O Coletivismo
(segundo artigo)

Adhemar Schwitzguébel

1873


Primeira Edição: l’Almanach du Peuple pour 1873

Fonte: Passa Palavra - https://passapalavra.info/2016/06/108470/ e

Tradução: Marcelo Mazzoni, revista pelo Passa Palavra, a partir da coletânea de textos de Adhemar Schwitzguébel realizada por James Guillaume, intitulada Quelques Écrits. As notas são da autoria de James Guillaume. O original em francês pode ser conferido em https://archive.org/details/quelquescrits00schwgoog

HTML: Fernando Araújo.


Em um artigo publicado no Almanaque do Povo para 1872,  nos vimos forçados a refutar algumas das acusações voltadas contra o coletivismo.

Nós queremos hoje abordar a parte relativa a pesquisa sobre quais os possíveis meios pelos quais a propriedade individual poderia ser transformada em propriedade coletiva. Duas vias são abertas ao proletariado para realização prática de suas esperanças: a legalidade e a revolução.

Analisaremos uns e outros dos seus meios.

O que poderíamos compreender por via legal

A sociedade humana, em seu trabalho de organização, produz até nossos dias, como forma e fundamento da organização social, o Estado.

Se analisarmos, pautados nos dados históricos, a origem do Estado, nós encontraremos que é a força que preside o estabelecimento do que nós compreendemos por ordem social.

A constituição primitiva das tribos, depois dos Estados, tanto na antiguidade quanto na idade média e nos tempos modernos, nos oferece sempre o mais revoltante espetáculo da autoridade e do despotismo, para o gozo de alguns poucos, para cercear a liberdade da grande maioria. As formas, mais ou menos democráticas de governo que estão a serviço dessa organização social não atenuam em nada as consequências desastrosas, para o desenvolvimento da humanidade, do princípio autoritário que tem sido, até hoje,  a base da ordem pública.

No Estado, mesmo democrático, é sempre o mestre que domina o escravo.

No instante que há duas classes presentes – uma a qual é permitido, graças ao trabalho da massa, todas as regalias possíveis, a outra submetida à miséria, ao despotismo e à exploração, sem poder satisfazer as exigências legítimas de existência humana,  – seria natural que a classe dominante, que tem em mãos toda direção dos afazeres públicos e de toda organização de Estado – seu trabalho – garanta todas suas  relações de privilégios sociais, se servindo do poder que ela tem para assegurar completamente sua dominação.

Todo esse trabalho de organização dos poderes de garantia dos privilégios e a dominação recebe sua consagração na Lei, que, em todo Estado, é tornando algo sacrossanto ao qual a pessoa não pode tocar sem cometer um crime contra a sociedade.

A burguesia, que, em comum com o povo, ao longo de vários séculos sofreu todas as provações vindas da nobreza dirigente, até que, a partir de 1789, teve na história humana, um papel preponderante, e, se tornou doravante a suprema regularadora do interesse dos povos.

Ela formula seu dogma política nessa grande mensagem social: igualdade perante a Lei, mas ela se esquiva de tocar nas bases fundamentais da economia pública. Ela aparece com a democracia; mas, na realidade, pra manter e consagrar – avançando em seus próprios interesses – o princípio da propriedade individual, não fez mais que tomar o lugar da nobreza, se maquiando com tons de liberdade.

As consequências históricas do trabalho da burguesia não foram manifestadas mais claramente que nos últimos tempos, onde o antagonismo entre o capital e o trabalho é a principal característica de uma guerra social permanente até o dia da solução.

A direção de todos os estados civilizados está nas mãos da burguesia; todas suas instituições jurídicas são suas e a consagração pura e simples de seus privilégios econômicos; os serviços públicos são, sobretudo, absolutamente organizados visando seus interesses próprios. Tal é a posição legal da burguesia, o que poderia significar, para o proletariado, ocupar a legalidade? Será introduzido pouco a pouco nos Estados e substituiria como classe, a burguesia, e se colocaria no seu lugar.

Examinaremos essa tática do ponto de vista da prática e do fim a esperar.

