O Caldeirão das Bruxas e Outros Escritos Políticos

Hermínio Sacchetta


Frente-Única: Ações de Massas Contra a Nova "Lei Monstro"(1)


capa

Está iminente a decretação por Castelo Branco de uma nova Lei de Segurança Nacional. Não são necessários dons divinatórios para prever o conteúdo de mais esse instrumento de opressão e terror dirigido particularmente contra os trabalhadores. A Lei de Segurança castelista se inspira nas mesmas “doutrinas” que fundamentam a Constituição promulgada pelos “representantes do povo” em janeiro passado. Em seu artigo 89, a carta constitucional proclama taxativamente que “toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela segurança nacional...”. Trocado por miúdos, e sem nenhuma mistificação, isto quer dizer: os trabalhadores devem subordinar, incondicionalmente, seus interesses de classe aos interesses da “Nação” ou, de fato, da burguesia, dona das riquezas e que controla o Estado por meio dos Castelos Branco e Costas e Silva, com ou sem farda.

A nova Lei de Segurança, reinstitucionalizando e ampliando a parte caduca dos Atos Institucionais, vai dotar o Estado de meios de repressão antioperária e antipopular no mesmo sentido de “contra-insurreição”, ditado à Escola Superior de Guerra pelo secretário da Defesa dos Estados Unidos, conforme a estratégia global do Pentágono. McNamara deixou bem claro, em conferência pronunciada no Canadá, em abril do ano passado, o que o imperialismo norte-americano entende agora por “segurança nacional”, não apenas a dos Estados Unidos mas, principalmente, a de seus aliados. Baseando-se no conceito ampliado ou abrangente de segurança nacional, formulado por McNamara, Castelo Branco e seus comparsas elaboraram o decreto-lei a que, agora, o ministro Medeiros Silva deu redação final aproveitando, também , sugestões do Marechal Costa e Silva. Mais do que defesa contra agressão externa, o conceito ampliado de segurança nacional visa a esmagar quaisquer manifestações de simples descontentamento interno mesmo que este esteja longe de conter embriões de subversão. Toma-se claro que se trata de métodos calcados nos processos terroristas de Hitler e Mussolini, empregados contra as reivindicações da classe operária, a título de proteção dos “interesses nacionais”, melhor dito, da burguesia e de seu sócio majoritário, o imperialismo. A nova Lei encarará os problemas de “segurança nacional” em termos políticos, econômicos, psicossociais e militares, confundindo, num todo, Nação, Estado e sociedade, segundo a doutrina totalitária. Uma parte especial, sem dúvida, será destinada ã definição de “crimes” contra a segurança do Estado, neles compreendidos a atividade política independente da classe operária, movimentos grevistas à revelia da Justiça do Trabalho, manifestações do pensamento socialista, tudo o que possa ferir os privilégios “sagrados” dos exploradores nacionais e estrangeiros.

Não é sem causa que a nova Lei de Segurança ultrapassará de longe os propósitos terroristas da Lei n.º 1802 de janeiro de 1953. A revolução cria a contra-revolução. O proletariado do Brasil, já agora quantitativamente poderoso e qualitativamente de consciência para si cm processo de amadurecimento, apesar de desorientado e traído pelas suas supostas vanguardas, vítima de uma miséria crescente e de um estado de opressão sem paralelo em nossa história, está acumulando reservas para explosivas batalhas de classe que, a longo prazo, o terror burguês só fará precipitar.

Constituição e Lei de Segurança, preparadas em termos de “fronteiras ideológicas” com os Estados Unidos e numa perspectiva de “guerra total”, segundo as conveniências do imperialismo norte-americano, buscam, pois, enquadrar, rigidamente, a classe operária e as camadas populares numa moldura terrorista, reduzindo-as a um rebanho de força-de-trabalho e carne para canhão. A burguesia “nacional” aceita, gostosamente, esse esquema, que, por meio da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, o Pentágono aplicou ao Brasil.

Há ingênuos ou safados, pequenos burgueses ou da chamada fração liberal da burguesia, que esperam uma reviravolta nisso tudo, com a posse de Costa e Silva, na presidência da República. O sucessor de Castelo Branco — não se tenha dúvidas — prosseguirá nos rumos antioperários do golpe de abril. Seu ministério, quase inteiramente militar, embora pre- tensamente afastado dos princípios “sorbonianos” do grupo de Castelo, vem, de igual modo, convencido de seu papel messiânico de salvação nacional. E essa salvação só é entendida por ele nos moldes das “fronteiras ideológicas” com o imperialismo norte-americano, embora, provavelmente, como compensação, este deva afrouxar os cordões da bolsa e soltar mais dólares para a burguesia “nacional”. Costa e Silva, de mentalidade agrarista, poderá retificar ligeiramente a orientação econômico-financeira de Castelo Branco, para beneficiar, em primeiro lugar, os burgueses do setor agropastoril, principalmente a economia cafeeira. Não muito mais do que isso. No tocante aos trabalhadores — a única força potencialmente capaz de golpear o imperialismo e seus associados nacionais — Costa e Silva manterá a série de leis e decretos legados pela camarilha de Castelo Branco, fortalecida com a Lei de Segurança que, na verdade, será uma superconstituição, pondo por terra a “baboseira bacharelesca” do capítulo constitucional sobre Direitos e Garantias individuais.

Esta nào é a primeira vez que o proletariado e as camadas populares do Brasil se defrontam com uma Lei de Segurança, voltada diretamente contra eles. A partir de 1921, com passagem por 1935 (“Lei Monstro”) e 1953, isto é, acompanhando o crescimento e a combatividade da classe operária, a burguesia vem aprimorando seus meios de terror contra os trabalhadores. Estes souberam desafiá-la, em formidáveis campanhas e ações de massas, mesmo pagando pesado tributo de sangue e longos anos de prisão. E, não tardará muito, voltarão a fazê-lo, seja porque suas condições de vida se tornam cada vez mais insuportáveis, seja porque o caráter de classe do Estado e seu papel de defensor do capitalismo, ainda que dissimulado por tendências “paternalistas”, se faz, dia a dia, mais nítido, o que auxilia o aceleramento da formação da consciência de classe do jovem proletariado brasileiro. Mas não é na espontaneidade das massas que deve basear-se a luta pela liquidação da nova “Lei Monstro”. Ao contrário. De início, a tarefa cabe, essencialmente, ao movimento proletário organizado: partidos, sindicatos, comitês de empresa etc., sem discriminações doutrinárias, desde que dispostos a lutar contra a “Lei Monstro” de Castelo e sua gente. A partir dessas agremiações e grupamentos, coordenados em uma frente-única de ação contra as leis e decretos terroristas e esfomeadores, a parcela mais decidida e consciente do proletariado deve tornar-se centro de um vigoroso movimento de massas, abarcando camadas populares de todos os matizes antitotalitários, empenhadas em restabelecer e revigorar as liberdades democráticas, que possam levar ao pleno funcionamento dos sindicatos e partidos proletários revolucionários, da tribuna e imprensa operária e popular e de todas as organizações voltadas para a defesa dos direitos democráticos.

Para os socialistas-marxistas ou de outras doutrinas — a mobilização popular e atos concretos contra a “Lei Monstro” de Castelo oferecem, com certeza, possibilidades de retomada dos rumos anticapitalistas e pelo Socialismo.


Notas de rodapé:

(1) “Editorial” do Bandeira Vermelha, Órgão Central do Movimento Comunista Internacionalista, n.º 2, fevereiro de 1967. (retornar ao texto)

Inclusão 21/04/2014