A Luta Nacional nos Países Catalães

Xavier Romeu

20 de Agosto de 1976


Primeira Edição: Publicado em Avui, 20 de agosto de 1976.
Tradução: Carlos Serrano Ferreira a partir do catalão (http://marxists.org/catala/romeu/1976/llunac.htm)
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Provavelmente, custaria muito achar noutros países um exemplo como o que oferecem alguns setores dos Países Catalães(1) de vontade de escravidão do fenômeno nacional. Em efeito, esta vontade se manifesta frequentemente em nossa casa, e não precisamente e sempre os setores que, para falar de alguma maneira, já se pode esperar que mantenham posições antinacionais em benefício de uma “fidelidade” devida a uma comunidade de interesses com as diversas oligarquias que compõem o Estado Espanhol; a tese antinacional é defendida também, com obstinação, desde posições pretensamente progressistas.

O fato que alguns destes setores tenham recuado nos posicionamentos é, porém, a melhor prova que a consciência nacional se afirma à medida que o nosso povo conquista espaços de liberdade. A realidade da famosa “comunidade cultural e linguística” (e histórica!) que acabaram reconhecendo os mesmos que até anteontem defendiam as teses que igualam nacionalismo e reacionarismo pequeno-burguês – comunidade que não havia posto em dúvida ninguém – haverá de fazer recuar ainda mais os posicionamentos antinacionais até o momento em que se assegure a unidade política – se o povo dos Países Catalães se manifesta livremente neste sentido – que creio que só poderá chegar por dois caminhos: ou pela convergência (aludindo) dos interesses nacionais e populares expressos a cada um dos Países Catalães, assumindo as diferenças como um elemento enriquecedor e não como um elemento desagregador, ou pelo alcançar, pode ser a mais largo termo, duma política unitária de libertação nacional, entendida como um meio de se conseguir a libertação das classes trabalhadoras. Penso que a progressiva e inegável tomada de consciência política que se manifesta entre os setores populares dos Países Catalães conduzirá, finalmente, a esta segunda opção.

Se fizermos um pouco de história constataremos que esta tomada de consciência dos setores populares levou ao redor do mundo a um deslocamento das teses nacionalistas: desde o sintético “os operários não têm pátria”, interpretado de diversas maneiras, até às formulações mais recentes. Os movimentos nacionalistas se deslocaram no mesmo sentido que as classes hegemônicas de cada momento (recordemos o slogan revolucionário cubano: “Pátria ou Morte. Venceremos”; recorde-se, também, da alcunha de “patriota” aplicada frequentemente aos lutadores revolucionários, por exemplo, no Vietnã), deixando de lado, é claro, os nacionalistas fascistas, que foram sempre uma arma de opressão de classe, aos quais nós opomos o nacionalismo popular. (Não é por casualidade que se Marx pensou num momento que a independência da Irlanda se conquistaria em Londres e não em Dublin, variou as suas posições, até chegar à defender a tese contrária).

É um fato geralmente admitido que a frase célebre “os operários não têm pátria” não admite uma interpretação simplista no sentido que a comunidade mais imediata de um operário sejam todos os operários do mundo. Uma interpretação, também geralmente aceita, é que a constatação que "os operários não têm pátria" não quer dizer que seja desejável que continuem sem a terem. Numa palavra, que quando se apresentam situações coloniais (Angola) ou de dependência grave (Cuba), a libertação das classes trabalhadoras terá de se produzir no marco nacional. Este não é, evidentemente, o caso dos Países Catalães; nosso país está inserido no marco de um Estado burguês, e são as próprias classes oligárquicas do país que contribuem à opressão das classes trabalhadoras. Fenômeno, este sim, que se produzia tanto em Angola como em Cuba. Porém a necessidade urgente de recuperar a propriedade da riqueza nacional (desde os meios de produção e distribuição até ao patrimônio cultural) pelos setores que produzem a mais-valia é a mesma e, portanto, a solidariedade e, provavelmente, a necessidade de coordenação das diversas lutas em cada marco nacional.

Foram ilustrativas neste sentido algumas passagens da carta que Engels escrevia à Kaustky em fevereiro de 1882, referindo-se à independência da Polônia. Engels afirma que é impossível para um povo discutir qualquer questão seriamente enquanto lhe falte a independência nacional. E, depois de colocar uns quantos exemplos, se manifesta da opinião que o movimento internacional do proletariado só é possível a priori entre nações independentes.

“Os socialistas poloneses que não quiserem colocar a libertação do seu país como o primeiro ponto do seu programa — diz Engels — lembram os socialistas alemães que não querem reivindicar como objetivo prioritário a supressão das leis de exceção contra os socialistas, a liberdade de imprensa, de associação e de reunião. Para poder lutar, é preciso um terreno, ar, luz e uma margem de manobra. Tudo o não seja isso é tagarelice”.

E acaba com umas considerações que podem nos parecer próximas: os principais inimigos das aspirações polonesas são, de um lado, os burgueses europeus; do outro, os pan-eslavistas russos, que mantêm a teoria enganosa da existência de uma nacionalidade eslava que na realidade não existe.

É claro que, noutros lugares, tanto o próprio Engels como Marx se manifestam contrários a determinados movimentos de emancipação nacional, quando estes podem obstruir a revolução socialista; por exemplo, no caso da Alsácia. Agora, as circunstâncias mundiais mudaram bastante num século, por que as teses que então eram válidas podem ser consideradas de outra maneira. Em primeiro lugar, variaram sensivelmente os interesses das diversas burguesias nacionais. Se num momento o nacionalismo burguês era o que se opunha ao internacionalismo proletário, atualmente são precisamente as grandes burguesias nacionais as classes mais internacionalistas, devido à necessidade constante da economia capitalista de ampliar continuamente os seus mercados, como demonstra a grande proliferação de empresas multinacionais em todo o Ocidente capitalista. Provavelmente, esta deve ser uma das razões que explicam o deslocamento dos movimentos nacionalistas para as classes trabalhadoras como um instrumento para sua libertação.

Visto deste ponto de vista, parece claro que qualquer manobra, venha de onde venha, dirigida a torpedear ou desvirtuar o direito à emancipação nacional tem, como última finalidade, evitar a luta pelo poder das classes trabalhadoras. Por isso, me parece de importância primordial e de toda urgência potencializar a incipiente consciência nacional – mais corretamente deveríamos falar de retomada – que vemos que se produz pelos Países Catalães. Só assim, creio, será eficaz a luta contra o Estado burguês e as suas formas de opressão de uns homens pelos outros.


Notas de rodapé:

(1) N.T.: Os Países Catalães são os territórios na região ocidental do Mediterrâneo que compartilham a língua e a cultura catalã, mas que possuem estruturas territoriais e políticas distintas, falando nalguns casos variantes dialetais (valenciano, balear, rosselhonesa e alguerês). Andorra (único Estado independente de língua oficial catalã); a Catalunha, o País Valenciano e as Ilhas Baleares (comunidades autônomas do Estado Espanhol, sendo que a primeira vive um forte processo de mobilização pela independência, com a tentativa de construir em 9 de novembro de 2014 um plebiscito neste sentido); a Franja de Aragão (setor mais oriental da comunidade autônoma de Aragão, também no Estado Espanhol); El Carche (serra que pertence a três municípios de Múrcia, no Estado Espanhol); na Catalunha do norte, cantão histórico do Principado da Catalunha, o Rossilhão, no departamento francês dos Pirineus Orientais; e, Alghero, uma comuna italiana na região da Sardenha. (retornar ao texto)

Inclusão 22/01/2014