A primeira condição prática dessa tática seria a constituição do proletariado em um partido político distinto de todos os partidos da burguesia; todo compromisso com um ou outro desses partidos, seria um novo engano, a menos que esse partido, convertido definitivamente ao socialismo, faça todas as concessões desejáveis ao proletariado. Ou, em todos os Estados, nós constatamos que nenhum partido burguês aprecia realmente o trabalho de libertação das classes trabalhadoras, e que, lá onde esses partidos ditos avançados dignos de se ocupar com a questão social, é para se fazer crescente de sua ambição política.

São as sociedades e as federações de trabalho que serão à base da organização do novo partido político dos trabalhadores, pois bem a ação destas sociedades restará a ela independente da ação política dos trabalhadores? Sem dúvida que as circunstâncias somente determinarão positivamente na medida que a organização e a ação políticas do proletariado sejam combinadas com sua organização e sua ação econômica; mas, como a organização federativa dos ofícios se mostrará cada dia como o modo mais positivo de organização, até que essa organização dos mesmos interesses, permite-se supor que seria lá assim, na hipótese em nos ocupamos, o fundamento da ação política.

É a lógica dos fatos que comanda. Nós supomos, portanto que a reforma da legislação em benefício dos trabalhadores seria posta no seu início. As federações, no lugar da transformar os fatos econômicos eles mesmos, não irão em conseqüência demandar a Lei de todas as garantias possíveis contra a exploração dos patrões, e finalmente a supressão do patronato.

Nós deixaremos de lado toda a dificuldade de se opor na ordem das coisas atual à organização e a ação das classes trabalhadoras, em relação ao seu partido polític0 de modo distinto dos outros partidos,  dificuldades que teriam, por fundamento, a servidão econômica do trabalho ao capital e todas as conseqüências morais que decorrem, e que não desaparecerão ao não ser que pela supressão de sua causa.

Nós admitimos então, para simplificar nosso raciocínio, que a ação política e legal do proletariado no Estado seria possível, e nós vamos examinar suas conseqüências.

Toda tentativa reformista supõe, de uma parte, a realização de reformas transitórias, e, de outra parte, a reforma completa, radical.

Pelas reformas transitórias, nós entendemos: aumento dos salários, baixa dos preços dos objetos de consumo, redução das horas de trabalho, garantias contra a exploração das mulheres e crianças, reforma do imposto, melhoramento das instituições públicas, simplificação de toda legislação jurídica, limitação ou supressão das despensas improdutivas sejam cultos, militares, etc., redução da magistratura e melhoramento dos serviços públicos úteis. Nós não podemos analisar nesse curto trabalho o valor real de cada uma dessas reformas, nós demarcaremos aquelas que tocam diretamente à existência do trabalhador assalariado.

Uma lei que teria por finalidade fixar a duração legal da jornada de trabalho não teria nenhum valor positivo, se o número de horas de trabalho, determinada pela lei, não entrasse em prática. Faz-se, para que a lei não seja ilusória, que o estado da indústria, os desejos do consumo, a vontade dos trabalhadores e o consentimento voluntário ou forçado dos patrões determinariam o número de horas de trabalho. Se tendo outro, o Estado, por obrigar os trabalhadores mais que um tanto de horas e os chefes da indústria a não trabalhar, além disso, deveria criar toda uma nova ordem de funcionários optando por fazer executar a lei, e meter a sua disposição a força armada, isso seria uma batalha social continua uma tirania aterrorizante, a ruína das condições normais de trabalho. Se, (pelo) contrário, a redução das horas de trabalho é realizada pela ação da sociedade, ou – ela já estando nos fatos econômicos, à lei não teria nenhum valor prático como agente de reforma, pois não faria mais que sancionar o que já existe.

O simples exemplo basta para nos colocar a par da realidade: não são as disposições legislativas que fazem transformar, mas os fatos por eles mesmos.

Para melhorar a posição dos trabalhadores, não basta decretarem a elevação dos salários, redução das horas de trabalho, etc., mas traduzir os fatos e os anseios de melhoramento, pelo triunfo, no domínio econômico, do trabalho sobre o capital.

Toda outra tática, de usar a via legal para trabalhar a questão social, muito barulho faz sem nada resolver.

