A Luta Eleitoral em Petersburgo e os Mencheviques

J. V. Stálin

18 de Fevereiro de 1907


Primeira Edição: “Tchveni Tskhovreba” (“Nossa Vida”), U5), n.° 1.(6)
Fonte: J.V. Stálin – Obras – 2º vol., pág: 22-27, Editorial Vitória, 1952 – traduzida da 2ª edição italiana G. V. Stalin - "Opere Complete", vol. 2 - Edizioni Rinascita, Roma, 1951.
Tradução: Editorial Vitória
Transcrição: Partido Comunista Revolucionário
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Fernando A. S. Araújo
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Em nenhum lugar a luta eleitoral foi tão áspera como em Petersburgo. Em nenhum lugar verificaram-se tais choques entre os partidos como em Petersburgo. Os social-democratas, os populistas, os cadetes, as centúrias negras, os bolcheviques e os mencheviques no seio da social-democracia; os trudovikí, os social-revolucionários e os social-populistas(1) entre os populistas; os cadetes de esquerda e de direita no seio do partido dos cadetes: todos travaram uma luta furiosa...

Em nenhum lugar porém a fisionomia dos partidos se revelou tão nitidamente como em Petersburgo. E assim devia ser. A luta eleitoral é uma obra viva, e os partidos só podem ser conhecidos quando operam. É claro que, quanto mais asperamente se travava a luta, tanto mais nitidamente devia revelar-se a fisionomia dos seus protagonistas.

A esses respeito é muito interessante o modo pelo qual os bolcheviques e os mencheviques travaram a luta eleitoral.

Lembrar-vos-eis provavelmente do que diziam os mencheviques. Já antes das eleições, eles haviam declarado que a Assembleia Constituinte e a república democrática eram um peso inútil; que antes de mais nada eram necessários a Duma e um ministério cadete e por conseguinte era preciso concluir um acordo eleitoral com os cadetes. Em caso contrário, segundo eles, teriam vencido as centúrias negras(2). Eis o que escrevia na véspera das eleições um dos chefes mencheviques, Tcherevánin:

“Seria absurdo e insensato para o proletariado tentar, como alguém propõe, travar, juntamente com os camponeses, a luta seja contra o governo seja contra a burguesia, por uma Assembleia Constituinte soberana e popular” (vide Nache Diélo, n.° 1).

Um outro dos chefes mencheviques, Plekhánov, estava de acordo com Tcherevánim; ele também repelia a , Assembleia Constituinte, propondo em seu lugar uma “Duma soberana”, que deveria tornar-se a “plataforma comum” para os cadetes e os social-democratas (vide Továrichtch, 24 de novembro de 1906).

E o conhecido menchevique Vassuiev dizia com a maior franqueza que a luta de classes “neste momento é perniciosa e criminosa...”, que as diversas classes e os diversos grupos devem “abandonar temporariamente os “melhores programas” e fundir-se num único partido constitucional” (vide Továrichtch, 17 de dezembro de 1906).

Assim falavam os mencheviques.

Os bolcheviques condenaram desde o início semelhante posição dos mencheviques. Diziam eles que não é próprio de socialistas chegar a um acordo com os cadetes: os socialistas devem agir de modo independente na luta eleitoral. Nas eleições de primeiro grau os acordos são admissíveis somente como exceção, e além do mais com os partidos que estabeleçam como palavra de ordem do momento a Constituinte popular, o confisco de todas as terras, a jornada de trabalho de oito horas, etc. Mas os cadetes repelem tudo isso. O “perigo das centúrias negras” é uma invenção dos liberais para amedrontar alguns ingênuos. As centúrias negras não podem “preencher” a Duma. Quando falam do “perigo das centúrias negras”, os mencheviques não fazem senão repetir as palavras dos liberais. O “perigo cadete”, ao invés, existe, e é um perigo real. Constitui nosso dever agrupar em torno de nós todos os elementos revolucionários e conduzir a luta contra os cadetes, os quais concluem uma aliança com a reação contra a revolução. Devemos travar ao mesmo tempo uma luta dupla: contra a reação e contra a burguesia liberal e os seus sustentáculos.

Assim falavam os bolcheviques.

E eis que se aproxima o dia da instalação da conferência social-democrática de Petersburgo(3). Nessa conferência, deveriam ser apresentadas ao proletariado duas táticas: a do acordo com os cadetes e a da luta contra os cadetes. Ademais, nessa conferência o proletariado deveria emitir uma opinião sobre tudo o que haviam dito até então os bolcheviques e os mencheviques. Mas os mencheviques farejaram que uma derrota os aguardava, sentiram que a conferência condenaria a sua tática, e decidiram retirar-se da conferência, romper com a social-democracia. De comum acordo com os cadetes, iniciaram a cisão. Mediante uma transação com os cadetes, queriam fazer eleger para a Duma os “seus homens”.

