Dois Choques
(A propósito do 9 de janeiro)

J. V. Stálin

7 de Janeiro de 1906


Primeira Edição: De um folheto editado pelo Comitê da União Caucásica do P.O.S.D.R. 7 de janeiro de 1906.
Fonte: J.V. Stálin – Obras – 1º vol., pg. 185 a 192. Editorial Vitória, 1954 – traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
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Fernando A. S. Araújo.
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capa

Certamente vos lembrais do 9 de janeiro do ano passado... Foi o dia em que o proletariado de Petersburgo se encontrou face a face com o governo do tzar e, a contragosto, chocou-se com ele. Sim, a contragosto, porque os trabalhadores se dirigiam pacificamente ao tzar, pedindo "pão e justiça" e foram recebidos hostilmente e alvejados por uma saraivada de balas. O proletariado depositara suas esperanças nos retratos do tzar e nos estandartes religiosos, mas uns e outros foram despedaçados e atirados ao rosto dos manifestantes: e assim ficou demonstrado de modo claro que às armas só se podem contrapor armas. E o proletariado empunhou armas — onde quer que as encontrasse — empunhou-as para enfrentar o inimigo como inimigo e vingar-se. Mas depois de deixar sobre o campo de batalha milhares de vítimas, depois de sofrer grandes perdas, retirou-se, guardando no coração o rancor...

Eis o que nos recorda o 9 de janeiro do ano passado.

Hoje, quando o proletariado da Rússia evoca o 9 de janeiro, na data do seu aniversário não será supérfluo perguntar-se: por que no ano passado o proletariado de Petersburgo bateu em retirada naquele choque e em que se diferencia aquele choque do conflito geral de dezembro?

Antes de tudo, bateu em retirada porque não tinha nem mesmo aquele mínimo de consciência revolucionária que é absolutamente necessário para a vitória da insurreição. O proletariado que se dirigia entre súplicas e esperanças ao tzar sanguinário, o qual baseava toda sua existência na opressão do povo; o proletariado, que procurava cheio de confiança seu inimigo jurado para pedir-lhe uma "migalha de graça" poderia, porventura, esse proletariado ter superioridade numa luta de rua?...

É verdade que em seguida, depois de pouco tempo, as salvas de fuzil haviam aberto os olhos do proletariado enganado, revelando-lhe com toda a clareza a face repugnante da autocracia; é verdade que já então o proletariado gritava, com ódio: "O tzar nos tratou assim; pois bem, nós lhe pagaremos na mesma moeda"; mas, o que significa isto, se não temos as armas nas mãos? Que se pode fazer com as mãos limpas na luta de rua, ainda que se seja consciente? Acaso as balas do inimigo não atingem indiferentemente cabeças conscientes ou inconscientes?

Sim, a falta de armas constituiu a segunda causa do recuo do proletariado de Petersburgo.

Mas, o que poderia fazer Petersburgo sozinha, mesmo que tivesse armas? Enquanto em Petersburgo corria o sangue e se erguiam barricadas, nas outras cidades ninguém movia um dedo e eis por que o governo conseguiu transferir tropas das outras cidades e inundar as ruas de sangue. E tão somente depois, quando o proletariado de Petersburgo, depositadas na terra as cinzas dos companheiros mortos, voltava às suas ocupações diárias, só então, ressoou em diversas cidades o grito dos operários em greve: Vivam os heróis de Petersburgo! Mas a quem e a que poderia servir essa tardia saudação? Eis por que o governo não levou a sério essas ações desorganizadas e esparsas e sem grande trabalho dispersou o proletariado dividido em grupos isolados.

Portanto, a falta de uma insurreição geral organizada, a não organização das ações do proletariado, constituíram a terceira causa do recuo do proletariado de Petersburgo.

A quem competia organizar a insurreição geral? O povo em seu conjunto não podia encarregar-se da tarefa e o próprio destacamento avançado do proletariado — o Partido do proletariado — não estava organizado, pois que o dilaceravam divergências partidárias: a guerra interna, a cisão do Partido, dia a dia o debilitavam. Não admira que um Partido jovem, dividido em dois, não pudesse encarregar-se de organizar a insurreição geral.

