Resenha: Tecnologia e Trabalho Industrial - As implicações Sociais da Automação Micro-eletrônica na Indústria Automobilística

Eder Sader

Junho de 1988


Fonte: Revista Lua Nova (14) - Jun 1988 - https://doi.org/10.1590/S0102-64451988000100015

HTML: Fernando Araújo.


Tecnologia e Trabalho Industrial - As implicações Sociais da Automação Micro-eletrônica na Indústria Automobilística - Ruy Quadros Carvalho - L&PM, Porto Alegre, 1987.

Os robôs estão chegando. Eles ainda são poucos, mas, como argutos "agentes do futuro", vão se instalando nos postos chave de modo a não deixar dúvidas de que estamos no limiar de transformações que revolucionam a própria natureza do trabalho humano. Desde que tomou-se pensável a idéia de robôs substituindo operários, desencadearam-se especulações sobre as características de uma "sociedade pós-industrial". Conforme a ótica do autor - e o "clima do momento" - as prospectivas eram dominadas ou pela utopia da libertação de todo trabalho manual alienado, ou pela apocalipse de um desemprego em massa. Agora que essa realidade começa a se esboçar ante nosso olhos, torna-se possível (e necessário) refletir sobre os desafios e as alternativas postas para nossas escolhas.

A partir do momento que tornou-se possível acoplar microprocessadores eletrônicos a máquinas, a automação dos processos produtivos operou um grande salto, trazendo para o presente o que era antes apenas cenário de um futuro intrigante. A informatização nas máquinas permite que elas sejam reprogramadas em função de variações encontradas no processo de produção. Robôs industriais substituem operários nas tarefas parcelizadas das linhas de produção. Máquinas-ferramenta com controle numérico substituem trabalho qualificado de ferramenteiros. Em que medida tais transformações nos afetam?

A leitura de Tecnologia e Trabalho Industrial nos ajuda bastante a pensar tal questão. O livro já tem o mérito de estudar a introdução das novas tecnologias no contexto dos conflitos de classe e das relações de trabalho presentes na sociedade brasileira. Inscreve-se pois numa Unha recente de pesquisas que aprofundam o conhecimento do movimento operário ao iluminar as características dos processos de trabalho de onde emerge. Mas sobretudo ele não reifica a tecnologia. Esta não aparece como se fosse o resultado inexorável de mecanismos exteriores às escolhas humanas feitas no fogo de lutas sociais. O autor aponta nas tecnologias materializações de relações de força e de opções políticas. Mas, uma vez que estão materializadas, elas aparecem como premissas necessárias para qualquer ação futura. Isso quer dizer que o campo de opções de trabalhadores e de empresários permanece sempre delimitado pelas condições materiais dos diversos processos produtivos. Por isso, depois de expor as características gerais das relações de trabalho na década de 70, ele se volta para a análise das particularidades segundo ramos produtivos com diversas condições tecnológicas.

A primeira parte do livro é dedicada ao estudo dos padrões de uso e controle da mão-de-obra no Brasil a partir da década de 70. Após uma discussão teórica relacionando as tecnologias aos processos de trabalho e às lutas sociais na produção, o autor expõe as tendências dominantes na década de 70 e as alterações sofridas na passagem para os anos 80. É no quadro da retomada do movimento operário, das mudanças no sistema político, da recessão econômica, que assistimos ao crescimento da difusão da automação com base microeletrônica no país. Nesse contexto, marcado por novas ênfases no mercado externo, a incorporação das novas tecnologias aparece vinculada às exigências de qualidade definidas pelos padrões internacionais. E é também por referência ao contexto econômico geral, que Carvalho conclui que as causas principais do desemprego devem ser buscadas muito mais na recessão do que nas inovações tecnológicas.

A segunda parte apresenta os resultados de uma pesquisa realizada em duas empresas automobilísticas. Analisando cuidadosamente a organização dos processos produtivos, o autor se detém nos setores de soldagem e compara as linhas de produção "convencionais" com as "automatizadas". Da descrição minuciosa do processo de trabalho, vamos percebendo as mudanças ocorridas no controle sobre as atividades, na disciplina sobre o uso do tempo, na natureza das tarefas, nas qualificações requeridas, nível do emprego, composição da mão-de-obra e técnicas de gestão da força de trabalho. Atentando para as formas específicas adotadas pelas empresas na introdução da automação microeletrônica (AME) e para o fato de esta encontrar-se em uma fase inicial, Carvalho analisa seus efeitos na "disputa permanente pelo uso do tempo dos trabalhadores". Tratou-se, para as empresas, de garantir "tecnologicamente, isto é, através da combinação organização do trabalho/AME que escolheram, um controle da produção que poderia, no futuro, ser perdido nas mesas de negociação" (pp 150 e 151). Mas aponta também o ponto vulnerável do novo sistema. A delicadeza dos equipamentos, a freqüente ocorrência de panes e seu alto custo, a maior interdependência das operações, fazem com que o bom andamento da produção dependa de trabalhadores cuidadosos, atentos e cooperativos.

Por isso mesmo a pesquisa sobre "as implicações sociais da automação microeletrônica na indústria automobilística" desemboca numa discussão sobre a relações de poder na fábrica. Entre as políticas gerenciais, que buscam o envolvimento dos operários através de organismos como os "círculos de controle de qualidade", e as políticas dos trabalhadores, através das comissões de fábrica, transcorre a disputa sobre as modalidades e o uso das novas tecnologias industriais.

Agora não se trata mais de especulações entre cenários de utopia e de apocalipse mas de alternativas postas concretamente diante de nós. Para saber a natureza das opções a serem feitas, trabalhos como o de Ruy Carvalho são indispensáveis.


Inclusão: 26/11/2021