Os bolcheviques condenaram decididamente esses gesto próprio de homens sem caráter. Com cifras na mão, demonstraram a inexistência do “perigo das centúrias negras”. Criticaram de modo inexorável os social-revolucionários e os trudovikí, convidando-os abertamente a agruparem-se em torno do proletariado contra a contrarrevolução e os cadetes.

E enquanto os bolcheviques reuniam os elementos revolucionários em torno do proletariado, enquanto punham em ação de maneira infalível a tática intransigente do proletariado, justamente naquele momento os mencheviques, agindo pelas costas dos operários, efetuavam negociações com os cadetes.

Mas os cadetes pendiam gradativamente para a direita. Stolípin convidava Muiúkov, um dos chefes cadetes, “para negociar”. Os cadetes encarregavam unânimes Miliúkov de efetuar negociações com a reação em “nome do partido”. É claro que eles queriam um acordo com a reação contra a revolução. Ao mesmo tempo, outro dos chefes cadetes, Struve, declarava abertamente que “os cadetes querem um acordo com o monarca visando obter a constituição” (vide Riétch(4), 18 de janeiro de 1907). Era evidente que os cadetes aprestavam-se para fazer uma aliança com a reação.

Apesar disso, os mencheviques efetuavam negociações com os cadetes, procuravam uma aliança com eles. Coitados! Não chegavam a compreender que, entrando em acordo com os cadetes, punham-se a caminho do acordo com a reação!

Nesse ínterim, começam os comícios eleitorais permitidos pelas autoridades. Nesses comícios, revela-se nitidamente que o “perigo das centúrias negras” é uma fantasia, que a luta fundamental se trava entre cadetes e social-democratas e que aquele que propugna por um acordo com os cadetes trai a social-democracia. Nos comícios os mencheviques não aparecem mais: duas ou três vezes tentaram tomar a defesa dos cadetes, mas caíram no ridículo publicamente e esconderam-se. Os lacaios dos cadetes, os mencheviques, já perderam o crédito. Na arena das discussões permanecem os bolcheviques e os cadetes. A luta entre eles enche por si só os comícios. Os social-revolucionários e os trudovikí recusam-se a negociar com os cadetes. Os social-populistas vacilam. Os bolcheviques põem-se à frente da luta eleitoral.

Onde estavam nesse ínterim os mencheviques?

Discutiam com os cadetes por causa de três assentos no parlamento. É inaudito, mas é um fato; nosso dever é dizer abertamente a verdade.

Os bolcheviques declaram: abaixo a hegemonia dos cadetes!

Os mencheviques, ao invés, repelem essa palavra de ordem e assim se submetem à hegemonia dos cadetes e seguem a reboque destes.

Entrementes, ferem-se as eleições na cúria operária(5). Resulta que nos distritos mencheviques os operários por quase toda a parte votaram como delegados dos social-revolucionários. “Não podemos votar naqueles que entram em acordo com os cadetes; os social-revolucionários são contudo melhores”: assim, ao que parece, diziam os operários. Os operários chamam de liberais os social- democratas e preferem marchar com a burguesia democrática, com os social-revolucionários! Eis a que levou o oportunismo dos mencheviques!

Os bolcheviques continuam a aplicar a sua tática intransigente e convidam todos os elementos revolucionários a cerrar fileiras em torno do proletariado. Os social-revolucionários e os trudovikí associam-se abertamente à palavra de ordem bolchevique: abaixo a hegemonia dos cadetes! Os social-populistas rompem com os cadetes. Torna-se para todos evidente que o acordo entre os social- democratas e os social-revolucionários e os trudovikí não dividirá em nenhum caso os votos em tal medida que dê a vitória às centúrias negras. Vencerão os cadetes ou a extrema esquerda; o “perigo das centúrias negras” é uma fantasia.

Nesse ínterim, os cadetes rompem as negociações com os mencheviques. Provavelmente o negócio andou mal. Os bolcheviques, por seu lado, concluíram um acordo com os social-revolucionários, os trudovikí e os social- populistas, isolaram os cadetes e conduziram uma ofensiva geral contra a reação e os cadetes. Em Petersburgo foram apresentadas três chapas: das centúrias negras, dos cadetes e da extrema esquerda. Assim se confirmaram, a despeito dos mencheviques, as palavras dos bolcheviques a propósito das três chapas.

Repelidos pelo proletariado, deixados como um punhado de moscas pelos cadetes, ridicularizados pelos social-revolucionários e pelos trudovikí, cobertos de vergonha pela história, os mencheviques depõem as armas e votam na chapa da extrema esquerda, contra os cadetes. A comissão menchevique do quarteirão de Viborg declara abertamente que os mencheviques votarão na extrema esquerda, contra os cadetes.

E isso significa que os mencheviques desmentiram a existência do “perigo das centúrias negras”, repeliram o acordo com os cadetes e apoiaram a palavra de ordem bolchevique: abaixo a hegemonia dos cadetes!