Portanto, a falta de um partido unido e coeso, eis qual foi a quarta causa do recuo do proletariado.

E finalmente, se os camponeses e o exército não se uniram à insurreição e não lhe levaram novas forças, também isto aconteceu porque não podiam sentir uma força particular numa insurreição débil e de breve duração; e, como se sabe, ninguém se une aos fracos.

Eis por que o heróico proletariado de Petersburgo bateu em retirada em janeiro do ano passado.

Passou-se o tempo. O proletariado estimulado pelo fermento da crise e da falta de direitos, preparou-se para um novo choque. Engavanam-se aqueles que julgavam que as vítimas do 9 de janeiro haviam extinguido no proletariado toda vontade de luta. Ao contrário, mais febrilmente e com abnegação ainda maior, o proletariado se preparou para o choque "final", lutou ainda mais heróica e obstinadamente contra o exército e os cossacos. A insurreição dos marinheiros no Mar Negro e no Báltico, a insurreição dos operários em Odessa, em Lodz e noutras cidades, os conflitos que se sucediam, sem tréguas, entre camponeses e a polícia, demonstraram claramente que inextinguível chama revolucionária arde no coração do povo.

A consciência revolucionária que lhe faltava a 9 de janeiro, o proletariado a conquistou nos últimos tempos, com surpreendente rapidez. Diz-se que dez anos de propaganda não poderiam render, para o desenvolvimento da consciência do proletariado, tanto quanto renderam os dias da insurreição. E deve ser exatamente assim, pois o desenvolvimento dos conflitos de classes é a grande escola na qual, não dia a dia, mas hora a hora, amadurece a consciência revolucionária do povo.

A insurreição armada geral, propagada nos primeiros tempos apenas por um pequeno grupo de proletários, a insurreição armada, sobre a qual até mesmo alguns companheiros tinham dúvidas, gradativamente ganhou a simpatia do proletariado, que febrilmente organizou os destacamentos vermelhos, conseguiu armas, etc. A greve geral de outubro demonstrou claramente a possibilidade de um ataque simultâneo do proletariado. Graças a isso ficou demonstrada a possibilidade de uma insurreição organizada e o proletariado enveredou decididamente por esse caminho.

Era necessário somente um partido sólido, um partido social-democrático unido e indivisível, que dirigisse a organização da insurreição geral, que unificasse a preparação revolucionária, conduzida separadamente nas diversas cidades e tomasse a iniciativa do ataque. Tanto mais que a própria vida preparava um novo ascenso: a crise na cidade, a fome no campo e outros fatores semelhantes tornavam cada vez mais inevitável uma nova eclosão revolucionária. Infelizmente esse partido apenas se estava formando: enfraquecido pela cisão, o Partido se tinha refeito e iniciava a obra de unificação.

Justamente nesse instante o proletariado da Rússia foi surpreendido por uma segunda batalha, a gloriosa batalha de dezembro.

Falaremos agora deste embate.

Se, a propósito da luta de janeiro, dissemos que lhe faltava a consciência revolucionária, sobre a batalha de dezembro devemos dizer que então essa consciência efetivamente existia. Onze meses de tempestade revolucionária abriram suficientemente os olhos do proletariado da Rússia em luta e as palavras de ordem de "Abaixo a autocracia!" e "Viva a república democrática!" tornaram-se palavras de ordem do momento, palavras de ordem das massas. Agora, não mais se vêem estandartes religiosos, íconos e retratos do tzar; em seu lugar desfraldam-se bandeiras vermelhas e aparecem retratos de Marx e Engels. Agora, não mais se ouvem os salmos e o Deus salve o tzar; em seu lugar ressoavam os acentos, da Marselhesa e da Varchavianka, que atordoavam os opressores.

Por conseguinte, quanto à consciência revolucionária, a batalha de dezembro distingue-se radicalmente da de janeiro.

