista, mesmo que me digam que isso vai contra o Lenine? A utilização revolucionária do parlamento está muito certo, mas é preciso termos condições para o utilizar e não sermos utilizados (e mastigados, digeridos e depois... evacuados) como aconteceu ao PCP e ao PC(R). Ando a ver se escrevo um artigo para o próximo número sobre a questão da concorrência às eleições.

E tu, vais mandar algum comentário? Contraponto — Embora não tenha ainda estudado os artigos que propões da Derive/Approdi, duvido que seja apropriado, ao fim de tantos meses, fazer um número dedicado à Albânia e com artigos todos da mesma origem. Poderíamos aproveitar um desses artigos, mas o resto deveria em minha opinião ser mais actual. Tens algum outro material em vista?

Como já te disse em carta anterior, proponho-me traduzir o artigo do Michael Lowy sobre o Che (não sei a tua opinião) e estou disponível para outros trabalhos de tradução. E preciso é que tu ponhas a máquina em marcha. (,,,)

Por agora é tudo. Assim que tiver os livros prontos do Thomas e do Founou, mando-te 5 exemplares de cada, para eventuais vendas aí. Um abraço.

Carta 57
22/2/998

Meu caro.

A PO 63 seguiu já há dias, deves ter recebido. Vão agora 2 exemplares de cada dos últimos livros editados pela Dinossauro. Se precisares mais, diz. Estamos a racionar um pouco porque fizemos só 500 de cada, para cortar despesas e agora arranjámos um novo distribuidor a quem vamos entregar 400 de cada, pouco sobra para a distribuição interna. Mandei já 3 exemplares, salvo erro, ao Tom Thomas.

Agora estou a pedir com urgência e premência peças de teatro, poesias ou outros textos do Brecht, para considerarmos a hipótese de editar um volume por ocasião do centenário que está a passar. Aqui está praticamente tudo esgotado. Podias escolher algumas coisas dele que achasses mais explosivas e mandar-nos? Soube que as obras dele em França foram em grande parte lançadas por uma editora Arche, deves conhecer. Claro que a ideia é fazer traduções sem pedir direitos, se não torna-se incomportável. Não me deixes pendurado!(16)

Tenho visto pelas fotos , apelo e outros materiais que tens enviado que a luta dos desempregados está aí a aquecer. Já não veio a tempo de meter na PO. Eu traduzi e condensei um extenso artigo do Courant Altematif. E a propósito: porque não preparamos o Contraponto 4 com materiais sobre o desemprego na Europa? Nada mais actual. Deves ter muitos elementos. O que é preciso é decidir depressa porque os meses passam.

Na próxima PO publicaremos uma carta do Claude Bitot, que mandou para o Monde Diplomatique e de que eles só transcreveram uma parte. E uma boa resposta a essa canzoada que por aí a ganir contra os horrores do comunismo. Só num ponto discordo dele e di-lo-ei na revista: é absurdo criticar os bolcheviques por terem tomado a cabeça da revolução e terem tentado levá-la o mais longe possível. Nesse ponto é que o homem descarrila. Como se a opção não fosse entre isso ou traírem as massas que queriam pão, terra e sovietes. As coisas correram mal não por culpa deles mas porque a revolução não dava para mais.

Junto devolvo uma carta para ti que abri por não saber que era pessoal. Um abraço

Carta 58
15/10/1998

Caro M:

Depois de um tão longo silêncio respondo aos teus postais dos últimos meses. A minha desculpa é a acumulação do trabalho e a complicação da minha vida familiar, que bem conheces.

As nossas actividades continuam no fogo lento a que estamos condenados enquanto não aparecer uma geração com novas inquietações e nova audácia para abanar esta barraca podre. Das coisas internacionais, não preciso de te falar, decerto acompanhas com mais dados do que eu. Cá do Portugalório, as notícias são de “modernidade”: casos de corrupção em grande e uma despolitização atroz das massas populares. Estão neste momento a seguir aviões de combate para o Kosovo, o ministro decidiu sem sequer se dar ao trabalho de ouvir a Assembleia da República para salvar as aparências. O PC protestou mas em voz baixa, está empenhado com o PS na grande campanha pela regionalização, julgam que vão ficar a governar o Alentejo. O pior é que a maioria da população inclina-se para a abstenção ou para o “não”. E mesmo que o “sim” viesse a ganhar o PS dava um pontapé no cu dos Pcs e ficava com as regiões todas.

Dentro de dias vais receber a P.O. 66. Acabámos por não aproveitar a tua sugestão de procurar bonecos do Zav na Eduarda Dionísio, de resto só falamos da Expo a propósito de uma falcatrua que lá houve de um milhão de contos, Como verás, traduzi um capítulo do último livro do Tom Thomas, gostaria de traduzir o livro na íntegra e editá-lo pela Dinossauro mas era fiasco comercial certo, o público daqui ainda não está alertado para os debates em tomo do fim do trabalho e os estudantes só se mobilizam pelas propinas.

