Resposta aos Camaradas Ucranianos da Retaguarda e da Frente

J. V. Stálin

12 de Dezembro de 1917


Primeira Edição: "Pravda" ("A Verdade"), n.° 13 de dezembro de 1917.

Fonte: J.V. Stálin – Obras – 4º vol., Editorial Vitória, 1954 – traduzida da edição italiana da Obras Completas de Stálin publicada pela Edizioni Rinascita, Roma, 1949.

Tradução: Editorial Vitória

Transcrição: Partido Comunista Revolucionário

HTML: Fernando A. S. Araújo, setembro 2006.

Direitos de Reprodução: A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.


capa

Desde o dia em que se agravaram as relações com a Rada Ucraniana[N2], venho recebendo de camaradas ucranianos, em grande número, resoluções e cartas a respeito da questão do conflito com a Rada. Responder separadamente a cada uma delas parece-me impossível e supérfluo, visto como essas resoluções e cartas são quase sempre do mesmo teor. Por esse motivo, decidi escolher as questões que aparecem com maior freqüência e respondê-las com precisão, de modo a não deixar margem a dúvidas. Essas questões são conhecidas de todos:

  1. — como surgiu o conflito;
  2. — em que pontos surgiu;
  3. — que medidas são necessárias para sua solução pacífica;
  4. — deverá, então, correr o sangue de povos irmãos ?

Exprime-se, depois, a certeza geral de que o conflito entre os dois povos irmãos será resolvido pacificamente, sem derramamento de sangue fraterno.

Antes de mais nada, é necessário salientar que os camaradas ucranianos confundem alguns conceitos. Imaginam talvez o conflito com a Rada como um conflito entre o povo ucraniano e o russo. Isto não corresponde à verdade. Entre o povo ucraniano e o russo não existem nem podem existir conflitos. Os dois povos, o ucraniano e o russo, assim como os outros povos da Rússia, são compostos de operários e camponeses, de soldados e marinheiros. Todos eles combateram juntos contra o tzarismo e a camarilha de Kerenski, contra os latifundiários e os capitalistas, contra a guerra e o imperialismo. Todos eles derramaram juntos o seu sangue pela terra e pela paz, pela liberdade e pelo socialismo. Na luta contra os latifundiários e os capitalistas, são todos irmãos e companheiros. Na luta por seus próprios interesses vitais, não há nem pode haver conflitos entre eles. Naturalmente, os inimigos dos .trabalhadores têm interesse em apresentar o conflito com a Rada como um conflito entre o povo russo e o ucraniano, porque assim será facílimo açular, uns contra os outros, os operários e os camponeses de povos do mesmo sangue, para grande alegria dos opressores desses povos. Será, entretanto, difícil para os operários e camponeses conscientes compreender que aquilo que convém aos opressores dos povos é nocivo a esses mesmos povos ?

O conflito não surgiu entre os povos da Rússia e da Ucrânia, mas entre o Conselho dos Comissários do Povo e a Secretaria Geral da Rada.

Quais as questões que deram motivo ao conflito?

Diz-se que o conflito surgiu em torno da questão do centralismo e da autodeterminação, que o Conselho dos Comissários do Povo não permite ao povo ucraniano tomar em suas próprias mãos o Poder e dispor livremente dos seus destinos. É isso verdade? Não, não é verdade. O Conselho dos Comissários do Povo procura justamente conseguir que todo o poder na Ucrânia pertença ao povo ucraniano, vale dizer, aos operários, soldados, camponeses e marinheiros ucranianos. O Poder Soviético, isto é, o Poder dos operários e camponeses, dos soldados e marinheiros, sem latifundiários e capitalistas, exatamente isso é o Poder popular pelo qual luta o Conselho dos Comissários do Povo. A Secretaria Geral não quer semelhante Poder, porque não quer renunciar aos latifundiários e aos capitalistas. Nisto, e não no centralismo, está o âmago da questão.

O Conselho dos Comissários do Povo desde o início sustentou e continua sustentando o princípio da livre autodeterminação. E em nada se opõe a que o povo ucraniano se separe para formar um Estado independente. Mais de uma vez o tem declarado oficialmente. Mas quando se confunde autodeterminação do povo com a autocracia de Kalédin, quando a Secretaria Geral da Rada tenta fazer passar por manifestação de autodeterminação nacional os excessos contra-revolucionários dos generais cossacos, então o Conselho dos Comissários do Povo não pode deixar de notar que a Secretaria Geral desempenha a comédia da autodeterminação, ocultando, assim, suas ligações com Kalédin e com Rodzianko. Nós somos pela autodeterminação dos povos, mas não toleramos que sob a palavra de ordem da autodeterminação se passe o contrabando da autocracia de Kalédin, que ainda ontem sufocava a Finlândia.