Na luta de janeiro faltava armamento, o povo ia então combater desarmado. A batalha de dezembro assinala um passo adiante. Todos os combatentes lançavam-se então sobre as armas, com pistolas, fuzis e granadas e em alguns lugares até com metralhadoras. Conseguir armas de armas em punho: eis qual era a palavra de ordem do momento. Todos procuravam armas, todos sentiam a necessidade de armar-se. Só era de lamentar que as próprias armas fossem muito escassas e que apenas um número insignificante de proletários pudesse agir armado.

A insurreição de janeiro era em tudo desordenada e fracionada; cada um agia por conta própria. A insurreição de dezembro, também deste ponto de vista, assinalou um passo adiante. Os Soviets dos deputados e operários de Petersburgo e de Moscou e os centros da "maioria" e da "minoria", tanto quanto possível, "tomaram medidas" para que a ação revolucionária fosse simultânea, convocaram o proletariado da Rússia para uma ofensiva simultânea. Durante a insurreição de janeiro nada houve de semelhante. Contudo, como não tinha sido precedido de um trabalho partidário longo e tenaz, visando a preparar a revolução, esse apelo não passou de um apelo e a ação foi dispersa e desorganizada. Na realidade, houve apenas o desejo de fazer uma insurreição simultânea e organizada.

A insurreição de janeiro foi "dirigida" sobretudo pelos Gapon. A insurreição de dezembro teve, sob este aspecto, uma superioridade, pois à sua frente se encontravam os social-democratas. Era pena, entretanto, que estes se apresentassem fracionados, em grupos diversos, não constituíssem um partido único e coeso e não pudessem por isso agir em conjunto. Ainda uma vez a insurreição encontrou o Partido Operário Social-Democrata da Rússia despreparado e dividido...

O choque de janeiro não seguia nenhum plano, não obedecia a nenhuma, política precisa, não levantava o problema: ofensiva ou defensiva? O choque de dezembro só teve a vantagem de haver colocado de modo claro essa questão, mas isso somente no desenrolar da luta e não desde o seu início. No que se refere à solução deste problema a insurreição de dezembro manifestou a mesma deficiência da de janeiro. Se os revolucionários de Moscou adotassem desde o início uma política de ofensiva, se, suponhamos, houvessem desde o princípio atacado a estação de Nikolaiev e a tivessem ocupado, então, compreende-se, a insurreição teria durado mais e teria, tomado orientação mais desejável. Ou então se, por exemplo, os revolucionários letões houvessem conduzido com decisão uma política ofensiva e não tivessem começado a hesitar, teriam certamente ocupado antes de mais nada as baterias de canhões, privando assim de qualquer defesa as autoridades, que nos primeiros momentos haviam permitido aos revolucionários ocupar as cidades, porém que, em seguida, passando novamente ao ataque com o apoio da artilharia, tinham conquistado as localidades ocupadas[N62]. O mesmo deve ser dito com relação às outras cidades. Não é por acaso que Marx dizia: na insurreição vence a audácia e somente quem se atém a uma política ofensiva pode ser audaz até o fim.

Eis a que se deveu a retirada do proletariado em meados de dezembro.

Se os camponeses e o exército, com sua massa esmagadora, não aderiram à batalha de dezembro, se esta última suscitou até descontentamento em alguns meios "democráticos", isso aconteceu porque lhe faltaram aquela força e aquela persistência que são tão necessárias à ampliação da revolução e à sua vitória.

De tudo quanto se disse, ressalta claramente o que elevemos fazer hoje, nós, os social-democratas da Rússia.

Em primeiro lugar, constitui nossa tarefa concluir a obra que já iniciamos: a criação de um partido unido e indivisível. As conferências da "maioria" e da "minoria' já elaboraram as bases orgânicas da unificação. Aceitaram elas o conceito leninista de membro do Partido e do centralismo democrático. Os órgãos centrais responsáveis pelos trabalhos ideológicos e de organização já se fundiram e a fusão dos organismos locais já está quase completada. É necessário somente o congresso de unificação, que sancionará formalmente a unificação de fato e dar-nos-á assim o Partido Operário Sociaí-Democrata da Rússia, unido e indivisível. Constitui nossa tarefa contribuir para essa obra que está em nosso coração e preparar cuidadosamente o congresso de unificação que, como é sabido, deve instalar-se o quanto antes.