Estivemos na sessão realizada pela Abril em Maio sobre a Expo, a Ana fez uma intervenção, encontrámos lá o Samir Amin e fizemos-lhe uma entrevista, vem nesta P.O. É uma cabeça interessante mas as suas perspectivas para a revolução mundial são muito reformistas, embora envolvidas em teses coloridas. Tu verás.

Recebemos os materiais que mandaste sobre o Brecht, desculpa não te ter avisado a tempo que o livro já estava fechado, ficámos por uma edição modesta, sempre com medo das despesas que não aguentamos. Tem-se vendido alguma coisa porque os jornais e os teatros sempre vão falando no centenário.

Agora temos para sair um álbum de postais ilustrados sobre o Império Colonial Português do princípio do século(17), é uma forma de nos associarmos às patrióticas iniciativas dos 500 anos das Descobertas. Faremos apresentação pública no dia 24, vamos a ver que saída tem. Também estamos a preparar uma edição das Veias Abertas da América Latina(18), livro já antigo do Galeano mas que aqui nunca foi editado. Como já se começa a falar nos 500 anos do descobrimento do Brasil, é a altura própria. Vamos a ver o que dá.

E tu, não mandas nada para a P.O.? Nem que sejam uns recortes de imprensa, vai-te lembrando de nós. Quando vens a Portugal? Abraços para ti e para a V.


Notas de rodapé:

(1) João Amazonas (1912-2002), por longo tempo secretário-geral do PCdoB (Partido Comunista do Brasil). (Nota de AB). (retornar ao texto)

(2) Empresa gráfica que pertencia ao PC(R), onde FMR trabalhou. (Nota de AB). (retornar ao texto)

(3) Djoubelly Wea, militante independentista kanaka da Nova Caledónia que, em 5 de Maio de 1989, executou os líderes Tjibaou e Yeiwene do FLNKS,  movimento local que negociava com os colonos franceses uma solução neocolonial para a nação kanaka. (Nota de AB). (retornar ao texto)

(4) Comissão Contra a Intervenção no Golfo (CCIG), ver comunicado em https://ephemerajpp.com/2014/12/07/comissao-contra-a-intervencao-no-golfo-ccig/. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(5) Tratava-se do marroquino Abraham Serfaty (1926 -2010), militante e activista político, que foi preso durante o reinado autoritário do rei Hassan II. Esteve quinze meses num cárcere subterrâneo, tendo cumprido dezassete anos de prisão.  Em parte graças a uma campanha internacional a seu favor, foi libertado e viveu oito anos de exílio em França, antes de regressar a Marrocos, onde faleceu. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(6) «Un communiste part à toute guerre, même réactionnaire pour y poursuivre la lutte contre la guerre. II travaille là où il est placé. S’il en était autrement, nous aurions une situation telle que nous prendrions position sur des bases purement morales, d’après le caractère de l’action menée par l’armée, au détriment de la liaison avec les masses ». (N. de AB). (retornar ao texto)

(7) Segundo MV, em carta de 21/6/94

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(8) Licínio de Azevedo, autor de Coração Forte, ed. Dinossauro, 1994. O título da edição original moçambicana é Relatos do povo armado, ed INLD, Maputo, 1976 (N. de AB) (retornar ao texto)

(9) A Ecologia do absurdo, ed. Dinossauro, 1994. (N. de AB) (retornar ao texto)

(10) O projecto foi de facto abandonado, por dificuldades editoriais. (N. de AB) (retornar ao texto)

(11) MV escrevera à Biblioteca de História Social de Amesterdão “para tentar obter, em fotocópias, o livro de G. Mayer F. Engels, Eine Biographie (publicado em 1934 na Haia)” (sua carta de 3/5/1995). (N. de AB) (retornar ao texto)

(12) Referência ao jornalista José Manuel Rodrigues da Silva, ao tempo editor do Jornal de Letras, que fizera uma recensão sobre a peça ”Bolero”, acabada de encenar por José Carretas. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(13) Jornalista então editor do jornal Público. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(14) Crise africana. Alternativas, de Bernard Founou-Ttchuigoua, ed. Dinossauro, 1998. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(15) Anteriores locais de trabalho da Política Operária. (Nota de AB) (retornar ao texto)

(16) Veio a ser editado nesse ano de 1998 pela Dinossauro o livro Brecht. Poesia — Textos — Teatro, “selecção de poesias, textos e peças de teatro radiofónico de um dos mais importantes e influentes autores do século XX”, segundo o catálogo editorial. (Nota de AB). (retornar ao texto)

(17) O império a preto e branco, colecção de fotografias de época, selecionadas e comentadas por Ana Barradas. (Nota de AB). (retornar ao texto)

(18) As Veias Abertas da América Latina, Dinossauro, 1998. (retornar ao texto)

Inclusão 13/06/2019