Diz-se que o conflito surgiu em torno da questão da República Ucraniana, que o Conselho dos Comissários do Povo não reconhece tal República. É isso verdade? Não, não é verdade. O Conselho dos Comissários do Povo reconheceu oficialmente a República Ucraniana no "ultimatum" e na "resposta" ao Estado-Maior ucraniano de Petrogrado[N3]. O Conselho dos Comissários do Povo está pronto a reconhecer como república qualquer região nacional da Rússia, na hora em que isto seja desejado pelo povo trabalhador dessa região. Ele está pronto a reconhecer o sistema federativo na vida política de nosso país, no momento em que isto seja desejado pelo povo trabalhador das regiões da Rússia. Mas, quando se confunde a república popular com a ditadura militar de Kalédin, quando a Secretaria Geral da Rada procura apresentar os monarquistas Kalédin e Rodzianko como baluartes da república, então o Conselho dos Comissários do Povo não pode deixar de dizer que a Secretaria Geral desempenha a comédia da República, ocultando, assim, a sua completa dependência dos opulentos monarquistas. Nós somos pela República Ucraniana, mas não toleramos que a bandeira da república sirva para cobrir os inimigos jurados do povo, os monarquistas Kalédin e Rodzianko, que até ontem se bateram pela restauração do antigo regime e pela pena de morte para os soldados.

Não, as questões do centralismo e da autodeterminação nada têm que ver com o conflito da Rada. O dissídio não surgiu em torno dessas questões. O centralismo e a autodeterminação foram deliberadamente trazidos à baila pela Secretaria Geral como estratagema tático para esconder às massas ucranianas os verdadeiros motivos do conflito.

O conflito surgiu não em torno da questão do centralismo e da autodeterminação, mas em torno das três seguintes questões concretas:

Primeira questão. O conflito teve origem nas ordens que foram dadas à frente por um membro da Secretaria Geral, Petliura, ordens que ameaçaram a frente de completa desorganização. Sem levar em nenhuma consideração o quartel general e os interesses da frente, sem levar em consideração as negociações de paz e a causa da paz em geral, Petliura, com suas ordens, começou a chamar de volta para a Ucrânia todas as unidades ucranianas do exército e da frota. É fácil imaginar que, se essas unidades tivessem obedecido às ordens de Petliura, a frente ter-se-ia rompido num instante: as unidades ucranianas do norte ter-se-iam deslocado para o sul, as meridionais, não ucranianas, ter-se-iam dirigido para o norte, as outras nacionalidades, também uma por uma, teriam marchado "para casa", as ferrovias seriam completamente ocupadas no transporte dos soldados e dos equipamentos, os gêneros alimentícios não mais afluiriam à frente por falta de meios de transporte; e da frente não restaria senão uma recordação. A possibilidade de conseguir o armistício e a paz seria então radicalmente comprometida. Não é necessário lembrar que em tempos normais o lugar dos soldados ucranianos é, antes de mais nada, em suas casas, na Ucrânia. Não é necessário dizer que a "nacionalização" do exército é aceitável e desejável. Mais de uma vez o Conselho dos Comissários do Povo o tem declarado oficialmente. Mas no momento em que a guerra continua e a causa da paz ainda não está consolidada, quando a frente não é constituída com um critério nacional e, por causa da debilidade dos nossos transportes, a "nacionalização" do exército, imediatamente levada a efeito, pode provocar o êxodo dos soldados, o esfacelamento da frente e comprometer a paz e o armistício, não é necessário dizer que em tais condições não se pode nem sequer falar na retirada imediata das unidades nacionais. Eu não sei se Petliura dava-se conta de que com suas ordens impensadas esfacelava a frente e sabotava a causa da paz. Mas os soldados e marinheiros ucranianos imediatamente o compreenderam, pois que todos, salvo raras exceções, recusaram-se a obedecer a Petliura e se mantiveram em seus postos até à conclusão da paz. Os soldados ucranianos salvaram assim a causa da paz, e a questão relativa às impensadas ordens de Petliura por ora perdeu seu caráter de extrema agudeza.