Em segundo lugar, é nossa tarefa ajudar o Partido a organizar a insurreição armada, a tomar parte ativa nessa obra sacrossanta, a trabalhar incansavelmente por ela. É nossa tarefa multiplicar os destacamentos vermelhos, instruí-los e ligá-los intimamente uns aos outros, é nossa tarefa conseguir armas com armas, estudar a localização dos organismos centrais, calcular as forças do inimigo, estudar os seus lados débeis e os fortes, elaborar de acordo com isso o plano da insurreição. É nossa tarefa realizar uma agitação sistemática no sentido da insurreição no exército e no campo, particularmente nas aldeias situadas nas imediações das cidades, armar os elementos seguros dessas aldeias, etc, etc....

Em terceiro lugar, constitui nossa tarefa deixar de lado toda hesitação, condenar toda incerteza e conduzir com decisão uma política de ofensiva...

Em uma palavra um Partido sólido, a insurreição organizada pelo Partido e uma política de ofensiva, eis o que nos é necessário hoje para a vitória da insurreição.

E essa tarefa torna-se tanto mais necessária e urgente, quanto mais se agrava e cresce a penúria no campo e a crise industrial nas cidades.

Em certos elementos, ao que parece, insinuou-se uma dúvida sobre essa verdade elementar e estes dizem desesperadamente: Que pode fazer o Partido, embora unido, se não conseguir reunir em torno de si o proletariado? E o proletariado está desbaratado, perdeu a esperança e lhe veio a faltar a iniciativa; a salvação, doravante, devemos esperá-la do campo, e do campo deve partir a iniciativa, etc. Não se pode deixar de observar que os companheiros que raciocinam dessa maneira, enganam-se profundamente. O proletariado não está de maneira alguma desbaratado, pois isso significaria a sua morte; pelo contrário, ele está vivo como dantes e reforça-se cada dia mais. Retirou-se só para reunir as forças e tomar impulso para a última batalha contra o governo tzarista.

A 15 de dezembro, o Soviet dos deputados operários de Moscou — daquela mesma Moscou que de fato havia dirigido a insurreição de dezembro — declarou publicamente: suspendemos provisoriamente a luta com o fim de preparar-nos seriamente e desfraldar de novo a bandeira da insurreição. O Soviet exprimia a convicção intima de todo o proletariado da Rússia.

E se contudo alguns companheiros negam os fatos, se eles não mais nutrem esperanças no proletariado e se agarram agora à burguesia rural, perguntamo-nos se estamos tratando com social-revolucionários[N63] ou com social-democratas, uma vez que nem um social-democrata sequer duvida da verdade de que o dirigente de fato (e não só ideológico) do campo é o proletariado urbano.

Haviam-nos assegurado a seu tempo que a autocracia fora derrotada após o 17 de outubro; porém não acreditamos nisso, uma vez que a derrota da autocracia significa sua morte, e ela não só está morta, como reuniu novas forças para um novo ataque. Dissemos que a autocracia havia simplesmente efetuado uma retirada. Verificou-se que tínhamos razão...

Não, companheiros! O proletariado da Rússia não foi derrotado, tão somente retirou-se e prepara-se agora para novas batalhas gloriosas. O proletariado da Rússia não arriará a bandeira tinta de sangue, não cederá a ninguém a direção da insurreição, será o único chefe digno da revolução russa.


Notas de fim de tomo:

[N62] Em dezembro de 1905 as cidades letas de Tukums, Telsiai, Rowne, Fredrikstad e outras foram ocupadas por destacamentos armados de operários, jornaleiros e camponeses insurretos. Houve um início de guerrilhas contra as tropas tzaristas. Em janeiro de 1906 as insurreições foram esmagadas na Letônia pelas expedições punitivas dos generais tzaristas Orlov, Sologub e outros.  (retornar ao texto)

[N63] O Partido dos Social-Revolucionários (S.R.) russos; partido pequeno-burguês que procurava prosélitos entre os camponeses. (retornar ao texto)

pcr
Inclusão 21/12/2010