Carta aos Militantes do PC(R)

Francisco Martins Rodrigues


Primeira Edição: Proposta redigida por FMR à Asssembleia Constitutiva da OCPO

Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida

Transcrição: Ana Barradas

HTML: Fernando A. S. Araújo.

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Camarada,

Já deves ter conhecimento de que um conjunto de militantes comunistas decidiram, em assembleia realizada no início de Março, constituir um agrupamento comunista. Esta iniciativa vem no seguimento do corte que esses militantes fizeram com o PC(R) nos finais do ano de 84.

Julgamos necessário explicar as razões políticas por que fizemos a ruptura.

Temos de recuar ao 4º Congresso, que foi uma rica experiência de luta interna dentro do PC(R).

As teses aprovadas tiveram por base a carta de Francisco Martins de crítica ao 25 de Abril do povo. Pela primeira vez, os comunistas portugueses falam do centrismo, denunciam-no como uma corrente operária-pequeno burguesa, oportunista, intermédia, infiltrada no Partido de alto a baixo desde a reconstrução.

O 4º Congresso rejeitou assim o 25 de Abril do povo como expressão política dessa corrente e exigiu que a linha fosse posta de acordo com os princípios e os interesses do proletariado. Pôs em causa esse centrismo dominante no PC(R). As teses sobre a natureza do revisionismo, as lições da crise de 74-75 e o princípio da hegemonia do proletariado na táctica são património da corrente de esquerda que inspirou o congresso.

O que foi o curso político do CC e do Partido desde o 4º Congresso?

Quando deveriam ter existido, logo após o congresso, todas as iniciativas como activos e reuniões operárias, para impulsionar a corrente operária comunista nas fábricas, o CC não só não estimulou, como condenou as que existiram, como aconteceu com um activo operário na Margem Sul.

Quando era urgente estancar o abandono de dezenas de militantes, a maioria dos quais operários, assim como o desmembramento da maioria das células de empresa, 0 CC rejeita a proposta de realização do activo nacional de células de empresa, convocando a 4ª Conferencia para as Frentes.

Só um ano depois o CC convoca um activo nacional, no qual apenas estão representadas 20 células, várias delas de serviços, extremamente enfraquecidas.

Quando era necessário contrariar a tendência anterior de se privilegiar os acordos por cima em detrimento da acção revolucionária por baixo, o CC conduz a campanha para as legislativas de 83 na base da coligação entre a UDP e os trotskistas.

O CC levou assim o Partido para um desaire político, recusando sempre qualquer autocrítica.

Entretanto, as palavras de ordem políticas centrais do 4º Congresso de greve geral pelo derrube do governo, Portugal fora da Nato, não à CEE, contra a repressão e o fascismo, resistência na Reforma Agrária, deixaram de ter qualquer influência política na actividade diária global do Partido. Em sua substituição, o não pagamento da dívida ao FMI passa para primeiro plano, sem qualquer mobilização para a luta diária de massas.

A ideia política oportunista criticada pelo 4º Congresso de “quanto mais amplo em cima, mais fácil o trabalho por baixo” comandou a acção política contra a lei fascista de segurança. Esta mesma ideia está presente na 11ª Reunião Plenária, com a defesa da “unidade ampla para derrubar o governo” e “participação nas movimentações em que dominam a frente liberal e a pequena-burguesia revisionista”.

Todas estas opções revelam a recusa em se acentuar a acção independente do proletariado, como o 4º Congresso exigia.

Camarada,

Pedimos-te para reflectires sobre as seguintes questões:

Mas estes problemas não se resumem apenas a aspectos da política nacional. Também no campo internacional temos que perguntar:

Estas interrogações não podem deixar de bailar nas cabeças dos comunistas, apesar de o PC(R) proibir que se discutam e que sejam esclarecidas. Elas não são invenções, são factos políticos que necessitam de ser analisados à luz do marxismo.

Camarada,

Este curso político do Partido, esta ausência de respostas, acontecem porque o CC, dominado pela doença que o Partido traz consigo desde a reconstrução, não rompeu com as concepções oportunistas criticadas pelo 4º Congresso, não assegurou uma acção independente do proletariado na cena política.

Por isso se assistiu nos últimos dois anos à marginalização dos camaradas que a este curso se opuseram, e que culminou com a necessidade de fazermos a ruptura com o PC(R) .

O CC optou pela perseguição e saneamentos políticos, pelo ataque desenfreado contra as propostas de esquerda, que exigiam o avanço do Congresso.

Exigia-se pôr em prática as medidas de excepção decididas pelo 4º Congresso para a implantação operária, não continuar a esconder os comunistas atrás da UDP.

Exigia-se avançar no programa e na estratégia, de acordo com os princípios do congresso, e não o decreto de que “o processo de elaboração da linha terminou”.

Exigia-se criticar a estratégia do 2º Congresso, e assegurar o primado das contradição proletariado/burguesia, e não a “luta de todo o povo contra o imperialismo e o FMI”.

Exigia-se sair da menoridade política e os comunistas portugueses terem uma posição própria de classe sobre os problemas internacionais, e não os decretos ilegais de que nada se pode discutir enquanto o CC não tiver opinião, resultando daí o silêncio perante problemas que são importantes e o consequente esvaziamento do pensamento comunista.

O CC, ao proibir a livre expressão de opiniões dentro de organismos, ao substituir o debate geral em torno de questões polémicas por campanhas unilaterais de ataques e calúnias, ao marginalizar a corrente de esquerda e tomar medidas para impedir a investigação sobre a linha do Congresso da IC, reduziu a uma casca sem miolo os princípios do centralismo democrático, afastou os comunistas das normas bolcheviques definidas por Lenine, vitais para a acção dum partido operário revolucionário.

For estas razões, já não era possível continuar uma luta dentro do PC (R).

Camarada,

O centrismo que o Congresso pôs a descoberto não se afunda em si mesmo – afunda também o PC(R), esgota-lhe o pensamento próprio e independente, esvazia-o da política revolucionária de classe. Insensivelmente, passo a passo, estás a ser levado pelo caminho da desagregação, que te afasta da perspectiva da revolução proletária. Um caminho que leva à degenerescência, como aconteceu no velho partido.

A lição que nos anima ao criarmos a nossa organização é a de que, uma vez por todas, é necessário romper com todos os véus populares, democráticos, patrióticos e pacíficos com que a pequena burguesia teima em recobrir os interesses próprios do proletariado. É esta a lição que o PC(R) está incapacitado de tirar, porque vive dela.

Apelamos para que não fiques enredado nessa política, assente na busca sempre falhada de soluções que não sejam nem de esquerda, r.er de direita, nem revolucionárias, nem abertamente reformistas.

Pelo nosso lado, nós vamos conjugar esforços para lançar os alicerces da estratégia, da táctica, da organização do futuro Partido Comunista, para respondermos às exigências que coloca a revolução em Portugal.

Cedo ou tarde, terás de ser tu a fazer a opção do caminho que queres seguir.

Saudações Comunistas

A Asssembleia Constitutiva da CCP


Inclusão 16/10/2018