Isso significa também que os mencheviques renunciaram à sua tática e aceitaram abertamente a tática dos bolcheviques.

Isso significa, enfim, que os mencheviques cessaram de seguir a reboque dos cadetes e agora seguem a reboque dos bolcheviques.

Enfim as eleições realizaram-se e resultou que em Petersburgo nem sequer um elemento das centúrias negras foi eleito.

Assim acabou justificada a tática bolchevique em Petersburgo.

Assim foram derrotados os mencheviques.

18 de fevereiro de 1907.
Artigo não assinado.


Notas de rodapé:

(1) Trudovikí ou “Grupo do trabalho”: grupo de democratas pequeno-burgueses, constituído em abril de 1906 pelos deputados camponeses da primeira Duma de Estado. Os trudovikí reivindicavam a abolição de todas as limitações nacionais e profissionais, a democratização das administrações autônomas locais, urbanas e rurais, o sufrágio universal para as eleições à Duma de Estado e antes de mais nada a solução da questão agrária.
Social-revolucionários: partido pequeno-burguês que procurava seus sequazes entre os camponeses.
Social-populistas: membros de uma organização pequeno-burguesa que se constituiu em 1906 com elementos que se separaram da ala direita do partido social-revolucionário. As reivindicações políticas dos social-populistas não saíam dos limites da monarquia constitucional. Lênin chamava-os de “social-cadetes” ou “mencheviques social-revolucionários”. (retornar ao texto)

(2) Centúrias negras: este nome era dado aos membros das organizações terroristas antioperárias criadas pelo tzarismo em 1905, tais como a Liga do povo russo, a Liga do Arcanjo Miguel e outras semelhantes. (retornar ao texto)

(3) A conferência teve lugar a 6 de janeiro de 1907. Estavam presentes 40 bolcheviques e 31 mencheviques. O C.C. do P.O.S.D.R., composto na maioria de mencheviques, na esperança de obter um número maior de votos, propôs aos delegados dividirem-se em duas conferências, uma de cidade e uma de governo. Os delegados opuseram-se a um ato contrário aos estatutos do Partido. Em sinal de protesto, os mencheviques abandonaram a sala; os delegados que permaneceram, decidiram continuar os trabalhos. Ouvido o informe de Lênin, a conferência pronunciou-se contra a conclusão de acordos eleitorais com os cadetes, julgados esses acordos não só inadmissíveis do ponto de vista dos princípios, como também politicamente prejudiciais. A conferência decidiu “colocar imediatamente na ordem do dia a questão, muito importante para Petersburgo, dos acordos com a democracia revolucionária”. Os representantes mencheviques do C.C. declararam que as decisões da conferência não eram obrigatórias para o organismo social-democrático de Petersburgo, e os mencheviques que haviam abandonado a conferência propuseram, pela imprensa, concluir um bloco com os cadetes. (retornar ao texto)

(4) Riétch (O discurso), jornal diário, órgão central do partido cadete. Publicou-se em Petersburgo de fevereiro de 1906 a 26 de outubro de 1917. (retornar ao texto)

(5) Segundo a lei eleitoral de 11 de dezembro de 1905, os governos não eram divididos em circunscrições ou colégios, mas em cúrias (grupos eleitorais): a cúria dos latifundiários, a cúria da cidade (composta preponderantemente de burgueses), a cúria camponesa e a cúria operária. As eleições não eram diretas: eram de segundo grau para as duas primeiras cúrias e de quarto grau para a cúria camponesa; de terceiro grau para a cúria operária. A cúria operária compreendia os operários que trabalhavam em empresas com pelo menos 50 a 100 dependentes. As eleições aferiam-se do seguinte modo: os eleitores (izbiráteli) elegiam os delegados (upolnomótchennii) que por sua vez elegiam os eleitores diretos (viborchtchiki). Estes últimos elegiam os deputados nos congressos gerais de governo das quatro cúrias.
O sufrágio não era igual. Para enviar ao congresso geral de governo um eleitor direto eram necessários respectivamente 2.000 latifundiários, 7.000 burgueses nas cidades, 30.000 camponeses, 90.000 operários.
Com a lei de 3 de junho de 1907, os direitos eleitorais dos operários e dos camponeses sofreram uma ulterior limitação. Para um eleitor direto eram necessários, contra 230 latifundiários ou 1.000 burgueses, 60.000 camponeses ou até 125.000 operários.
Além disso, a cúria da cidade foi dividida em primeira cúria (burguesia industrial e comercial) e segunda cúria (intelectuais, empregados, comerciários, etc.). (retornar ao texto)

(6) Tchveni Tskliovreba (A Nossa Vida), diário legal bolchevique em língua georgiana, dirigido por Stálin. Publicou-se em Tiflís a partir de 18 de fevereiro de 1907. Saíram 13 números. A 6 de março de 1907 o jornal foi suprimido “por extremismo”. (retornar ao texto)

Transcrição
pcr
Inclusão 05/10/2019