Abordaremos agora a parte mais grave da questão: a ação política do proletariado no Estado em vias de uma reforma radical.

Para que o trabalhador seja definitivamente livre de toda exploração de toda dominação, fazer com que o instrumento do trabalho, o capital, cesse de ser a propriedade de alguns, para ser posta a disposição das associações dos produtores.

Toda servidão econômica dos trabalhadores, o pauperismo, a miséria, que são resultado, são resultantes desse fato: é que uns, a minoria, detém para seu próprio benefício o instrumento do trabalho, o capital. Que os outros, a maioria, são obrigados a vender seu trabalho pelo preço que lhes vieram a oferecer.

Caso queira-se operar uma transformação radical pelo Estado, fazendo então com que ele venha a ser proprietário dos instrumentos do trabalho, e que lhe conceda em seguida, aos trabalhadores, pelas garantias/condições que ele julgará útil estabelecer. Se for mantendo a propriedade monopolizada, não mais entre as mãos da classe burguesa, mas em benefício de uma ficção, de uma abstração, de um ser imaginário, o Estado: somente essa ficção se manifestará aos olhos do povo por representantes bem reais, bem vivos, os homens do Estado, os funcionários do Estado que disporão, para seu grado, do capital social. As associações dos trabalhadores, não possuirão diretamente esse capital, serão obrigadas a solicitar a concessão ao Estado pelo intermédio dos ditos funcionários, de modo que eles serão os que irão distribuir a fortuna pública. Nós compreendemos que esses funcionários serão eleitos pelo povo e que por conseqüência não poderão fazer mais que a vontade do povo: mas hoje, em nossas repúblicas suíças, os governantes já são nomeados pelo povo, mas não fazem a vontade do povo, e, portanto, cada um faz mais que sua própria vontade.

Voilá! Eis o que nos promete o comunismo autoritário, eis ao que conduz a ação do proletariado no Estado.

Nós reprovamos confundir a forma do Estado socialista com essa do Estado atual. Mas pautados no programa dos socialistas autoritários(1) de diversos países: sobre a construção do Estado centralizado, o desenvolvimento do sufrágio universal centralizado, o Banco nacional de créditos para as associações trabalhadoras, a expropriação, por vias legais e em benefício do Estado, das siderúrgicas de ferro, dos canais, das minas, das florestas e finalmente do solo e das manufaturas. A agricultura, os diferentes ramos, da indústria, do comércio, enfim, de toda atividade humana, tornando ministérios do Estado, e, nessa máquina administrativa militar organizada, nessa armas industriais, adeus a liberdades dos grupos de trabalhadores.

Nós havíamos dito, no começo: ou a legalidade, ou a Revolução.

Após ter condenado a prática legal, nos resta afirmar a prática revolucionária.

Porque os trabalhadores constituem-se em sociedades e federações de ofício?

Para solidarizar seus interesses contra aqueles de seus dominadores e exploradores. Ocupando, em geral, pouco esforço na legislação; eles determinam livremente na prática, operando assim insensivelmente uma revolução nos fatos econômicos. É a época transitória.

Que, por conseguinte, o antagonismo social, que se acentuam infalivelmente todos os dias, entre a burguesia e o proletariado, a situação vinha tal que uma solução radical se impõe, a Revolução social está assegurada.

As Federações dos trabalhadores procederão à expropriação dos detentores do capital, em vias da liquidação.

Qual será, nesses detalhes, a organização que substituirá o sistema burguês e que tentará reproduzir, através dos grupos dos produtores industriais e agrícolas, livremente? A essa questão, se nós queremos fazer a ciência social e não da fantasia socialista, nós deveremos responder que só a experiência poderá resolver certas questões práticas, e que querendo responder as questões em absoluto nós cairemos na utopia.

Importa, para o momento, que nós queremos livrar-nos das dificuldades que permeiam a via de nossa emancipação e de todos os sistemas que poderão nos fazer regredir: nós marcharemos mais seguramente ao sucesso definitivo.


Notas de rodapé:

(1) “Socialista autoritário” é posto como sinônimo de “socialismo estatista”. (retornar ao texto)

capa
Inclusão: 24/04/2021