Segunda questão. O conflito, que se originou das ordens de Petliura, aguçou-se com a política da Secretaria Geral da Rada, que começou a desarmar os Soviets dos Deputados da Ucrânia. Destacamentos da Secretaria Geral assaltaram à noite em Kiev as tropas soviéticas e as desarmaram. Tentativas semelhantes verificaram-se em Odessa e Khárkov, mas fracassaram devido à resistência encontrada. Todavia, sabemos seguramente que a Secretaria Geral está reunindo tropas com o propósito de desarmar as forças soviéticas em Odessa e Khárkov. Sabemos seguramente que em diversas outras cidades de menor importância as forças soviéticas já foram desarmadas e "mandadas para casa". A Secretaria Geral da Rada traçou-se desse modo a tarefa de realizar o programa de Kornílov e de Kalédin, de Alexéiev e de Rodzianko em torno do desarmamento dos soviets. Mas os soviets são o baluarte e a esperança da revolução. Quem desarma os soviets desarma a revolução, compromete a causa da paz e da liberdade, trai a causa dos operários e dos camponeses. Os soviets salvaram a Rússia do jugo da camarilha de Kornílov. Os soviets salvaram a Rússia da ignominiosa política de Kerenski. Os soviets conquistaram para os povos da Rússia a terra e o armistício. Os soviets, e somente eles, estão em condições de conduzir a revolução popular à completa vitória. Por isso, quem ergue a mão contra os soviets ajuda os latifundiários e os capitalistas a sufocarem os operários e camponeses de toda a Rússia, ajuda os Kalédin e os Alexéiev a fortalecerem o seu "férreo" poder sobre os soldados e sobre os cossacos.

Não venham dizer-nos que na Secretaria Geral têm assento socialistas e que eles por isso não podem trair a causa do povo. Também Kerenski se diz socialista; não obstante isso, conduziu os exércitos contra Petrogrado revolucionária. Socialista se diz Gotz; não obstante, lançou os alunos da escola militar e os oficiais contra os soldados e marinheiros de Petrogrado. Socialistas se dizem Sávinkov e Avkséntiev; não obstante, decretaram a pena de morte para os soldados da frente. Os socialistas devem ser julgados não segundo suas palavras, mas segundo suas ações. A Secretaria Geral desorganiza e desarma os soviets da Ucrânia, facilitando a Kalédin a tarefa de consolidar seu sanguinário regime no Don e na bacia carbonífera: isto é um fato que não pode ser escondido sob nenhuma palavra de ordem socialista. E justamente por esse motivo, o Conselho dos Comissários do Povo sustenta que a política da Secretaria Geral é uma política contra-revolucionáría. Exatamente por isso, o Conselho dos Comissários do Povo espera que os operários e os soldados ucranianos, os quais combateram na Rússia nas primeiras fileiras pelo Poder Revolucionário Soviético, saibam chamar à ordem a sua Secretaria Geral, ou então eleger uma nova, no interesse da paz entre os povos.

Fala-se em "troca" de unidades militares entre a Rússia e a Ucrânia, de delimitação de esferas de competência, etc. O Conselho dos Comissários do Povo reconhece plenamente a necessidade de tal delimitação. Mas a delimitação deve ser feita com espírito fraternal, amigavelmente, de comum acordo, e não mediante a violência e segundo o "princípio": "pilha aquilo que puderes pilhar", "desarma quem puderes desarmar", como está fazendo atualmente a Secretaria Geral, que se apodera dos abastecimentos e toma as mercadorias, condenando o exército à fome e ao frio.

Terceira questão. O conflito atingiu o auge quando a Secretaria Geral recusou-se terminantemente a deixar passar as tropas revolucionárias dos soviets mandadas contra Kalédin. Unidades sob as ordens da Secretaria Geral prendem os trens que transportam as tropas revolucionárias, arrancam os trilhos, ameaçam disparar, declarando não poderem permitir a exércitos "estrangeiros" passarem por seu território. E esses soldados russos, que até ontem se bateram ao lado dos ucranianos contra os generais carniceiros que tentavam esmagar a Ucrânia, agora lhes parecem "estrangeiros"! E isto acontece exatamente quando a mesma Secretaria Geral deixa passarem livremente através de seu território as unidades cossacas de Kalédin que se dirigem a Rostov e os oficiais contra-revolucionários que de toda a parte chegam até Kalédin!

