A Morte Lenta de Andreas Baader

Jean Paul Sartre

7 de Dezembro de 1974


Primeira edição: publicado no jornal Liberátion.
Fonte: Carta Maior.
Tradução: Alberto Sartorelli. Textos consultados: Original em francês: http://etoilerouge.chez-alice.fr/docrevinter/allemagne1.html e Tradução para o inglês: https://www.marxists.org/reference/archive/sartre/1974/baader.htm

HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Baader tem um corpo emagrecido por sua greve de fome, é alimentado à força pelos médicos da prisão, mas é muito magro, flutua em suas roupas.

Primeiro, apertamos as mãos. Ele se sentou na minha frente, e depois, após três minutos, a primeira frase que pronunciou, um pouco como o desfecho da saudação, foi: “Eu pensei estar lidando com um amigo, e me enviaram um juiz...”.

Muito provavelmente isso aconteceu por causa da comunicação que fiz à TV alemã na véspera. Acho que ele esperava também que eu viria a defendê-lo, assim como a seus camaradas, com base nas ações que perpetraram. Ele viu que eu não estava de acordo com eles. Vim como um homem de esquerda que tem simpatia para com qualquer ala da esquerda em perigo; acho que essa é uma atitude que deveria ser generalizada.

Eu vim para que ele me desse seu ponto de vista sobre as lutas que eles conduziram, o que ele fez alhures. Não vim para dizer que estou de acordo com ele, mas simplesmente para saber quais eram suas opiniões que poderiam ser recolocadas em outro lugar se as tomássemos como verdadeiras, e mais ainda para falar de sua situação na prisão enquanto prisioneiro.

Em seguida evocamos sua vida na prisão. Eu o perguntei porque ele fazia a greve de fome. Ele me respondeu que a fazia para protestar contra as condições da vida carcerária.

Como sabemos agora, há um certo número de celas na prisão onde estive, mas existem também em outras prisões alemãs. Elas são separadas das outras celas: são pintadas de branco e a eletricidade funciona até as 11 horas da noite, e só às vezes por vinte e quatro horas. E há alguma coisa que falta: o som. Os aparelhos no interior da cela selecionam os sons, os enfraquecem e os deixam perfeitamente inaudíveis dentro da cela.  Nós sabemos que o som é indispensável a um corpo e a uma consciência humana. É preciso que haja uma atmosfera que rodeie as pessoas. O som, que nós chamamos alhures de silêncio, mas que traz até nós, por exemplo, o som de um bonde que passa, aquele do transeunte na rua, os avisos, são ligados ao comportamento humano, eles marcam a presença humana.

Essa ausência de comunicação pelo som com outrem cria distúrbios muito profundos: distúrbios circulatórios no corpo e distúrbios da mente. Os últimos destroem o pensamento, tornando-o cada vez mais difícil. Pouco a pouco, eles provocam lapsos, depois o delírio, e evidentemente a loucura.

Embora não haja mais o “torturador”, há pessoas que pressionam certas alavancas para um outro andar. Essa tortura provoca a deficiência do prisioneiro, ela o conduz à insensatez ou à morte. Baader, que é vítima dessa tortura, fala de maneira muito conveniente, mas de vez em quando ele para, como se ele não tivesse mais suas ideias, põe as mãos na cabeça e depois retoma sua fala dois minutos mais tarde.

Ele tem um corpo emagrecido por sua greve de fome, é alimentado à força pelos médicos da prisão, mas é muito magro, perdeu entre quinze e vinte quilos; ele flutua em suas roupas, que ficaram muito largas. Não há nenhuma relação entre o Baader que eu vi e um homem de plena saúde.

Esses métodos reservados apenas aos prisioneiros políticos na solitária, pelo menos aos do grupo Baader-Meinhof, são procedimentos contrários aos Direitos Humanos. No olhar dos Direitos Humanos, um prisioneiro deve ser tratado como um homem. Certo, ele está preso, mas não deve ser objeto de maus tratos, de nada que tenha por objetivo a morte ou a degradação da pessoa humana. Esse sistema é justamente contra a pessoa humana e a destrói.

Baader ainda resiste muito bem. Ele está enfraquecido, certamente doente, mas mantém a consciência. Os outros estão em coma. Nós tememos pela vida de cinco detentos, daqui algumas semanas, alguns meses, talvez alguns dias.

É urgente que se constitua um movimento para reivindicar que os prisioneiros sejam tratados de acordo com os Direitos Humanos, que eles não sofram tratamentos particulares que os impeçam de responder corretamente às questões que possam ser-lhes colocadas no dia do julgamento, ou mesmo, como já fizeram uma vez, de matá-los(1).

Já existe um comitê de defesa dos prisioneiros alemães na França, esse comitê trabalha em conjunto com a Holanda e a Inglaterra. Mas é importante criar um comitê desse tipo na Alemanha, com intelectuais, médicos, pessoas de toda sorte que reivindicam que o prisioneiro comum ou o prisioneiro político sejam tratados da mesma maneira.


Notas de rodapé:

(1) Provável referência à morte de Holger Meins, um dos líderes do grupo Baader-Meinhof, em 9 de novembro de 1974 numa prisão em Wittlich, devido a uma greve de fome e à negligência do Estado. Apesar do esforço de Sartre, Andreas Baader e muitos outros integrantes da Baader-Meinhof morreram na prisão, vítimas de maus tratos, negligência ou assassinatos travestidos de suicídio. (nota do tradutor) (retornar ao texto)

Inclusão 24/01/2017