Em Rostov os homens de Kornílov e Kalédin atravessam com as lanças os guardas vermelhos e a Secretaria Geral da Rada impede-nos o envio de socorro àqueles camaradas! Os oficiais de Kalédin fuzilam os nossos camaradas nas minas e a Secretaria Geral impede-nos o envio de socorro aos nossos camaradas mineiros! Como estranhar que Kalédin, até ontem derrotado, hoje avance constantemente em direção ao norte, conquistando a bacia do Donetz e ameaçando Tzarítzin? Não será porventura claro que a Secretaria Geral está em conluio com Kalédin e com Rodzianko? Não será porventura claro que a Secretaria Geral prefere a aliança com os sequazes de Kornílov à aliança com o Conselho dos Comissários do Povo?

Diz-se que é necessário chegue o Conselho dos Comissários do Povo a um acordo com a Secretaria Geral da Rada. Mas acaso será difícil compreender que um acordo com a atual Secretaria Geral equivale a um acordo com Kalédin e com Rodzianko? Será acaso difícil compreender que o Conselho dos Comissários do Povo não pode seguir o caminho do suicídio? Não iniciamos a revolução contra os latifundiários e os capitalistas para concluí-la com uma aliança com carrascos da espécie de Kalédin. Os operários e os soldados não derramaram o seu sangue para caírem sob o arbítrio dos Alexéiev e dos Rodzianko.

De duas uma:

Ou a Rada rompe com Kalédin, estende a mão aos soviets e abre aos exércitos revolucionários o caminho em direção ao covil dos contra-revolucionários do Don; e nesse caso os operários e soldados da Ucrânia e da Rússia fortalecerão sua aliança revolucionária com um novo impulso de confraternização.

Ou então a Rada não pretende romper com Kalédin, não abre o caminho aos exércitos revolucionários; e nesse caso a Secretaria Geral da Rada conseguirá obter aquilo que em vão têm procurado obter os inimigos do povo, quer dizer, o derramamento do sangue de povos irmãos.

Depende do grau de consciência e de espírito revolucionário que tenham atingido os operários e soldados ucranianos o conseguirem chamar à ordem sua Secretaria Geral ou então elegerem uma outra, no interesse de uma solução pacífica para o perigoso conflito.

Depende da decisão e da firmeza dos operários e dos soldados ucranianos poderem eles impor à Secretaria Geral que se defina, sem rodeios, sobre uma das duas alianças: por uma aliança com Kalédin e com Rodzianko contra a revolução, ou pela aliança com o Conselho dos Comissários do Povo para combater a contra-revolução dos cadetes e dos generais.

O problema da solução pacífica do conflito está nas mãos do povo ucraniano.

O Comissário do Povo
J. Stálin.

12 de dezembro de 1917.


Notas de fim de tomo:

[N2] A Rada Central Ucraniana foi constituída em Kíev, em abril de 1917, pelo bloco dos partidos e dos grupos burgueses e pequeno-burgueses. Após a vitória da Revolução Socialista, a Rada recusou-se a reconhecer o governo soviético, contra o qual iniciou uma luta aberta, apoiando, na frente do Don, Kalédin e os outros generais brancos. Em abril de 1918 os invasores alemães substituíram a Rada pelo hetmanado de Skoropadski (hétmã: chefe cossaco). (retornar ao texto)

[N3] (3) No ultimatum do Conselho dos Comissários do Povo (Manifesto ao povo ucraniano e ultimatum à Rada escrito por Lênin, dizia-se entre outras coisas: ". . . nós, Conselho dos Comissários do Povo, reconhecemos a República Popular Ucraniana e o seu direito de desligar-se completamente da Rússia ou de concluir com a República da Rússia um acordo visando a estabelecer com ela relações federativas ou semelhantes.
Nós, Conselho dos Comissários do Povo, reconhecemos imediatamente, sem reservas e sem condições, tudo aquilo que é atinente aos direitos nacionais e à independência nacional do povo ucraniano" (vide Lênin, Obras Completas, IV edição em língua russa, vol. 26, págs. 323-325).
Na Resposta do Conselho dos Comissários do Povo ao Estado-Maior ucraniano de Petrogrado (mais exatamente: Estado-Maior ucraniano do Conselho Militar Regional de Petrogrado), que em nome da Rada Central efetuava as negociações com o Conselho dos Comissários do Povo, dizia-se: "Quanto às condições impostas pela Rada, as que concernem aos princípios fundamentais (direito de autodeterminação) não constituíram e não constituem objeto de discussão ou de conflito, visto como o Conselho Comissários do Povo reconhece e põe em prática esses princípios em toda a sua plenitude" (vide Izvéstia, n.° 245, 7 de dezembro de 1917. (retornar ao texto)

pcr
Inclusão 18/11/2007